CRIMES E CONFLITOS NAS RELAÇÕES

ENTRE SENHORES E ESCRAVOS

JUIZ DE FORA (1830/88)*

 

Elione Silva Guimarães

<elione@arqhist.pjf.jfa.mg.gov.br>

Mestranda em História Social pela UFF

Pesquisadora do Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora

 

RESUMO: Estudo do cotidiano, criminalidade e conflitos nas relações entre senhores e escravos no município de  Juiz de Fora, Minas Gerais, nos anos de 1830/88. A base fundamental da pesquisa são os processos criminais da Comarca do Paraibuna , que tinha  por sede o município de Juiz de Fora.

 

PALAVRAS-CHAVE: Escravo: criminalidade; Juiz de Fora: escravos; História Social.

 

ABSTRACT: Study of the Quotidian, Criminality and Conflicts in the relations between the possessors and slaves of Juiz de Fora city, Minas Gerais,  in the comprised period of 1830/1888. The fundamental basis of the present research is sustained by the crimnals’ process Paraibuna’s Country.

 

KEY-WORD: slave: criminality; Juiz de Fora city: slaves; Social History.

 

INTRODUÇÃO

 

          Sob aspectos variados esta pesquisa se coloca como parte dos estudos desenvolvidos pela historiografia brasileira nos últimos anos,  propõe-se a abordar um tema da História Regional e da História Social da Escravidão. O locus de estudo é Juiz de Fora — principal município cafeeiro da Zona da Mata mineira na Segunda metade do século XIX, sede da Comarca do Paraibuna — e demais municípios que, em momentos variados do século XIX,  estiveram sob a jurisdição desta Comarca. O tema central é a criminalidade e as relações cotidianas entre cativos e senhores. O período abordado abrange os anos de 1830 a 1888. As datas limites correspondem à data do documento mais antigo localizado, relativo ao tema central, e à data em que deixou de vigorar, oficialmente, a escravidão no Brasil. Embora o lugarejo, hoje Juiz de Fora, só tenha se tornado Vila e sede de Comarca após 1850 optamos por manter as informações localizadas sobre a primeira metade do século XIX para que melhor se acompanhe a evolução da criminalidade na região[1]. Acreditamos que apesar das adversidades da escravidão os cativos lutaram pela sua sobrevivência, resistindo cotidianamente de formas variadas, pelo trabalho nem sempre bem-feito, pela fuga,  impondo limites de tolerância à exploração sofrida, matando e morrendo ... adaptando-se[2]. Dando mostras de que os rigores do cativeiro não coisificaram a sua subjetividade.

          Dividimos este artigo em três seções. Na primeira seção procuramos   apresentar as fontes utilizadas e demonstrar os critérios metodológicos de abordagem, além de uma breve explanação quantitativa sobre a criminalidade na Comarca do Paraibuna. Na Segunda seção discutimos a Criminalidade e a Escravidão, a contradição legal da sociedade escravista que, por um lado, reconhecia o escravo como uma mercadoria, passível de ser vendido, trocado e alugado; por outro,  responsabilizou-os criminalmente pelos seus atos, tratando-os como objetos e sujeitos de delitos, reconhecendo-os como humanos. Na última seção buscamos discutir a criminalidade sofrida pelos cativos na sua relação cotidiana com seus opressores imediatos: senhores, feitores e administradores.

Para empreender o estudo a que nos propomos, sobre o cotidiano, criminalidade e conflito nas relações entre senhores e escravos, tomamos por base a análise as seguintes fontes  primárias: os documentos criminais da Comarca do Paraibuna (1830/88) e alguns inventários post-mortem, o Código Penal do Período Imperial e o Código do Processo Criminal do Período Imperial[3]. No que concerne à documentação criminal, foram  utilizados os documentos judiciais relativos a inquéritos, auto-de-corpo de delito, processos, confissões, sentenças, requerimentos de habeas-corpus etc. Quanto ao nível da abordagem da documentação criminal, realizou-se uma análise quantitativa e qualitativa dos mesmos[4]. A opção pela utilização de processos criminais se justifica porque eles formam  um conjunto serial e massivo, o que nos possibilita acompanhar o movimento social através do tempo, perceber os padrões repetidos de comportamento, avaliando suas permanências e mudanças.

De um modo geral, os processos apresentam a seguinte estrutura:  Inquérito policial, denúncia, citação e interrogatório ao réu, inquirição às testemunhas, alegações finais, pronúncia, libelo e júri [5]. O inquérito policial contém a versão apresentada pela polícia  para o incidente. Pode ser apresentado de forma sintética ou conter várias e valiosas informações  relativas ao espaço, etnia,  relações entre os envolvidos etc[6]. A denúncia traz a versão da justiça para o crime, que pode ser diferente da versão policial, e apresenta a lista das testemunhas. O interrogatório ao réu e às testemunhas. Nem sempre o réu apresentava  a sua versão do crime. O interrogatório às testemunhas contém informações sobre o meio, comportamentos, relações pessoais, condições de trabalho etc.  Entretanto, há que se considerar que a voz das testemunhas, e principalmente do réu, são limitadas, discorrendo somente sobre o que lhe perguntam, sendo cortadas a critério das autoridades e manipuladas de acordo com os interesses preexistentes em condenar, punir ou absolver os envolvidos[7].

          No inquérito policial, denúncia e interrogatório, os pesquisadores têm a possibilidade de encontrar um valioso arsenal de informações para as suas indagações. Entretanto, a análise de processos criminais requer uma leitura crítica, minuciosa, cuidadosa e rigorosa. Devem ser analisados sem que se perca de vista o seu contexto histórico de criação. Como em qualquer pesquisa histórica a crítica às fontes não pode ser negligenciada. No documento judicial, onde nos deparamos com escravos no papel de vítimas, réus ou testemunhas-informantes não podemos perder de vista que foi através de uma gama de intermediários (advogados, curadores, escrivães) que estes se manifestaram.

 

 

POPULAÇÃO ESCRAVA E PADRÕES DE CRIMINALIDADE NA COMARCA DO PARAIBUNA, SÉCULO XIX

 

Não obstante a evidência da produção de alimentos básicos, provavelmente destinados ao mercado interno e à subsistência das unidades produtivas cafeeiras, em Juiz de Fora a base da economia, na segunda metade do século XIX, era a produção de café para a exportação[8]. Concentrando um grande número de escravos, nas unidades produtivas, já num período de crise do escravismo, e ao mesmo tempo prosperando como centro urbano[9], Juiz de Fora da segunda metade do século XIX foi cenário de conflitos envolvendo os diversos segmentos sociais que nela habitavam, assim como os conflitos cotidianos que atingiam os “iguais” fossem eles ricos ou pobres, livres ou escravos.

          A expansão da economia cafeeira em Juiz de Fora ocorreu no período de 1850 a 1870. Já em 1855/56 o município despontava como o principal produtor de café da Zona da Mata Mineira, mantendo-se  como um dos mais importantes produtores de café de Minas Gerais até as duas primeiras  décadas deste século[10]. O desenvolvimento cafeeiro em Juiz de Fora coincidiu com o período de crise do sistema escravista (fim do tráfico transatlântico, pressões externas e internas contra a escravidão, leis abolicionistas etc.). Entretanto, foi o braço escravo o responsável pela grande produção  cafeeira do município. A reposição da mão-de-obra escrava na região deu-se basicamente através do tráfico interno, interprovincial e intraprovincial[11].

          O censo de 1872 apontou que, da população escrava da Província de Minas Gerais (370.459), 26% concentrava-se na Zona da Mata (95.099), tendo se elevado para 36% em 1886. Juiz de Fora, principal produtor cafeeiro da Mata Mineira neste período, possuía 14.368 escravos, havendo uma preponderância dos escravos do sexo masculino sobre os do sexo feminino[12].

