Trabalhos: Opus Dei (1)in "Rebeldia", nº 2, Grémio Rebeldia, Lisboa, Maio 1988
Esta é uma ténue imagem de uma organização
religiosa que vive à sombra e à custa da Igreja Católica
Romana, e que tenta, a todo o custo, conquistar o poder. João Pedro Ferro
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1. História A Opus Dei nasceu em 2 de Outubro de 1928 de uma visão. O então padre José Maria Escrivá de Balaguer (1902-1975) (2) viu qual a missão que Deus lhe destinou: a de "levar homens de todos os meios - começando pelos intelectuais para chegar depois aos outros - a responder a uma vocação específica que consiste em procurar a santidade e em fazer apostolado no meio do mundo, no exercício da sua profissão ou trabalho, sem mudar de estado". Inicialmente, as mulheres não tinham cabimento na Obra de Deus (Opus Dei), mas uma nova "inspiração divina" (14 de Fevereiro de 1930) fez-lhe ver que também elas podiam participar da santificação. Constituíu-se então uma secção feminina, totalmente separada da masculina. Iniciado em Espanha em 1928, somente em 1946 a Opus Dei iniciou a sua fase de expansão para diversos países do Mundo, encontrando-se em 1969 disseminada por 30 países (3). O primeiro país para onde se expandiu foi precisamente Portugal, onde, em 1946, Escrivá de Balaguer veio estabelecer os primeiros contactos com bispos. Nesse mesmo ano, chegaram alguns membros que fixaram residência em Coimbra, onde erigiram um centro. Espalharam-se depois para Lisboa e para o Porto. Mas a vida da Opus Dei no interior da Igreja Católica Romana não foi pacífica.
diz Escrivá de Balaguer. Este apelo à vocação da santificação no mundo cedo foi visto como heresia por muitos clérigos. No entanto, os maiores problemas que se colocavam eram de cariz jurídico, na medida em que a Opus Dei possuía leigos como directores espirituais e como elementos de formação. Ora, o Código de Direito Canónico de 1917, então em vigor, apenas previa, para as instituições internacionais, o direito dos religiosos, condição que a Opus Dei, mediante as suas estruturas sociais profanas, largamente ultrapassava. Além do mais, existia um latente conflito com as autoridades eclesiásticas territoriais pois, ao contrário do que o direito canónico prescrevia, os sacerdotes da Opus Dei não se colocavam debaixo da autoridade episcopal da sua diocese. Não vamos aqui referir todos os passos do processo de regularização da Opus Dei no seio da Igreja Católica Romana, na medida em que, além de fastidioso, depararíamos com questões de Direito Canónico que ultrapassam os nossos conhecimentos. Diga-se somente que, apenas em 1947, a instituição Opus Dei encontrou o primeiro estatuto jurídico, com a criação dos Institutos Seculares, pela Constituição Apostólica Provida Mater Ecclesia(4) e que a aprovação definitiva da Opus Dei pela Santa Sé se verificou somente em 1950 (16 de Junho), com o decreto Primum inter de Pio XII. A solução jurídica definitiva para a Opus Dei foi encontrada através da criação de Prelaturas Pessoais ou Apostólicas, pelo Decreto Presbyterorum ordinis (7.12.1965) e pelo "Motu Proprio" de Paulo VI, Ecclesiae sanctae (6.8.1966). No entanto, culminando estudos elaborados desde 1969, a Opus Dei apenas foi erigida em Prelatura Pessoal em 28 de Novembro de 1982, pela Constituição Apostólica Ut sit. As prelaturas pessoais(5) são "estruturas jurídicas, de carácter puramente pessoal" (ou seja que normalmente não se circunscrevem a um espaço territorial, como as dioceses) "e secular, erigidas pela Santa Sé para a realização de actividades pastorais peculiares, à escala de uma região, de uma nação ou do mundo inteiro".
