“Não morro, entro na vida”.

 

Qual o sentido espiritual e religioso das relíquias dos santos na Igreja Católica? Leia a resposta num artigo escrito pelo Pe. R. Zambelli, reitor da Basílica de Santa Teresinha em Lisieux, França:

As relíquias dos santos não passam de sinais muito pobres e frágeis do que foram seus corpos. Diante das relíquias podemos evocar mais facilmente sua condição humana: foi com seus corpos que os santos agiram, pensaram, rezaram, trabalharam e sofreram.

Estes sinais são tão sutis e quase irrisórios, mas é deles que Deus, às vezes, quer se servir para manifestar sua presença e fazer brilhar seu poder e sua glória. Pois é ele que age através desses sinais. Pois é ele que age através destes sinais. Nossa lógica não é a do mundo. Então entramos na lógica desconcertante de Deus. É o que o apóstolo Paulo lembrava aos coríntios: "O que é estulto no mundo, Deus o escolhe para confundir os sábios; o que é vil e desprezível no mundo, Deus escolhe para confundir o que é sábio..."(1Cor 1,27). Mas o mesmo apóstolo não tinha acabado de declarar: "A loucura de Deus é mais sábia que os homens e o que é fraqueza de Deus é mais forte que os homens"?(1Cor 1,25)

Voltando ao caso de Teresinha, é uma verdade que, em presença e ao contato com seus restos mortais, estes pobres restos são como pétalas secas de uma rosa desfolhada. Deus que havia recebido tantos sinais de amor da parte da santa, através de sua humanidade íntegra, se alegra, agora, em manifestar seu amor, através destes restos de sua humanidade.

A partir desses pobres sinais, seu poder de salvação se revela e se desdobra. Basta, para convencer, ler os volumens que relatam os favores, as curas obtidas ao contato das relíquias de Santa Teresinha, assim como a abundante correspondência que todo dia chega a Lisieux. Quem poderá dizer, aliás, o número daqueles que conservam preciosamente em sua carteira ou em seus papéis pessoais um santinho que traz a menção: tecido que tocou nas relíquias da Santa...? Na verdade, estamos numa outra lógica, aquela que nasce das palavras de Jesus: "Sim, Pai, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos"(Lc 10,21).

Acresce que o culto das relíquias dos santos também está aí para mostrar que estamos à espera da ressurreição. Realmente, Deus que nos deu um corpo, a partir de tão pouca coisa, é bastante poderoso para nos modelar um corpo de glória. Os restos mortais do primeiro são como que o penhor do segundo. As relíquias são um sinal desta dupla verdade. É a este título que elas são embutidas na pedra de nossos altares, lugar da presença real do Cristo Ressuscitado em todas as nossas eucaristias, onde se antecipa na fé o mistério de nossa própria ressurreição.

Se houve abusos nos séculos passados, a propósito do uso e da autenticidade das relíquias, se a sensibilidade de alguns de nossos comtemporâneos é nesse ponto diferente da de nossos antepassados, é sempre verdade que o culto das relíquias teve sempre seu valor e sua razão de ser na Igreja e as festas que gravitam em torno de sua presença siginificativa sempre atraem multidões, como verificamos em Lisieux e em outros lugares.

Quanto à nossa atitude em relação a todos esses sinais, parece-me, em conclusão, vê-la admiravelmente descrita por Blaise Pascal nesse fragmento dos Pensamentos (944): "É preciso que o exterior se junte ao interior para obter alguma coisa de Deus: isto é, é preciso que nos ponhamos de joelhos, rezemos com os lábios, etc... a fim de que o homem orgulhoso que não quis submeter-se a Deus, seja agora submetido à criatura. Esperar apenas deste exterior o socorro é ser supersticioso, não querer juntar-se ao interior é ser soberbo".