Alguns comentários sobre o censo de 1872, para Juiz de Fora, são pertinentes para este estudo, como a não inclusão da Freguesia de Simão Pereira no cômputo geral de escravos do município. Este dado, por si só, nos leva  a alçar a hipótese de que o número de cativos do município era superior ao inicialmente apresentado. Para embasar tal afirmativa  consideramos o Mapa aproximado da população do Município da Vila de Santo Antônio do Paraibuna [13] de 1853/54 (Tabela 1) e os números de matrículas dos escravos registrados na Coletoria de Juiz de Fora nos anos de 1872 e 1873, preservados nos inventários post-mortem  e nas escrituras de compra e venda, dívida e hipoteca em que escravos  matriculados em Juiz de Fora, no período acima referido, foram transacionados.

 

TABELA 1

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVA DO MUNICÍPIO

DE JUIZ DE FORA EM 1853-54

 

 

Freguesia

Masculina

Feminina

Total

Nome atual

Santo Antônio de Juiz de Fora

2.607

1.418

4.025

Juiz de Fora

N. S. Assunção de Chapéu D’Uvas

584

421

1.005

Chapéu D’Uvas

São José do Rio Preto

2.088

1.303

3.391

Três Ilhas (distrito de Belmiro Braga)

São Francisco de Paula

2.848

1.239

4.087

Torreões (distrito de Juiz de Fora)

N.S. da Gloria de São Pedro de Alcântara

2.573

1.347

3.920

Simão Pereira

TOTAL

10.700

5.728

16.428

 

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Fundo Câmara Municipal no Império. Série 139, Mapa aproximado da população da Vila de Santo Antönio do Paraibuna.

 

 

A Paróquia de Rio Preto, que havia sido anexada à Vila de Santo Antônio do Paraibuna em 1854, foi emancipada em 1857[14], portanto não entrando os escravos desta Freguesia no somatório da população cativa de Juiz de Fora em 1872[15]. Mesmo assim, se considerarmos que a expansão da lavoura cafeeira no município de Juiz de Fora ocorreu no período de 1850 a 1870, e teve como mão-de-obra básica o trabalhador escravo, pode-se inferir que a tendência era ocorrer um acréscimo populacional de cativos no município entre os anos de 1855 e 1872.  A análise dos números de matrículas de escravos registrados na Coletoria de Juiz de Fora amparam este raciocínio.

          A “matrícula especial” de escravos foi um instrumento legal instituído pelo Governo Imperial com a Lei 2040 (a Lei do Ventre Livre), de 28 de setembro de1871, com o objetivo de fiscalizar o uso e a transmissão da propriedade de escravos. De acordo com esta Lei os proprietários de escravos ficaram obrigados a registrar seus cativos na Coletorias dos municípios onde os mesmos residiam, entre 1872 e 1873[16].  A lista de matrícula continha dados que permitiam a identificação dos escravos, tais como: nome, cor, idade, estado civil, filiação, naturalidade, profissão, aptidão para o trabalho e um campo para observações. Estas listas, preenchidas pelos proprietários e entregues na Coletoria do município onde estavam estabelecidos os cativos, eram, no ato da entrega, datadas e numeradas e cada escravo recebia um número de ordem de acordo com o seu registro seqüencial naquela Coletoria. Apesar dos Livros de Registros de Matrículas de Escravos terem sido eliminados por ordem de Rui Barbosa as cópias das listas de matrículas, que foram anexadas aos inventários post-mortem para comprovar a posse de escravos e garantir os direitos de herança, ficaram parcialmente preservadas. Os números de matrículas de escravos eram, também, relacionados nas escrituras de compra e venda, dívida e hipoteca que envolveram escravos[17].

          Considerando estes pressupostos, observamos que a lista de matrícula apresentada pelos  herdeiros da Baronesa de Santanna, de 1872, apresentava escravos com o número de matrícula 18.906[18]. Na escritura de compra e venda da Fazenda do Morro Alto, situada na Freguesia de Simão Pereira, incluindo a transação de cinqüenta e quatro cativos, o escravo Augusto, preto, de 23 anos, foi matriculado na Coletoria de Juiz de Fora em 23 de setembro de 1873 sob o número 19.141[19]. Os números destas matrículas não nos permite afirmar qual o quantitativo de cativos de Juiz de Fora nos anos de 1872 e 1873, mas nos permite inferir que eles superavam significativamente os 14.368 apontados pelo Censo de 1872 e que somavam, no mínimo, 19.141 elementos.

Para tentar compreender o significado dos crimes e conflitos sofridos e/ou praticados por escravos apresentamos um quadro geral da criminalidade na Comarca do Paraibuna no período 1830 a 1890  demonstrando o número de infrações e a sua distribuição pelos diversos tipos de delitos (Tabela 2). Na demarcação cronológica o ano 1830 corresponde ao documento criminal mais antigo localizado no acervo, ao passo que em 1890 entrou em vigor o novo  Código Penal Brasileiro no Estado de Minas Gerais[20].

          Seguindo a orientação do Código Criminal Brasileiro do período Imperial, optamos por agrupar os delitos em quatro grandes grupos[21]:

1. Crimes Públicos:  São aqueles que dizem respeito aos crimes políticos, que ofendiam a “integridade e a existência do Império e dos poderes políticos instituídos”[22]  que feriam os direitos do cidadão ou corrompiam a administração pública. Aqueles que por suas tendências, caracteres, atrocidades ou conseqüências afetam principalmente os interesses sociais[23].

Crimes particulares: Aqueles que têm condições e conseqüências que importam mais uma lesão individual do que geral. São os chamados crimes de ação privada, que compete apenas ao ofendido[24]. São os crimes cometidos contra a pessoa ou contra a propriedade.

Crimes Policiais: São os crimes que dizem respeito à desordem, à contravenção, aos pequenos delito. São crimes  de menor potencial ofensivo[25].

Outros Documentos Criminais:  Este conjunto de documentos comportam os delitos que não puderam ser enquadrados nos três grupos anteriores, como por exemplo os inquéritos relativos a suicídio, morte natural, afogamentos etc.; os crimes contra as Posturas Municipais e aqueles documentos cujos delitos não puderam ser identificados.

 

TABELA 02

TABELA  GERAL DA CRIMINALIDADE  NA COMARCA DO PARAIBUNA1830-90

 

Crimes públicos

TIPO/DÉCADA

30-39

40-49

50-59

60-69

70-79

80-91

Total

Contra o direito político

---

---

---

01

01

---

02

Contra a segurança

Do império

---

---

01

09

10

09

29

Contra a ordem e

a administração

01

---

12

14

20

21

68

Contra o tesouro

e a propriedade

---

---

02

01

---

---

03

Crimes Particulares

TIPO/DÉCADA

30-39

40-49

50-59

60-69

70-79

80-91

Total

contra a liberdade

---

---

04

04

03

01

12

tentativa de  homicídio

01

01

10

16

42

68

138

homicídio

01

03

17

37

75

90

223

ofensas físicas

03

10

48

77

114

135

387

ameaças

02

02

06

06

07

07

30

entrada em casa alheia

---

---

01

02

03

---

06

contra a honra

01

04

13

47

68

66

199

contra  a segurança

do estado civil e doméstico

---

---

---

---

02

---

02

contra a propriedade

03

05

29

35

60

57

189

contra pessoa e a propriedade

---

01

10

15

27

42

95

Crimes Policiais

TIPO/DÉCADA

30-39

40-49

50-59

60-69

70-79

80-91

Total

Ajuntamentos ilícitos

--

---

---

---

01

01

02

uso de armas proibidas

01

01

09

05

07

13

36

uso de nomes supostos

---

---

01

---

---

02

03

Outros crimes

TIPO/DÉCADA

30-39

40-49

50-59

60-69

70-79

80-90

Total

contra as Posturas Municipais

---

---

01

08

07

04

20

suicídio

03

04

02

09

27

12

57

diversos

04

---

04

26

44

55

133

Totais por décadas

TOTAL/DÉCADA

30-39

40-49

50-59

60-69

70-79

80-91

Total

Total por década

20

31

170

312

518

583

1.634

   Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do

               período Imperial, 1830/1891.