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2. Estrutura organizativa e importâcia mundial A prelatura pessoal Opus Dei ou, mais correctamente, a Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei, encontra-se dotada de Estatutos próprios, depende da Sagrada Congregação para os Bispos, e a sede do seu governo central é em Roma (Viale Bruno Buozzi, 75). O governo central é dirigido por um Prelado (actualmente Mons. Álvaro del Portillo), eleito vitaliciamente por um congresso electivo para esse fim convocado. Deve exercer o sacerdócio há, pelo menos, cinco anos e ser confirmado pelo Papa. O Prelado pode designar um Vigário Auxiliar e dirige, tanto a secção masculina como a secção feminina, coadjuvado pelos respectivos orgãos de consulta. Estes são um Conselho Geral, que o auxilia na direcção da secção masculina e que é constituído pelo Vigário Auxiliar (caso o haja), pelo Vigário Secretário Geral, pelo Vigário para a secção feminina (denominado Vigário Secretário Central), por três Vice-Secretários, por um Delegado de cada região pelo menos, pelo Prefeito de Estudos e pelo Administrador Geral; na direcção feminina, por sua vez, é auxiliado pelo Vigário Auxiliar (se o houver), Vigário Secretário Geral, pelo Vigário Secretário Central e pela Assessoria Central, organismo semelhante e com funções análogas ao Conselho Geral da secção masculina. Todos estes dignatários, com excepção do Vigário Auxiliar, são nomeados por oito anos. As relações com a Santa Sé são asseguradas por um Procurador, que deve ser sacerdote. De igual modo são obrigatoriamente escolhidos entre os sacerdotes o Vigário Auxiliar, o Vigário Secretário Geral e o Vigário Secretário Central. A direcção espiritual comum de todos os membros da Opus Dei é coordenada por um Director Espiritual Central, sob a direcção do Prelado e dos Conselhos. A Opus Dei congrega dentro de si sacerdotes e leigos. Os sacerdotes incluem o clero de prelatura, constituído por leigos que, além de uma formação civil superior, seguem, no seio da Prelatura, os necessários estudos eclesiásticos; e por sacerdotes que se adscrevem à Opus Dei, oriundos de uma diocese, através da Sociedade sacerdotal da Santa Cruz, associação fundada pela Opus Dei. Estes últimos mantêm-se, no entanto, na dependência total e exclusiva do bispo da respectiva diocese. Os leigos dividem-se em Numerários, Agregados, Supranumerários e Cooperadores. Os Numerários são sacerdotes e leigos que colaboram com "todas as suas forças e uma disponibilidade total" nas tarefas apostólicas particulares da Opus Dei, resistindo normalmente nos centros da Prelatura. Cabe-lhes a formação dos fiéis e a direcção das actividades apostólicas. Os Agregados são leigos que, vivendo "no celibato apostólico", residem no interior das suas famílias naturais. Exige-se-lhes, à semelhança dos anteriores, uma dedicação total à Opus Dei. Os Supranumerários são leigos solteiros ou casados, que apenas participam na Obra de Deus na medida em que as suas actividades pessoais e familiares o permitam. Finalmente, os Cooperadores são aqueles que, não sendo membros da Opus Dei, colaboram nas suas tarefas, com "a oração, a esmola e mesmo o seu trabalho". Segundo a bibliografia, podem ser indivíduos que nao sejam católicos ou, inclusivamente, não cristãos! Insiste-se na variedade dos membros leigos da Opus Dei, que pertencem a todas as condições sociais, desde simples pedreiros a políticos, não havendo assim nenhuma forma de elitismo social. No entanto, como um pouco mais adiante analisaremos, as preferências de recrutamento são bem marcadas, dando-se preferência ao intelectual e ao estudante universitário. Vejamos agora como se processa o ingresso na Opus Dei. A idade mínima é de 18 anos, não havendo limite etário superior. A entrada faz-se por meio de um vínculo de carácter contractual entre a Prelatura e o leigo: a prelatura compromete-se a assegurar uma formação "doutrinal-religiosa, espiritual, ascética e apostólica" e assegura ainda a ajuda pastoral particular dos sacerdotes da Prelatura, bem como o cumprimento de todas as obrigações impostas pelos Estatutos da Opus Dei; por seu lado, o interessado compromete-se a permanecer sob a jurisdição do Prelado e dos altos dignatários da Prelatura e declara estar firmemente disposto a procurar a santidade e a fazer apostolado. Compromete-se ainda a cumprir todos os deveres que as normas da Opus Dei obrigam e a obedecer às suas autoridades em matérias de regime de espírito e de apostolado. Segundo Dominique Le Tourneau, todos são livres de se desligar da Opus Dei, embora acrescente que isso não significa "que as almas não estejam ajudadas a perseverar mediante direcção espiritual apropriada". A Opus Dei exige do novo elemento uma obediência absoluta e incondicional dos Directores da Prelatura, ou seja, aos Directores Espirituais. Embora Escrivá de Balaguer refira tratar-se de uma obediência voluntária e responsável, através do espírito de iniciativa de seres inteligentes e livres, uma peuqena análise de alguns passos do Caminho mostra algo diferente:
"Nos trabalhos do apostolado não há desobediência pequena" (Caminho, 614). "Obedecer... - Caminho seguro. Obedecer cegamente ao superior {...}" (Caminho, 914) Mas a Opus Dei exige mais. Exige "uma intensa vida sacramental, principalmente centrada na Missa e na Comunhão diárias e na Confissão semanal; a prática habitual da oração mental (até uma hora por dia); a leitura do Novo Testamento e de um livro de espiritualidade; a recitação do Terço; o exame de consciência; uma recolecção mensal e um Retiro anual; a procura constante da presença de Deus; a consideração da filiação divina; a recitação de comunhões espirituais, actos de desagravo, orações jaculatórias", etc., etc. Exige igualmente a prática quotidiana do sacrifício e da penitência, incluindo a mortificação. Segundo o que nos foi possível apreender de informações obtidas, a ministração da doutrina faz-se por meio de meditação individual e colectiva, através de aulas e palestras. Pelo menos num nível mais elementar, existem três tipos de "sessões" doutrinárias: uma meditação semanal, motivada por um jovem, versando temas da doutrina da Opus Dei, onde os grupos rondam as 4 ou 5 pessoas e se requerem homogéneos. Uma outra sessão, de cerca de 2 horas e 30 minutos, efectua-se três vezes por semana, constando de uma palestra sobre doutrina da Igreja, uma missa e uma meditação interior, que é efectuada do seguinte modo: o orador ou um sacerdote vão efectuando interrogações em voz alta, a que cada indivíduo deve responder interiormente. A sessão termina com uma confissão, que é facultativa. Por fim, realizam-se semanalmente conferências, proferidas por pessoas mais antigas na Opus Dei, versando de um modo mais pragmático, problemas da Sociedade e a sua resolução de acordo com a doutrina da Obra. Acrescente-se que os membros da Opus Dei têm sempre à sua disposição um capelão para se confessarem e o seu director a quem nada devem ocultar. Em 1984, o número de fiéis leigos da Prelatura rondava os 73 000, de 87 nacionalidades, equilibrando-se o número de homens e mulheres. Do que resulta, uma média de cerca de 840 membros leigos por nação. Pesando muito embora todos os condicionalismos de um número calculado de modo tão simplista, verifica-se que a implantação social da Opus Dei não era, em 1984, muito elevada. Quanto ao número de sacerdotes, estes eram, em 1985, cerca de 1220 apenas, sendo o crescimento anual da ordem de 60 sacerdotes, o que, a manter-se, levará a um número, em finais de 1988, de cerca de 1400. Assim, em 1984, os sacerdotes representavam cerca de 1,6% do total dos membros da Opus Dei. Em Portugal, em finais de 1985, existiam cerca de 2000 membros, incluindo aproximadamente 15 sacerdotes, representando 0,75% do total. Concentravam-se sobretudo em Lisboa, Porto e Coimbra, embora existissem igualmente membros em Braga, Guimarães, Famalicão, Lamego, Viseu, Guarda, Aveiro, Figueira da Foz, Leiria, Caldas da Rainha, Évora, Montemor-o-Novo, etc. Apesar de a sua implantação social não ser muito elevada, a Opus Dei não é vista com muito bons olhos por grande parte da hierarquia católica, na medida em que constitui como que um "Estado" dentro da Igreja e possui poderosas influências, chegando mesmo a suspeitar-se da sua responsabilidade na escolha do presente Papa. No mundo profano, o seu papel não é menor em certos países como, por exemplo, em Espanha ou em Itália, onde por vezes transpiram para os jornais certos pormenores da sua influência política e económica(6). Este poder efectivo tende a aumentar, na medida em que os alvos preferenciais do recrutamento da Opus Dei são os intelectuais, os professores universitários e os estudantes universitários, muitos deles futuros professores. Asseguram assim um proselitismo fácil e eficaz. Quanto a orgãos de informação próprios, o Governo Central elabora um Boletim Informativo que, depois de traduzido, é distribuído gratuitamente a quem o quiser pela Vice-Postulação de cada país. Em Portugal saiu já o nº 7.
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3. Doutrina e Filosofia Vejamos um pouco mais pormenorizadamente quais os fins práticos da Opus Dei. Segundo um documento emanado em 1983 da Santa Sé, estes são dois, ambos pastorais:
b) apostolado do presbitério e do laicado da Prelatura, a fim de difundir pela sociedade o chamamento universal à santidade.
"O fim geral do Instituto(7) é a santificação dos seus membros pela prática dos conselhos evangélicos e a observância das próprias constituições."(8). "O fim específico é trabalhar com todas as forças para que as classes dirigentes, principalmente os intelectuais, adiram aos preceitos e ainda aos conselhos de Cristo Nosso Senhor e os ponham em prática, e deste modo, fomentar e difundir a vida de perfeição em todas as classes da sociedade civil e formar homens e mulheres para o exercício do apostolado no mundo"(9).
