Morte em Anestesia

Genival Veloso de França (*)

Todo ato anestésico tem seu risco. Imanente ou contingente, grande ou pequeno, imediato ou mediato, mas sem-pre possível. Esse risco é caracterizado por componentes que podem ser evitados e por outros reconhecidamente imprevisíveis e incontroláveis. Não há como negar a existência da morta-lidade por anestesia, onde, além das causas ine-rentes ao paciente e aos meios disponíveis, pode o anestesiologista concorrer para tanto, através de erros técnicos, interação errada de drogas, superdosagem de anestésicos, negligên-cia por afastamento da sala e por anestesias simultâneas, ou por imprudência, onde a audá-cia e a improvisação possam levar a um êxito letal. No entanto, entendemos que uma das causas mais comuns que contribuem para a mortalida-de em anestesia é a falta de uma criteriosa avaliação pré-anestésica. A omissão dessa fase tão importante da anestesia impede uma maior avaliação do paciente, no que diz respeito às suas condições vitais e às variações fisiológicas; dificulta a escolha de um adequado agente anestésico e de uma melhor técnica; e, concor-re para aumentar a tensão emocional do pa-ciente. Muitas vezes, apenas um exame clínico pré-anestésico evitaria certas complicações mais graves, capazes de levar o doente à morte. Esse risco anestésico-cirúrgico não pode deixar de ser considerado. Alguns autores hoje já entendem que um dano produzido em anestesia tem caracteriza-ção jurídico-civil mais grave, face estabelecer-se entre o anestesiologista e o paciente, um con-trato de resultado e não um contrato de dili-gência ou de meio. Nesse particular, como já disse tantas vezes, não concordo. Outros, entre eles Fortuna, chegam a admitir que todas as mortes relacionadas com a anestesia são oriundas de falhas e erros humanos, por omissão ou comis-são, e mais raramente aos defeitos dos instru-mentos ou aos efeitos iatrogênicos em pacien-tes portadores de processos patológicos laten-tes. Houve até quem, de forma exagerada, tenha afirmado que “a anestesia não mata, quem mata é o anestesista". Isto, porque admitem que o acidente respiratório, durante uma anes-tesia, não é um fato imprevisível nem incontor-nável. É cogitado. E quando ocorre um acidente, o paciente não está perdido. Por isso, sempre defendi a idéia de que toda morte durante uma cirurgia, de causa não-justificada, fosse obrigatoriamente motivo de necropsia. E que se criassem comissões in-terdisciplinares regionais e nacionais para estu-darem tais ocorrências, instituindo-se assim um verdadeiro "banco de dados", com a finalidade de informar sobre as eventuais causas de óbito em anestesia, levantando sua incidência e suas origens, tendo-se em conta as condições de tra-balho, a segurança dos aparelhos, afirmação dos profissionais e o uso das drogas ministradas, como também as formas de preveni-las minorá-las.. Além disso, é necessário que se incluam, de forma compulsória, nas salas de cirurgia moni-tores automáticos que registrem as atividades cardíacas e respiratórias com alarmes acústicos ou visuais, detetores de oxigênio nos aparelhos de anestesia e oxímetros que sinalizem qual-quer baixa na concentração de 02 na mistura inspirada, com registro da saturação de Hb na circulação periférica. Ninguém pode esquecer que os tribunais civis do nosso país começam a inclinar-se, cada vez com mais insistência, em favor dos pacien-tes. Qualquer infortúnio decorrente da omis-são daquele instrumental, mesmo aparente-mente sofisticado, já pode caracterizar a res-ponsabilidade do hospital, do cirurgião ou do anestesiologista, principalmente se estiverem num centro maior, pois esses equipamentos de segurança já são considerados como obrigató-rios e imprescindíveis por Resolução do CFM. Nos países do terceiro mundo, malgrado um ou outro esforço, tais cuidados ainda não se verificam e a impunidade dos profissionais culpados é quase absoluta. Não existe uma es-tatística de acidentes e mortes em anestesia, e os setores responsáveis pelo adestramento e pela fiscalização do exercício profissional dessa especialidade, pouco divulgam e pouco fazem sobre esses acontecimentos. Entre nós o pró-prio serviço público não se interessa, chegando ao inusitado, face algumas dificuldades de con-tratação de especialistas e de mau relacionamen-to com eles, de justificar a contratação de mé-dicos de outras especialidades para praticarem a anestesia, desde que apenas inscritos nos CRMs (1).

Referência bibliográfica

1. Fortuna, A – A morte em anestesia – aspectos atuais do problema, Ver. Bras Cir, 78(1): 53-55, 1988.

(*) Professor Titular de Medicina Legal da UFPB – Brasil.

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