 


Boris Fausto já nos chamou a atenção para o problema da sub-representatividade das estatísticas criminais:

... as estatísticas referentes a prisões, ou a processos criminais, correspondem ao nível da atividade policial e judiciária, variável em função da eficácia. A questão da eficácia não é apenas técnica, mas está ligada à discriminação social e às opções da política representativa, sobretudo no campo das contravenções. Certas condutas passíveis abstratamente de sanção só se tornam puníveis quando se referem aos pobres[26].

 

          O que dizer então dos delitos cometidos contra escravos ou por escravos contra escravos? Apesar de ser uma mercadoria, o escravo não deixou de ser sujeito, de ser humano. Assim, “possui corpo, aptidões intelectuais, subjetividade”[27]. A sociedade escravista reconheceu o escravo como “sujeito de delito e também como objeto de delito”[28]. Ou seja, através do crime sofrido ou do crime praticado, o escravo foi humanizado. Graças a esta  ambigüidade do sistema escravista, que responsabilizou criminalmente e ouviu como testemunha informante o cativo, ficaram-nos ricas informações através das quais podemos penetrar na vivência da comunidade escrava[29].

          Entretanto, os proprietários  escravistas resolviam internamente muitas das contravenções ou delitos praticados pelos cativos, como uma maneira de preservar seus interesses econômicos. Prática esta que se afrouxou ao longo do século XIX na medida em que a conjuntura desfavorável ao sistema escravista retirava  aos senhores de escravos a preponderância por eles exercida até então. Como forma mesmo de demonstrarem que a escravidão estava vinculada a uma ordem, senhores de escravos passaram a entregar os cativos criminosos para o julgamento da Justiça[30]. Note-se, porém, que só nos casos mais graves os senhores adotaram este procedimento e que, além disto, havia toda uma rede de influencias, interesses e poder permeando o resultado destes julgamentos.

          Observando a Tabela 2 acima (Tabela Geral da Criminalidade na Comarca do Paraibuna, 1830-1890), constatamos um aumento significativo do número de delitos à medida que o século XIX avançava e uma predominância dos crimes contra a pessoa em relação aos crimes contra a propriedade. No caso dos crimes contra a pessoa,  podemos associar este aumento da criminalidade ao desenvolvimento urbano e  econômico da região, principalmente do município sede da Comarca, correspondendo a um aumento da concentração de indivíduos e, consequentemente, a um aumento das tensões e conflitos e das possibilidades destes desencadearem  em delitos. Quanto à preponderância dos crimes contra a pessoa, em relação aos crimes contra a propriedade, concordamos com Maria Thereza Cardoso, que chegou aos mesmos resultados ao analisar os padrões de criminalidade em São João Del Rei no período 1750-1890:

Em uma  ordem social marcada pela violência, é compreensível a grande incidência de crimes deste tipo [Crimes contra a pessoa, em especial os crimes de homicídio, tentativa de homicídio e ofensas físicas]. Muitos desses processos relatam o rompimento de relações de solidariedade entre aqueles que, vivendo nas fímbrias do sistema, disputam entre si bens materiais, relações afetivas estruturantes e bens simbólicos, derivando muitas vezes em situações de extrema agressão[31].

 

 

 

 

2. CRIMINALIDADE E ESCRAVIDÃO

 

2. 1 Escravos como atores e sujeitos de delitos

 

          Graças à contradição do direito escravista pré-burguês, que considerava o escravo um bem semovente, incapaz de atos de vontade, portanto irresponsável por seus atos, mas que o incriminava por delitos cometidos e o ouvia como testemunha-informante[32], ficaram-nos preciosas informações que permitem-nos resgatar o cotidiano da  vivência escrava, suas manifestações de resistência e seus mecanismos de sobrevivência no interior do sistema escravista. Na formação social escravista moderna os escravos eram considerados grupos humanos juridicamente classificados como “coisa” (objeto de propriedade, “incapazes de atos de vontade”), sob os quais se estabelecia a negação jurídica da condição de pessoa. Em contraposição apresentavam-se os senhores escravistas, “dotados de vontade subjetiva”, aos quais o primeiro grupo estava subjugado[33].

          A legislação escravista moderna conferiu aos proprietários de escravos o direito privado de ministrar-lhes castigos físicos correcionais. Entretanto, à  medida que a escassez de mão-de-obra (fim do tráfico transatlântico) e a luta de classes (crescentes revoltas de escravos e movimento abolicionista) tornavam inevitável o fim da escravidão, o Estado escravista adotou sucessivas medidas de moderação aos castigos disciplinares que os proprietários escravistas poderiam aplicar a seus cativos. Passou a intervir com maior freqüência no direito privado do senhor de escravos em aplicar punições disciplinares em seus cativos, promovendo uma “personificação parcial” do cativo, reconhecendo-o como objeto de delito. Uma série de leis foram criadas com o objetivo de coibir os castigos físicos privados, como o uso de ferros e chicotes, castigos corporais etc[34].

          A Legislação escravista do período 1830-1880 estabeleceu normas de moderação ao tratamento aplicado ao cativo, procurando promover o prolongamento da vida produtiva dos planteis. Ao mesmo tempo, buscou intimidar a resistência escrava, cujo crescimento se fez sentir, em parte, como  contradição das leis de moderação. O Estado escravista estabeleceu leis rigorosas para punir o escravo criminoso, principalmente quando as vítimas dos delitos praticados pelos cativos fossem seu senhor ou familiares, administradores ou feitores das propriedades destes. Como, por exemplo, a Lei de 10/06/1835, que previa a pena de morte com julgamento sumário ao escravo que matasse ou ferisse gravemente seu senhor ou familiares, administradores ou feitores[35]. Desta feita, o cativo foi reconhecido, também, como sujeito de delito, passível de punição legal pela Justiça[36].

          Ao longo da Segunda metade do século XIX, à medida que a escravidão perdia legitimidade com  a crescente concentração da posse de escravos nas mãos de uma pequena parcela da classe dominante, os proprietários escravistas passaram a entregar seus cativos criminosos para julgamento. Buscavam, desta forma, demonstrar que a escravidão se enquadrava na ordem político-jurídica do Império[37]. Ao mesmo tempo, crescia a resistência escrava, manifestando-se de formas variadas: aumento do número de fugas e da criminalidade do  cativo[38].

          A Legislação escravista, no período 1830-1880, adotou leis personificadoras do cativo, reconhecendo-o como sujeito e objeto de delito[39]. Mas o que de fato interessava proteger  era um bem pessoal. Observe-se que as leis que pregavam a moderação no tratamento a ser dispensado aos escravos, sob diversos aspectos, correspondiam aos interesses políticos e econômicos da elite dominante escravista, defendiam ointeresse coletivo de uma classe”[40]. Na prática o interesse individual levou muitos proprietários a “boicotar a execução das medidas por eles consideradas lesivas[41]. Muitas vezes os senhores deixavam de entregar escravos criminosos para julgamento e punição pela justiça. A racionalidade do sistema econômico escravista levou os proprietários de escravos a optarem por castigos disciplinares no interior da propriedade rural, evitando a perda temporária ou definitiva de seus cativos. Só os delitos mais graves, como os crimes de sangue (homicídio, tentativa de morte e ferimentos graves) eram, de um modo geral, denunciados e levados a julgamento. E nestes casos, tinham a função de coibir novos delitos, funcionando como punições exemplificadoras.

                 A violência é uma característica inerente às sociedades desiguais e não uma particularidade do escravismo. Basta lembrar que o mesmo Estado escravista que pregava a moderação no tratamento que os senhores deviam aplicar a seus cativos, recomendava o uso de açoites, ferros e correntes para punir escravos criminosos. Mais importante do que discutir o óbvio (a violência inerente ao sistema perpassando as relações senhor-escravo), é procurar resgatar os cativos enquanto agentes de sua própria história, participando ativamente através da resistência cotidiana e da construção de espaços de atuação dentro do sistema[42].

                 No entanto, não podemos negar que castigos físicos “exagerados” e “desumanos”, para usar uma linguagem da própria época, além dos recomendados pela política de moderação do Estado, não estiveram ausentes das relações entre senhores e seus cativos. Também não podemos negar a prepotência e arbitramento da classe senhorial, que  utilizou da força e do favor para tornar o cativo prisioneiro de seus próprios anseios e esperanças[43].

