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Memória e Emoção “A implicação emocional face aos itens a lembrar irá igualmente modificar, de forma drástica, suas performances mnemônicas. Quanto mais estivermos pessoalmente envolvidos com uma informação, mais fácil será lembrá-la.”[LEV 93, p. 130] Não é objetivo deste trabalho divagar sobre “Inteligência Emocional” nem sobre sua importância para o sucesso da raça humana no processo evolutivo, principalmente no aspecto relativo à organização social. Esses assuntos são muito bem abordados por Daniel Goleman e António R. Damásio. No entanto, dada a importância do assunto para o aparato cognitivo humano, é dever deste estudo abordar os diversos aspectos relativos ao relacionamento memória - emoção. Além disso, convém ressaltar que as estruturas cerebrais responsáveis pela fixação da memória (como o hipocampo) estão contidas dentro do sistema límbico, responsável pelas respostas emotivas, em especial a amígdala, vizinha do hipocampo. Esta distribuição funcional não deve ser vista como obra do acaso. A mãe natureza, através da ferramenta da evolução deve possuir fortes motivos para ter escolhido este arranjo físico e não outro qualquer. Um pequeno parêntese: O que são emoções ? Este trabalho concorda com a definição sobre a natureza das emoções intuída por Willian James e citada por António Damásio, a qual é reproduzida a seguir, na íntegra: “Se imaginarmos uma emoção forte e depois tentarmos abstrair da consciência que temos dela todos os sentimentos dos seus sintomas corporais, veremos que nada resta, nenhum “substrato mental” com que constituir a emoção, e que tudo que fica é um estado frio e neutro de percepção intelectual.... É-me muito difícil, se não mesmo impossível, pensar que espécie de emoção de medo restaria se não se verificasse a sensação de aceleração do ritmo cardíaco, de respiração suspensa, de tremura dos lábios e de pernas enfraquecidas, de pele arrepiada e de aperto no estômago. Poderá alguém imaginar o estado de raiva e não ver o peito em ebulição, o rosto congestionado, as narinas dilatadas, os dentes cerrados e o impulso para a ação vigorosa, mas ao contrário, músculos flácidos, respiração calma e um rosto plácido ?”[JAMES, apud DAM 96 p. 158] A hipótese jamesiana referia-se as emoções básicas, instintivas. Como se verá mais adiante, o homem moderno, no decurso da vida e suas inúmeras interações sociais vai aperfeiçoando essas respostas emocionais básicas e é capaz de criar um sentimento correspondente ao corpo excitado pela emoção através de um estímulo interno nascido da ponderação, raciocínio e avaliação desenvolvidas em zonas mais nobres do cérebro, como o neocórtex. As emoções não têm, assim, origem somente em estímulos externos. Mas a essência da hipótese jamesiana não fica comprometida. O que restaria das emoções e sentimentos se se retirassem suas manifestações somáticas? Muitos são simpatizantes da teoria de que as emoções evocadas tanto por estímulos externos como por considerações e avaliações mentais não passam de um “estado de corpo” definido por Damásio como o disparo de várias respostas somáticas como sinais para os músculos do rosto e dos membros, para as vísceras e para glândulas que liberam substâncias químicas na corrente sanguínea, substâncias essas que podem inclusive alterar o estado do próprio cérebro, parte integrante desse “corpo”. Para Damásio, as emoções não são um luxo. Caso o fossem, na certa teriam sido eliminadas no decurso do processo evolutivo. Assim as pessoas seriam hoje algo parecido ao Sr. Spock da série “Jornada nas Estrelas”. No entanto não foi o que ocorreu. Como defende Damásio, as emoções desempenham um forte papel na comunicação de significados a terceiros, essencial nas interações sociais, e também uma orientação no processo cognitivo. O papel da emoção nas memórias humanas Memórias guardam também emoções. Segundo Izquierdo [IZQ 00],
acontecimentos emocionalmente intensos, como o desabamento de um prédio são um
bom exemplo. As pessoas envolvidas em tal acontecimento dificilmente o esquecerão.
A parte informacional ou cognitiva do episódio, ou seja, a visão do prédio
desabando, a fuga e outros aspectos da situação serão gravados na memória
declarativa de longo prazo. Agora, a parte emocional ligada ao fato, o susto, o
terror gerados pelo desabamento, será armazenada pela amígdala. Assim, quando
a amígdala for informada que uma situação similar àquela vivenciada está se
formando, desencadeará uma reação imediata, antes que a áreas do
processamento consciente comessem a
interpretar esta situação.