Compreende-se de imediato a finalidade da Opus Dei em se implantar prioritariamente junto de centros universitários. É neles que se forma a maioria dos dirigentes e intelectuais das nações. Aumentam assim as possibilidades de colocar no poder elementos que actuem debaixo do seu controle. Muito embora Dominique Le Tourneau refira que a Opus Dei não tem doutrina própria e não constitui escola própria em questões filosóficas, teológicas ou canónicas - assim teria de ser para a sua aceitação no seio da Igreja -, pela leitura do seu livro fundamental, o Caminho e de outras obras devidas a Escrivá de Balaguer, torna-se claro que possui uma doutrina e uma filosofia próprias. O Caminho (Camino na versão original castelhana), foi escrito por José Maria de Balaguer em 1934. Em 1987, contava já com 216 edições, em 37 idiomas, num total de 3 409 664 exemplares. É um livro escrito em discurso directo, em forma de confidências. Consta de 999 artigos ou versículos, divididos por 46 capítulos. Destina-se prioritariamente aos jovens do sexo masculino. Uma análise forçosamente superficial desta obra permite distinguir claramente algumas linhas-força que julgamos necessário salientar. a) Apelo à despersonalização individual através de uma constante humilhação e de uma subjugação completa ao Director espiritual.
"Não desaproveites a ocasião de abater o teu próprio juízo: - Custa..., mas que agradável é aos olhos de Deus" (Caminho, 177). "Não és humilde quando te humilhas, mas quando te humilham e o aceitas por Cristo" (Caminho, 594).
"É má disposição ouvir as palavras de Deus com espírito crítico" (Caminho, 945). "No Apostolado, estás para te submeteres, para te aniquilares; nã para impor o teu critério pessoal" (Caminho, 936).
Vejamos agora alguns interessantes passos do Caminho, complementados pelos de uma obra póstuma de Escrivá de Balaguer, Sulco, escrita no mesmo estilo da anterior(10): "Onde não há mortificação, não há virtude" (Caminho, 180). "Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor... Glorificada seja a dor!" (Caminho, 208). "O teu maior inimigo és tu mesmo" (Caminho, 255).
"A mortificação é de uma importância
extraordinária, sob todos os pontos de vista: "Que pouco vale a penitência sem a contínua mortificação" (Sulco, 223). "Um dia sem mortificação é um dia perdido, porque não nos negámos a nós mesmos, não vivemos em holocausto" (Sulco, 988).
"Estudante: forma-te numa piedade sólida e activa, sobressai no estudo, sente firmes desejos de apostolado profissional. E eu te prometo, ante o vigor da tua formação religiosa e científica, próximas e amplas conquistas" (Caminho, 346).
A Opus Dei tem pretensões universalistas, como aliás é característico de todas as seitas e sociedades de fundo cristão. O proselitismo deve ser uma das características de todos os seus membros, que devem trabalhar individualmente no sentido de cativarem novos elementos, através do seu exemplo. No entanto, a Opus Dei requer discrição, na medida em que o publicitar a condição de membro da Prelatura pode atrair o inimigo e, como a sua doutrina e ideologia nem sempre se encontra consistentemente apegada ao coração dos seus membros, estes podem ser desviados do apostolado mediante argumentação fácil. O apostolado deve ser praticado na sociedade, no interior da família ou do grupo profissional, no seio dos amigos, com naturalidade mas com constância. E deve o "apóstolo", além disso, utilizar os meios que esses grupos põem à sua disposição:
"Acredita em mim, o apostolado, a catequese, em geral, tem de ser capilar: um a
um. Cada crente com o seu companheiro imediato. "Cala-te. Não te esqueças de que o teu ideal é como uma luzinha recém-acesa. Pode bastar um sopro para apagá-la do teu coração" (Caminho, 644).
"Os sectários vociferam contra aquilo a que chamam 'o nosso
fanatismo', porque os séculos passam e a Fé católica
permanece imutável.
"Não se pode tolerar que ninguém, nem mesmo com bom fim, falseie a história ou a vida. Mas constitui um grande erro levantar um monumento aos inimigos da Igreja, que consumiram os seus dias a persegui-la. Convence-te: a verdade histórica não sofre por um cristão não colaborar na construção de uma estátua que não deve existir: desde quando o ódio se apresentou como modelo?" (Sulco, 938).
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Notas:
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