                 O conceito de violência, empregado ao longo deste estudo, afina-se com a definição de Jacob Gorender,

Defino violência como pressão ou agressão física. Também pode-se falar em violência exercida por meios exclusivamente psíquicos, mas vamos omitir esta modalidade cujos limites são menos claros. A violência não está isenta de variáveis históricas. Mudam as formas e graus de violência legítimas, ou seja, socialmente aprovadas. Formas e graus cabiam através do tempo, porém a violência legítima nem por isso deixa de ser reconhecida como violência, pelos que a aplicam e pelos que a sofrem[44]. (Grifos nossos).

 

 

2.2 Criminalidade escrava em Juiz de Fora e adjacências

 

                 Em artigo recente, Patrícia Genovês e Sônia Souza tiveram por objetivo verificar  como se dava a regulamentação do cotidiano escravista no município de Juiz de Fora".[45] As autoras definiram as áreas de atuação do poder público e do poder privado. Aos senhores cabia governar a família e a escravaria, empreendendo, inclusive, o uso de violência, o que seria limitado pelo poder público. Ao Estado cabia equacionar  a defesa dos interesses senhoriais com a necessidade de moderação do uso da violência por parte dos mesmos[46].

                 Assim, as Posturas Municipais, que são leis locais, elaboradas pela primeira Câmara de Vereadores (1857) da recém-nascida cidade de Santo Antônio do Paraibuna, e aprovada pela Câmara seguinte, veio regulamentar o cotidiano da escravidão em Juiz de Fora, juntamente com as leis nacionais, a Constituição de 1824 e o Código Penal. As autoras observam que: “Neste mundo de valiosas peças de ébano é necessário ao historiador estar atento às flexibilidades dos dois mundos da escravidão, o prático e o legal, respeitando suas interpenetrações.[47] E, ainda, que esta flexibilidade não se restringiu ao plano formal, uma vez que o Código de Posturas regulamentava que os fiscais dos distritos deveriam participar aos fiscais da cidade os maus tratos praticados pelos senhores sobre seus escravos. Concluem, com base em observações próprias e na historiografia local sobre escravidão que os senhores permitiam certos “privilégios” aos seus escravos, tais como a  constituição de famílias e a posse de  pequenas roças de alimentos.

                 A análise da documentação criminal nos leva a acrescentar às observações das autoras alguns dados para reflexão:

1. A economia cafeeira teve sua expansão, no município de Juiz de Fora, entre 1850 e 1870. Portando, a economia mercantil agro-exportadora cafeeira  encontrava-se em alta e a exploração sobre o cativo era intensa, visando tirar do sobre-trabalho dele o maior lucro possível. Neste contexto, a economia própria do escravo (costume de conceder aos escravos um lote de terra para cultivo por conta própria) tendia a ter seu espaço diminuído pela necessidade de mercado[48]. O número de escravos que obteve “privilégios” para formar pecúlio ou possuir roças não nos parece, num primeiro momento, ter sido significativo.

2.    Se o número de escravos era grande e a exploração sobre os mesmos  desumana (como podemos observar pela documentação criminal), a resistência do cativo tendeu a manifestar-se de formas variadas e crescente ao longo dos anos 70/80 do século XIX: fugas, suicídios, furtos, homicídios etc.

3.    O Código de Posturas Municipais elaborado em 1857, assim como outras leis do Império no período 1830-1880, foi elaborado e aprovado já sob a evidência da escassez da mão-de-obra escrava e das pressões abolicionistas. A Legislação deste período, que pregava a moderação no tratamento disciplinar aplicado pelos senhores a seus escravos, defendia interesses coletivos da elite senhorial e visava prolongar ao máximo a possibilidade de exploração da mão-de-obra escrava. Não possuía um veio paternalista e anti-escravista;  ao contrário, possuía racionalidade sócio-econômica. E se a Câmara Municipal preocupou-se com a questão da moderação de castigos a ser aplicado em escravos é por que tinha conhecimento da sua existência ou, pelo menos, da possibilidade da sua existência. Afinal, os fatos criminosos ou delituosos precedem às Leis que regulamentam e punem a sua existência. A Resolução da Câmara de 28 de junho de 1862, aditivo número 8, indicou a substituição da pena de açoites  pela pena de prisão[49]. No entanto, os crimes de anos posteriores continuaram sendo sentenciados com açoites, assim como penas de prisão foram substituídas por açoites e ferros ao pescoço ou aos pés (Conforme o artigo 60 do Código Penal). Era mais econômico para o proprietário entregar sua “peça de ébano” para ser açoitada e voltar a produzir do que perdê-la definitiva ou temporariamente.

4.    Dos  relatórios de fiscais do município enviados ao Presidente da Câmara, entre 1854 e 1888, 191 ficaram preservados[50]. Nestes, é bastante comum encontrarmos reclamações de que alguns distritos não possuíam agentes ficais, que os fiscais dos distritos lesavam os cofres públicos e não obedeciam o Código de Posturas, alguns distritos passavam mais de um ano sem mandar um só relatório. As reclamações do Fiscal de Juiz de Fora, em relação aos dos distritos não mudou de tônica ao longo da segunda  metade do século XIX. Em 1860, o fiscal da cidade, José Cândido Americano, em ofício ao Presidente da Câmara, relatou:

        Sinto Dizer-vos que nada posso acrescentar ao que tive a honra de expender-vos no Relatório da Sessão passada, e que continuo ainda a ignorar o estado das Escolas de primeiras letras e o modo porque são tratados os escravos neste município, por quanto os Fiscais dos Distritos de fora da cidade nenhuma participação me têm feito... (Grifos nossos)[51].

5.    A presença escrava nos crimes contra a pessoa, seja como sujeito de delito ou paciente dele, demonstra a tensão permanente das relações escravistas em Juiz de Fora.Cientes da necessidade de conter grande número de homens explorados em trabalhos desumanos, a ideologia oficial do Estado escravista pregou  a moderação no tratamento dado pelos senhores aos seus escravos. Contudo, a prática cotidiana não correspondeu a esta ideologia. Além disso, havia, ainda, a ameaça permanente da violência, que poderia ser efetivada a qualquer momento[52].

                 Trabalhando nas pequenas e médias lavouras de alimentos, nas grandes propriedades cafeeiras, alugados aos serviços rurais e urbanos, servindo ao público (no cumprimento das penas de galés[53], por crimes cometidos), a presença escrava foi marcante em Juiz de Fora e adjacências. Mas a maioria destes escravos estava nos serviços de eito das lavouras cafeeiras: no plantio, beneficiamento e transporte do café[54]. A legislação escravista reconhecia o escravo, juridicamente, como uma propriedade semovente, sendo que  todo o produto de seu trabalho pertencia a seu senhor[55]. Reduzido à condição de mercadoria produtora de riqueza, cuja importância se media pela sua capacidade produtiva, descartado tão logo se tornasse inapto para o trabalho[56].Oprimidos por um rígido sistema de exploração do trabalho, os escravos, a maioria, adaptaram-se à escravidão para sobreviver, resistindo cotidianamente através do “corpo mole”, do serviço nem sempre bem feito, do furto, da fuga individual ou coletiva, etc[57]. Outros, a minoria, combateram a violência com a violência: fugiram, suicidaram-se, mataram e morreram[58]. Se estas manifestações de  resistência não chegaram a abalar as bases do sistema escravista atingiram diretamente o domínio dos senhores, provocaram prejuízos econômicos e transtornos[59].

                 Os registros de casos de fuga na documentação criminal ocorrem indiretamente[60]. Para viabilizar a fuga e/ou para mantê-la o escravo evasor acabava por cometer  um delito grave: homicídio, tentativa de morte, lesão corporal, roubo — que resultaram na abertura de processos ou inquéritos para julgar ou investigar os delitos. Neste momento, faz-se menção às fugas, muitas vezes com riqueza de detalhes e informações que nos permitem perceber as estratégias empreendidas pelo escravos para viabilizar a fuga e manter-se evadido, tais como: a fuga para as matas, fugas para os centros urbanos, troca de nome, furto de gêneros e roupas, roubo de jóias e dinheiro objetivando “financiar” a  fuga etc.[61].