Segundo António Damásio, todo ser humano seria equipado, desde o nascimento, de um conjunto de respostas (ou memórias) emocionais básicas, regidas por circuitos cerebrais localizados no sistema límbico, evolucionalmente mais antigo. Estas emoções básicas, jamesianas, denominadas por Damásio “Emoções Primárias” seriam aquelas associadas a instintos básicos de sobrevivência como o medo e a raiva na presença de estímulos como um grande tamanho (animais predadores), movimentos específicos (como o dos répteis), determinados sons (como rugidos). Estes estímulos, reconhecidos através de memórias instintivas, localizadas no sistema límbico desencadeiam a ativação de um “estado de corpo”. Em um estado de medo, por exemplo, este novo “estado de corpo” alteraria o processamento cognitivo de modo a responder adequadamente a esta situação de medo. Estas respostas emocionais são muito úteis em situações emergenciais, pois levam o animal a reagir imediatamente (fugindo ou lutando, por exemplo) sem que raciocínios mais complexos sejam necessários. Mas, pelo menos no ser humano, o processo não para aí. O próximo passo é reconhecer a relação entre a emoção e o objeto causador deste estado emocional do corpo. No momento que se estabelece esta relação podem-se aumentar as estratégias de defesa. Quando se descobre que determinada situação ou animal X causa medo, pode-se analisar o cenário em que tal situação ocorreu, pode-se memorizar este cenário associado às respostas emocionais intrínsecas. Se se deparar com X novamente, terá duas opções de reação : uma primitiva, básica, associada não somente a X como a diversas outras situações, sensações e objetos. A outra advém do conhecimento armazenado na memória e obtido através das interações com X no passado. Dessa forma pode-se não somente reagir a X como apreender a evitar situações e ambientes em que X tenha probabilidades de ocorrer. Pode-se também generalizar o conhecimento obtido com X e responder de maneira similar em situações que se assemelhem a X. Mas Damásio define também as “emoções secundárias”, construídas no decorrer da vida do indivíduo, a partir das “emoções primárias”. Damásio comenta sobre esse processo: “Creio, no entanto, que em termos de desenvolvimento de um indivíduo seguem-se mecanismos de emoções secundárias que ocorrem mal começamos a ter sentimentos e formar ligações sistemáticas entre categorias de objetos e situações, por um lado, e emoções primárias, por outro. As estruturas do sistema límbico não são suficientes para sustentar o processo de emoções secundárias. A rede tem de ser ampliada e isto requer a intervenção dos córtices pré-frontal e somatossensorial.”[DAM 96, p.163] Adam Schaff, no seu livro “A Sociedade Informática” também contribui para o entendimento do que, segundo Damásio, seriam as emoções secundárias: “ A teoria do caráter social do homem foi formulada por Erich Fromm. Segundo Fomm, as ações instintivas que permitem ao ser humano reagir sem refletir sobre estímulos provenientes do mundo exterior (particularmente aqueles que implicam algum perigo) são substituídas, no nível evolutivo do homo sapiens, por ações quase instintivas (realizadas também sem reflexão), baseadas em modelos de comportamento transmitidos e modelados pelo desenvolvimento social como resultado da experiência”[SCH 93 p. 82] Um bom exemplo de emoções secundárias, citado por Damásio, seria uma situação na qual fosse comunicada a alguém a morte de uma pessoa próxima. Depois da formação de imagens mentais sobre a referida cena, verifica-se uma mudança de estado no seu corpo, seu coração pode sobressaltar-se, a boca ficar seca, a pele empalidecer, uma contração na barriga e o aumento na tensão dos músculos das costas e do pescoço ajudam a completar o quadro, enquanto seu rosto assumirá uma máscara de tristeza. Este novo “estado de corpo”, induzido pelo cérebro mediante a análise cognitiva do acontecimento acima relatado, provém de “representações dispositivas[1] que incorporam conhecimentos relativos à forma como determinado tipo de situações têm sido habitualmente combinados com certas respostas emocionais na sua experiência individual. Poderia chamar-se a isto, de “memória emocional”. Damásio atribui um conceito distinto para emoção e sentimento. Emoção, como já foi citado é a manifestação de um estado de corpo decorrente de uma reação a determinado evento. Sentimento, para Damásio, é a percepção, a consciência da relação entre o evento e o estado de corpo adjacente. Partindo desta premissa, Damásio argumenta que os sentimentos são tão cognitivos quanto qualquer imagem perceptual. Joseph LeDoux parece chegar a mesma conclusão, citando que uma experiência emocional subjetiva, como o medo, ocorre quando toma-se consciência de que um sistema emocional do cérebro (no caso o medo) está em funcionamento. Para isto, é essencial a existência do sistema emocional propriamente dito e a capacidade de consciência. Essa capacidade, segundo LeDoux, seria o primeiro passo para levar emoções e sentimentos ao mundo computacional, embora o próprio LeDoux não acredite nesta possibilidade.[LED 98] [1] Representações dispositivas: segundo António Damásio, seriam pequenas redes neurais (comunidades de sinapses) contendo por exemplo, não uma imagem per se, mas um mapa, um meio para reconstruir um esboço desta imagem. Se alguém possui uma representação dispositiva para o rosto da Tia Maria, essa representação não contém o rosto dela como tal, mas os padrões de disparo que desencadeiam a reconstrução momentânea de uma representação aproximada desse rosto nos córtices visuais iniciais. Esta reconstrução seria possível também em outros córtices sensoriais (auditivo...).São ditas “dispositivas”, porque dão ordens a outros padrões neurais, tornam possível que a atividade neural ocorra em outro local, em circuitos que fazem parte do mesmo sistema e com os quais se estabeleceu uma forte interconexão neuronal. |