                 Dos nove processos de roubo, em que escravos figuram como réus, quatro apresentam escravos evadidos como responsáveis pelo delito em questão[62]. Outros tipos de delitos também nos fornecem informações sobre fugas. Em 28 de outubro de 1867 o fazendeiro David José Franco entrou nas matas da Fazenda da Graminha, pertencente a Eduardo Teixeira de Carvalho Hungria, para caçar. No dia seguinte, preocupado com o amigo que não havia retornado da caçada, Eduardo Hungria comunicou o caso às autoridades policiais e junto com um grupo de pessoas entrou na mata em busca do desaparecido. Encontraram um negro ferido, próximo a uma cafua construída no interior da mata. Affonso, africano de Angola, de aproximadamente 50 anos, confessou-se escravo evadido de Antonio Caetano de Oliveira Horta, fugido havia seis anos. Primeiro se escondeu nas matas do “Bahú”, em terras de seu senhor, depois encontrou-se na mata com Serafim, também escravo fugido, que o convidou a esconder-se nas matas da Fazenda da Graminha, onde havia muitas pacas para alimentá-los. Naquele dia de outubro de 1867  David José Franco entrou na mata e encontrou-se com Serafim e Affonso, dando-lhes voz de prisão. Os escravos resistiram e David  atirou atingindo a perna de Affonso. Serafim atacou David a pauladas e bateu até matá-lo. Com o objetivo de atrasarem a busca dos que fossem à procura de David, os escravos evadidos enterraram seu corpo e pretendiam empreender nova fuga. Serafim seguiu só, Affonso, ferido, não pode acompanhá-lo[63].

                 De outra feita, em 1882, Eduardo, escravo de Antonio Caetano Horta Júnior, e João Baptista, escravo de José Francisco Alves Mandini, foram responsabilizados pelo roubo de jóias e pertences na residência de Antero José Lage Barbosa, sita à rua Direita. No auto de perguntas ao réu João Baptista  ele declarou ter 21 anos incompletos, saber ler e escrever, ser carpinteiro e encontrar-se evadido havia aproximadamente um ano. Durante o tempo de sua evasão manteve-se escondido em uma casa vazia que havia servido de morada a Victorino Braga e também na Casa de Misericórdia do Alto dos Passos[64].Estudos realizados sobre fugas de escravos em Juiz de Fora e adjacências[65], empreendidas no jornal “O Pharol”, compreendendo o período 1876-1888 e totalizando  281 anúncios, apontam 210 casos de fugas individuais e 71 de fugas coletivas. Deste total temos 387 escravos evasores, sendo 25 mulheres, correspondendo a 6,5% em relação ao total. Esta relação é coerente com a preponderância masculina registrada nos planteis de Juiz de Fora[66].

                 A fuga do escravo representava para o proprietário um prejuízo econômico imediato. A perda de uma peça de produção afetava imediatamente a reprodução de sua riqueza[67]. Ao protagonizar uma fuga o escravo tornava-se notícia de jornal, onde normalmente, aparecia nos classificados como objeto a ser comercializado, ou nas páginas policiais, como criminoso ou evasor. Os anúncios de fuga/captura ao denunciarem o escravo “fujão” evidenciavam as crueldades do sistema escravista apresentando suas mutilações e as  marcas dos açoites[68]. 

                 Chamou-nos a atenção a quantidade de auto-extermínios ocorridos em Juiz de Fora, quando comparados com outras regiões. Ana Maria Faria Amoglia  encontrou 46 casos de suicídio de escravos e duas tentativas de morte. Mesmo inferindo, como a autora, que alguns destes casos tidos como de suicídio possam não sê-lo de fato, ainda assim o número é considerável[69]. O número de suicídios não diminuiu, significativamente, no período abolicionista de 1880/88. Assim como a fuga, o suicídio ocasionava um prejuízo econômico ao senhor do cativo.

                 Maria Helena Machado encontrou, para os anos 1830-88, onze  casos de suicídio de escravos na região cafeeira  de Campinas (SP), também com grande concentração de população mancípia[70]. Em São João Del Rey, Maria Thereza Cardoso registrou somente um caso de suicídio de escravos para o período 1870-90[71]. Dos 48 inquérito  de suicídio e tentativa de morte computados em Juiz de Fora, 15 fazem menção a estar o escravo “evadido”  na ocasião em que o corpo foi encontrado.

                 Mesmo admitindo que muitos autos se perderam ao longo do tempo, resultado do descaso de nossos administradores para com os arquivos públicos, temos que considerar a baixa representatividade dos crimes de escravos que foram registrados pelo poder judicial da Comarca do Paraibuna. Como já observamos, os senhores escravistas possuíam o direito privado de punir seus cativos. Conjugado esse direito com o interesse do proprietário e a racionalidade econômica do sistema, muitos proprietários de escravos resolveram internamente parte dos conflitos envolvendo escravos[72].Ainda assim, registramos 116 casos em que escravos aparecem como sujeitos de delito e 109 casos em que eles aparecem como objetos de delitos.

 

TABELA 3

PRESENÇA ESCRAVA  NOS CRIMES  DA COMARCA DO PARAIBUNA (1830-88)

 

Crime

Morte*

Ferimentos**

Furto/roubo

Outros

Total

Como réu

76

24

10

08

116

Como vítima

68

39

02

109

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do Período Imperial.

* Incluindo tentativa de  homicídio.

** Incluindo denúncias por maus tratos.

 

 

A análise da documentação criminal da Comarca do Paraibuna, no período 1830/88, aponta uma tendência crescente da criminalidade escrava à medida que o século XIX avançava. No período 1830-1849 não ficou registrado nenhum caso de crime cometido por escravo, no período 1850-1859 registramos  oito delitos, elevando-se para 25 no período 1860-69. A década seguinte, 1870-79, registrou um aumento quantitativo muito significativo: 42 casos, resultado do acirramento das tensões que afetavam o sistema escravista nesta década[73]. A última década da escravidão também registrou um número elevado de delitos de escravos: 41casos[74]. Esta mesma tendência pode ser observada em relação à população livre, conforme já analisamos no primeira seção.

 

 

 

 

 

 

 

TABELA 4

CRIMES PRATICADOS POR ESCRAVOS  NA COMARCA DO PARAIBUNA

 

 

 

Década

Crime contra a pessoa

 

Contra a propriedade

 

Contra a pessoa

e a propriedade

 

Outros

 

 

Total

 

Vítimas enquadradas na Lei de 1835

Livres

Escravos

Outros*

 

 

 

 

1850/59

01

05

02

08

1860/69

05

13

06

01

25

1870/79

05

12

15

04

01

02

03

42

1880/89

09

11

14

02

04

01

41

TOTAL

20

41

37

06

01

06

05

116

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do Império.

* Consideramos as vítimas cuja condição não foi identificada.

 

 

2.3 A evolução da criminalidade escrava

 

          Que hipóteses podemos apresentar para explicar esta tendência crescente da criminalidade escrava ao longo da segunda metade do século XIX? Ora, a expansão da lavoura cafeeira em Juiz de Fora ocorreu no período 1850-1870. Na década de 70, do século passado, a Zona da Mata concentrava 26% da população escrava de Minas Gerais, percentual este que se elevou para 36% em 1886[75]. A crescente concentração de cativos é uma explicação para o aumento da criminalidade. Por outro lado, ao longo da segunda metade do século XIX os senhores de escravos passaram a enfrentar pressões externas e internas contra a escravidão, vendo crescer a resistência mancípia através de levantes, fugas, homicídios de proprietários e seus representantes diretos. Os proprietários de escravos foram impelidos, pelas circunstâncias, a entregar com maior freqüência o escravo criminoso  para a justiça[76].

          Maria Helena Machado tomou como parâmetro para avaliar o efetivo crescimento da criminalidade escrava a evolução dos crimes enquadrados na Lei de 10 de junho de 1835, aqueles que atingiam as autoridades senhoriais[77]:

A hipótese da existência de uma ampliação efetiva dos crimes de escravos, neste período, baseia-se na consideração dos homicídios contra senhores e feitores à medida que estes foram percebidos, tanto pelos senhores quanto pelo aparelho judiciário, como crimes limites, uma vez que atentavam frontalmente contra os princípios da sociedade escravista. Conscientes da fragilidade dos mecanismos paternalistas de que dispunham, os senhores, desde sempre, temeram os ataques de seus cativos[78].

 

          Em Juiz de Fora registramos 22 casos de delitos denunciados na Lei de 10 de junho de 1835 entre 1853 e 1883. Destes, 03 referem-se a ferimentos graves e 19 a homicídios de senhores, feitores e administradores. Das 22 denúncias, 11 foram sentenciadas na mesma Lei, 07 foram sentenciadas no artigo 193 do Código Penal (relativo a homicídio), 02 ficaram inconclusos e 02 foram absolvidos. Não registramos nenhum caso de feitor-escravo que, tendo sido morto por seus parceiros, teve seu homicídio denunciado na Lei de 1835. Desses 22 casos denunciados na Lei de 10 de junho de 1835 dois referem-se a homicídio do proprietário. Três foram delitos contra o administrador. Dezessete são relativos a homicídio ou lesão corporal contra o feitor. Os resultados são coerentes se levarmos em consideração que o feitor era o representante direto dos interesses senhoriais e estava mais próximo do cativo, marcando presença na vigilância constante sobre o mesmo nos serviços do eito, corrigindo-os e castigando-os dia a dia. Os crimes contra a pessoa destacaram-se sobre os demais. Entretanto, temos que considerar que as pequenas contravenções ou delitos “menores”, sob a ótica escravista, foram punidos pelos próprios senhores.

          Em diversos casos de furto e outros  crimes contra a propriedade, cujas denúncias foram dadas contra homens livres, que o proprietário escravista denunciava estes como receptores de produtos furtados por seus escravos[79]. Alguns processos de lesões corporais ou homicídio mencionam casos de furtos praticados por escravos contra seus proprietários. O Código de Posturas de 1857, em seu artigo 157, estabelecia multa de 10$ a 30$, e oito dias de prisão, para os comerciantes que negociassem com escravos sem que estes apresentassem uma licença escrita de pessoa de “boa fé”[80]. Este dispositivo legal, porém, não foi eficaz .Pode-se inferir que o senhor escravista não fosse denunciar e entregar à Justiça um escravo seu que viesse a furtar produtos de sua propriedade.

          Quanto aos crimes contra a pessoa (ferimentos e ofensas físicas), verifica-se que as principais vítimas dos escravos criminosos foram os homens livres, seguidos dos escravos e por fim dos senhores e seu correlatos.

 

TABELA  5

VÍTIMAS DE ESCRAVOS EM CRIMES CONTRA A PESSOA

 

 

Condição da vítima

Quantidade

Porcentagem

Homens livres

42

40,36%

Escravos

37

30,47%

Senhores, administradores e feitores

22

20,18%

não identificados

06

08,09%

TOTAL

107

100,00%

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do

Período Imperial.

 

Os documentos criminais em que escravos aparecem como vítimas e/ou réus representam aproximadamente 20% dos registros. Como observamos,  na tabela de crimes de escravos (Tabela 4), os anos 80 presenciaram um decréscimo muito pequeno dos delitos praticados por eles, em relação à década anterior. Uma diferença de apenas 01 delito, considerando, ainda, que a década de oitenta teve um ano e sete meses a menos que a década anterior. Note-se que os crimes de escravos contra senhores e/ou seus administradores e feitores cresceram na última década, evidenciando que as tensões senhor/escravo, em Juiz de Fora, não diminuíram na última década da escravidão.

 

 

3.    ESCRAVOS  OBJETOS DE DELITOS

 

                 Na defesa de interesses coletivos dos proprietários escravistas, o Estado, ao longo do século XIX, passou a intervir com maior freqüência no direito privado dos senhores de cativos, pregou leis de moderação no tratamento dispensado ao escravo por seus proprietários, reconheceu a mercadoria escravo como sujeito e objeto de delito, concedeu-lhes alguns “direitos” (vide Leis abolicionistas)[81].Mas na prática, no cotidiano escravista da Comarca do Paraibuna, como se processou a equação dominação/moderação? Ao buscar respostas nos documentos criminais deparamo-nos com as contradições do sistema escravista. Para tentar compreender as relações senhor e escravo, o cotidiano escravista em Juiz de Fora, nada melhor do que dar voz, ouvir os protagonistas: proprietários de escravos, juristas e outros representantes da lei e, é claro, o cativo.

                 A  Tabela 6 (Escravos vítimas de crimes contra a pessoa em Juiz de Fora e redondezas)  nos permite perceber que, ao longo do século XIX, os escravos passaram a figurar cada vez mais como objetos de delito, dobrando este número da década de 60 para a de 70 e mantendo-se praticamente o mesmo percentual nos anos 80 do século XIX. Tal fato se explica pelos motivos já explicitados: a maior intromissão do Estado no direito privado do proprietário escravista, a  perda da legitimidade do escravismo e o crescimento urbano da região, principalmente do município de Juiz de Fora. Cresciam os questionamentos à escravidão, a população urbana passou a denunciar os casos “abusivos” de maus tratos.

 

 

 

TABELA 6

 

ESCRAVOS VÍTIMAS DE CRIMES CONTRA A PESSOA

EM JUIZ DE FORA E REDONDEZAS[82]

 

Crime/

década

Homicídio e

tentativa de  morte

Lesões corporais

Contra liberdade individual

 

Total

Condição réu

Livre

Escravo

Outros*

Livre

Escravo

Outros*

Livre

 

1840-49

01

01

1850-59

04

02

01

02

01

01

11

1860-69

07

04

01

03

02

01

01

19

1870-79

11

14

02

08

01

02

38

1880-88

11

10

01

10

04

04

40

total

33

30

05

24

07

08

02

109

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do Período Imperial.

* Réus cuja condição não foi identificada e crimes cometidos por homens livre em co-autoria com escravos.

 

 

                      Quantos foram os escravos que vitimados pelos maus tratos de seus senhores ou seus representantes diretos (administradores e/ou feitores) não puderam denunciá-los? Afinal, a lei  impedia-os de dar queixa ou de testemunharem contra seus senhores, salvo os casos em que estivessem amparados pela opinião pública dos homens livres[83]. E os que conseguiram fugir e se apresentar aos delegados ou subdelegados, queixando se de maus tratos e sevícias, quando foram ouvidos, quantos inquéritos se abriram  para apurar as denúncias e quantos se transformaram em processos?

                 Dos 24 casos de delitos classificados como ofensas físicas praticadas por homens livres contra escravos 12 referem-se a maus tratos praticados ou ordenados por senhores, administradores e feitores, sendo estes acusados como réus[84]. Destes, sete casos foram considerados improcedentes, dois ficaram inconclusos, dois réus foram absolvidos e um foi condenado. Em alguns casos, os castigos físicos aplicados pelo senhor e seus representantes e, às vezes, até por escravos a mando de seus senhores, redundaram em morte. De 22 casos de homicídio em que escravos foram vítimas de homens livres seis tiveram como suspeitos os proprietários dos mesmos[85]. Destes seis, 2 ficaram inconclusos, dois foram julgados improcedentes e dois foram absolvidos. E estes, foram apenas os casos que ficaram registrados, a grande maioria dos castigos físicos imoderados ocorridos, supomos, não chegaram ao conhecimento da justiça. Acreditamos que muitos outros até chegaram ao conhecimento dos homens da lei, mas não  constituíram inquérito, auto de corpo de delito ou processo. O caso de Ernesto, doze anos, escravo de Marcelino de Brito Pereira de Andrade, fundamenta nossa crença.

                     Em 20 de junho de 1873 o escravo Ernesto fugiu da casa de seu senhor, no município de Juiz de Fora, e apresentou-se à cadeia da cidade queixando-se de maus tratos, de sofrer surras aplicadas  com bacalhau, amarrado à escada da casa de seu proprietário. Surras aplicadas por outro escravo e assistidas por Marcelino de Brito. O delegado pediu um exame de auto de corpo de delito, constatando que Ernesto apresentava cicatrizes na parte posterior do tronco, de mais de dois anos, e ferimentos purulentos nas nádegas, resultantes das surras maisrecentes. Realizou-se um auto de perguntas ao ofendido.

                 Enviado o processo ao Promotor Público, José Corrêa e Castro, para oferecer denúncia, o mesmo entendeu que não havia crime e portanto nada a ser denunciado. Declarou, ainda, que o auto de corpo de delito estava irregular, pois não se ateve a responder aos quesitos apresentados, extrapolou ao constatar sevícias antigas. E, a bem dos proprietários de escravos e da sociedade, aconselhou aos delegados, em casos similares, a não procederem tão irregularmente, enviem tais escravos imediatamente a seus senhores, recomendando a estes moderação.”[86]

                     Vale a pena conhecer um pouco mais da conclusão do Promotor José Corrêa e Castro.

Os castigos desta ordem todavia foram, são e serão tolerados entre nós até que se extinga a classe escrava, e essa tolerância nasce da necessidade que há em conservar-se o prestígio do senhor para com o escravo, a fim de que a obediência do escravo não desapareça, porque então teríamos uma verdadeira conflagração com prejuízo de todos os proprietários e da sociedade (...) Além disso, não sendo a denúncia do escravo contra o senhor aceitável perante o espírito de nossa lei, me parece inútil em tais casos um auto de perguntas como o de folhas, que para nada prestando, tendo somente o [acoroçoamento] da desobediência do escravo contra os senhores, e dá lugar a que todos os dias, por fúteis pretextos, vejam-se estes proprietários privados dos serviços de seus escravos, que [presurosos] correm para as autoridades, julgando que por esta forma podem vingar-se.[87]

 

                 Como vimos, os propalados castigos moderados, quando não eram cumpridos, geralmente, não ocasionavam prejuízos aos senhores. Dos 12 casos de queixa de maus tratos em escravos, registrados, e preservados pelo tempo, em Juiz de Fora,  nove não foram adiante (os considerados improcedentes e os inconclusos). E estes representam apenas a pequena parcela dos casos ocorridos que chegaram a ser registrados. Possivelmente o mais comum é que os delegados e subdelegados seguissem  orientações como as  do Promotor Corrêa e Castro... devolvessem o escravo a seu proprietário sem mais delongas, a fim de poupar-lhes os prejuízos acarretados pela ausência do trabalho dos mesmos.Raras foram as ações movidas contra senhores que castigaram imoderadamente seus escravos. O que não quer dizer que, na prática, os castigos exacerbados não ocorreram. Além disso, denúncias por agressões físicas deveriam ser custeadas pelo queixoso, a menos que se comprovasse a sua gravidade para a sociedade  ou a miserabilidade do ofendido.

                 Em 29 de janeiro de 1888 Antônio Cassiano Augusto de Paula foi acusado de haver mandado aplicar castigos excessivos no escravo José, pertencente a seus sobrinhos Manuel Antônio Assis e José Francisco de Assis. Após ter sido seviciado, no arraial do Chácara, José evadiu-se e apresentou-se à delegacia de Rio Novo, onde o processo teve início, sendo depois transferido para Juiz de Fora.Interrogado, Antônio Cassiano explicou que, como era seu costume todos os anos, no mês de outubro, após a capina de sua lavoura, ofereceu um jantar com pagode a seus cativos. Estavam presentes à comemoração alguns escravos de seus sobrinhos Manuel Antônio e José Francisco. Durante o acontecimento dois escravos dos sobrinhos, José e Agostinho, se desentenderam, e José ameaçou a vida de Agostinho.

                 José Francisco queixou-se ao tio do mal comportamento do escravo e este aconselhou-o a mandar-lhe José, para aplicar-lhe um corretivo. Claro que Antônio Cassiano não admitiu ter surrado ou mandado surrar José além do aconselhável. Disse que apenas prendeu uma corrente à argola que José trazia ao pescoço (resultado de parcela da pena que cumpria pelo homicídio do feitor de Joaquim Antônio dos Santos, na fazenda de Antônio José de Assis, pai de Manuel Antônio e José Francisco)[88]. No entanto, o auto de corpo de delito constatou surra de bacalhau.Os depoimentos das testemunhas confirmaram os castigos. Mais do que isto... o depoimento de Antônio Duque compromete o acusado. Duque afirmou que tendo sofrido um atentado de morte, praticado por um de seus cativos, entregou o mesmo à justiça. Sabedor do fato, Antônio Cassiano, encontrando-se com ele no arraial, teceu o seguinte comentário:

... perguntou-lhe se com efeito a testemunha [Duque] havia entregado seu escravo criminoso à justiça, ao que respondeu a testemunha que sim, então replicou, Antônio Cassiano de Paula, dizendo que a testemunha havia procedido mal, por que a justiça o que queria era comer dinheiro, e que ele testemunha devia ter feito, o que ele Antônio Cassiano fez com José, escravo de seu sobrinho Manuel Cândido de Assis, isto é, surrado com bacalhau ...[89]

 

                 Muito interessante foi o desfecho desta história. O processo foi arquivado e a municipalidade condenada nas custas, pois o Promotor Público concluiu que Não achando provada a miserabilidade do ofendido, nada tenho a requerer por parte da Justiça Pública.”[90] Decisão muito coerente por sinal. Afinal, José era uma mercadoria à qual estava negado o status de  pessoa. Cabia a seu proprietário, Manuel Antônio de Assis, o ofendido, queixar-se de seu ofensor. A relação de parentesco entre Antônio Cassiano e Manuel Antônio, assim como o aparente prestígio do primeiro conduziram o desfecho desta história.

                 O homicídio do escravo Teóphilo, ocorrido em março de 1884 também é elucidativo para que se perceba as contradições do aparato jurídico do escravismo moderno. Teóphilo, “fiel da casa”, era escravo de dona Francisca Umbelina Nazareth, proprietária em Vargem Grande. Em um domingo de 1880 sua senhora e o sinhozinho foram à missa no arraial com a escravaria. Alegando não estar se sentindo bem, o fiel Teóphilo ficou cuidando da propriedade e dos escravos que permaneceram na casa. Quando regressaram da missa, dona Umbelina e o filho Antônio José dos Santos Nazareth não encontraram mais Teóphilo, que havia se evadido[91].Quatro anos se passaram até que um mascate italiano encontrou Teóphilo, em Porto Novo do Cunha (Província do Rio de Janeiro) e o devolveu a seus proprietários. O caminho de volta, longo  e sob sol forte, Teóphilo fez a pé. Logo após ser entregue, o senhor moço mandou o escravo Marcellino aplicar uma surra com chicote a Teóphilo, para servir de exemplo aos demais escravos. No dia seguinte, Teóphilo amanheceu morto. Abriu-se um processo contra Antônio José dos Santos Nazareth (mandante) e o escravo Marcellino (mandatário). Condenados em primeira instância no artigo 19 da Lei 2033 de 20 de setembro de 1871 (homicídio doloso), o advogado dos réus recorreu e eles foram absolvidos em sentença final de 20 de setembro de 1884. Sentença que traduz as contradições e tensões de sua época.

                 Como no caso do pequeno escravo Ernesto, também aqui o representante da Lei, o juiz, reconheceu a necessidade dos castigos físicos como meio de conter e disciplinar o grande contingente de escravos que cotidianamente eram explorados em trabalhos “sobrenaturais”, “forçados”  e “desumanos”. E ainda que tenha resultado na morte do “fiel”  Teóphilo ... “O réu cometeu o crime no exercício e prática de um ato lícito”[92].

                 Também Maria, preta, 29 a 30 anos, casada, utilizada em serviços domésticos, escrava de Antônio Joaquim Gonçalves, fugiu da casa de seus proprietários em Juiz de Fora e apresentou-se à cadeia da cidade em 23/04/1873, reclamando maus tratos e sevícias, praticados, nela e num seu filho menor, por sua senhora, dona Maria Umbelina da Encarnação. Ao se apresentar, a escrava encontrava-se ferida e ensangüentada.  Maria era reincidente na fuga e na queixa. Um ano antes ela já havia adotado o mesmo procedimento, mas nesta primeira ocasião foi devolvida a seus proprietários sem que se tivesse aberto processo para apurar as queixas[93].Maria, escrava casada com um homem forro, alega que por ocasião da primeira fuga encontrava-se grávida, e ao ser devolvida a seus senhores apanhou tanto que sofreu um aborto dias depois. Segundo a queixosa, ela e o filho apanhavam todos os dias. Eram tantos os maus tratos “... que por isso pedia intervenção das autoridades para que fosse vendida a outro qualquer senhor para evitar que ela suicidasse ...”[94].Ao ser  ouvido, o proprietário alegou que ele e a esposa tratavam seus escravos com bondade e humanidade e que desconhecia quem poderia ser o autor dos ferimentos de Maria. Disse mais que o único motivo destas repetidas fugas são por que sendo ela casada com um homem forro, também quer ser livre.[95]

                 A testemunha Manuel Joaquim Alves de Oliveira, vizinho de Antônio Joaquim Gonçalves, contou que por várias vezes ouviu gritos na casa, como se alguém sofresse castigos e que por vezes já havia apadrinhado[96] a escrava Maria. No desenrolar do processo, entretanto, o Promotor diz não ter provas bastantes para denunciar dona Maria Umbelina da Encarnação, pois, desta feita, os castigos foram leves e as sevícias antigas — as crueldades que resultaram no aborto de ano antes — não poderiam mais serem detectadas. O delegado, porém, aconselhou a venda da escrava Maria, baseado no fato de já ter sido dona Umbelina, anos antes, acusada de castigos violentos em uma preta velha de sua propriedade.

                 Outro exemplo significativo foi a denúncia apresentada por Manuel Antônio da Silva contra dona Antônia Luísa Horta Barbosa proprietária da Fazenda Cafezal,  em março de 1872. Dona Antônia foi acusada de mandar aplicar castigos, palmatória e surra de bacalhau, num escravo de sua propriedade, causando sua morte[97].Em sua carta-denúncia Manuel Antônio disse que o caso tendia a passar desapercebido porque dona Antônia Luiza era mãe do Promotor Público e, por certo, o delegado de polícia não iria “jogar as cristas contra esta autoridade.”[98] As testemunhas foram chamada a depor reservadamente e atestaram a “humanidadee “bondade” de dona Antônia Luísa. Alegaram desconhecer o acusador Manuel Antônio da Silva.Dados contraditórios nos permitem questionar  tanta “humanidade” e “bondade”. A testemunha Mariano Gomes da Silva, vizinho de dona Antonia Luísa há dezoito anos, alegou que a dita senhora era  “um amor” e que sempre atendia a padrinho quando os escravos dela fugiam e que, além do mais, a “dita senhora não tem administrador e nem feitor forro”. Se dona Antonia era  “um amor, por que seus escravos fugiam para buscar padrinho? Escravos que procuravam apadrinhamento estavam buscando quem intercedesse por eles junto a seus senhores, visando escapar a castigos, ou pelo menos minorá-los. Se os escravos da Fazenda Cafezal tinham o costume de buscar padrinho é porque nesta propriedade havia a prática da aplicação de castigos físicos rigorosos.

                 O fato de não haver feitor ou administrador livres  na propriedade dos Horta Barbosa não abona a “humanidade” e “bondade” de seus proprietários. O feitor era o elemento regulador do trabalho e mantenedor da disciplina no interior das unidades produtivas. Livre ou escravo era esta a sua função: supervisionar os trabalhos e exercer a violência[99]. Não existe comprovação empírica de que feitores-escravos  tratassem com mais “humanidade” os seus parceiros. Mesmo considerando que lhes era necessário um bom relacionamento com seus parceiros subordinados, temos que considerar, também, que a manutenção do privilégio alcançado dependia da possibilidade de manter a produtividade e a disciplina de seus parceiros, o que lhes forçava a agir com rigor.

                 Não bastassem os dados já explicitados, chamou nossa atenção o crime ocorrido na Fazenda Cafezal em 1865. Frederico, escravo da fazenda dos Horta Barbosa, africano, idade alegada de 25 anos, foi acusado da morte de seu parceiro Joaquim,   preto velho quase cego, responsável pela vigilância do café colhido. Joaquim havia acusado Frederico por furto de café. Frederico ter-se-ia evadido e retornado, mais tarde, para vingar-se de Joaquim. Frederico foi condenado a galés perpétuas[100].A história poderia ter se encerrado aqui, embora com uma curiosidade na sentença, quando comparada a tantos outros processos envolvendo crimes entre parceiros de cativeiro no mesmo período. Estranhamente, a pena de Frederico não foi convertida a açoites e ferros aos pés ou ao pescoço por período determinado, como geralmente acontecia com escravos criminosos, principalmente se o crime fosse contra outro cativo. Por que os Horta Barbosa, família de prestígio, (o marido de dona Antônia Luísa havia sido um Conselheiro do Império, seu filho Luiz Eugênio era um advogado, que mais tarde chegou a promotor público e presidente de Província), não tentaram converter a pena de Frederico em açoites e ferros (conforme o artigo 60 do Código Criminal)? Afinal, ele era do sexo masculino e  declarou ter 25 anos, a princípio, uma peça valiosa[101].

                     Uma das testemunhas que depôs neste processo foi Manuel Carlos Marcondes, homem livre, administrador da Fazenda Cafezal em 1865. Este dado contraria as informações de Mariano Gomes da Silva, testemunha no outro processo acima mencionado, de que na Fazenda Cafezal não havia o costume de se empregar administradores e feitores livres. Óbvio que este costume, de usar feitores e administradores escravos,  pode ter sido adquirido nos sete anos que separam os dois processos.

                     A história de Frederico é retomada em 1878, quando seu curador envia uma petição de graça ao Imperador. Embora extensa, tomamos a liberdade de reproduzi-la quase que na íntegra.

 ... O suplicante residiu com seu senhor na fazenda cafeial (sic) distante algumas milhas da cidade do Paraibuna Província de Minas Gerais, lugar onde gozava de maior estima de seus senhores, despeitado com um seu parceiro de nome Joaquim, desapareceu este e porque fosse muito reprovada conduta (sic) e odiado pelos senhores. Dias passados  soube-se que ele tinha morrido recaindo graves suspeitas em outros da casa, mas como o suplicante era intrigado com ele e os que maiores indícios tinham de culpabilidade, faziam mais falta à fazenda do que o suplicante a qual deu em resultar a condenação em galés perpétuas.

Há aqui porém um mistério que o suplicante não pode investigar, pois após este fato desastroso, um sussurro geral se espalhou por toda a fazenda contra alguém da família e isto ainda mais se prova pelo suborno costumado a praticar de atos tais. Assim que a liberdade foi prometida ao suplicante se este confessasse o delito.

Fosse como fosse o suplicante é quem está na prisão a doze anos e portanto só ele é criminoso incapaz de semelhante atentado e disposto somente para sofrer humilhações do cárcere a que por sua cruel desventura se acha para sempre lançado.

Senhor! Quem pede não pode acusar: o processo dirá o que falta ao magnanimo coração de V. M. Imperial, falaram também as lágrimas e os soluços d’um desgraçado que com gemidos partidos do fundo d’alma

Pede pelo amor de Deus,

Perdão, Perdão[102].                                                        

                

                 Frederico, em sua petição, deixa-nos entrever a hipótese de que o responsável pela morte de Joaquim  fosse um de seus senhores, que lhe ofereceu a liberdade em troca da sua responsabilidade pelo crime ocorrido. Jamais saberemos quem de fato matou Joaquim, mas o que importa aqui é a possibilidade de concluir que a família Horta Barbosa, como tantas outras famílias escravistas, não primava pela bondade e humanidade no tratamento dado a seus escravos. E ainda, a hipótese de que Frederico tenha assumido a culpa por um crime de seus senhores abre a possibilidade de que ele não tenha sido o único cativo a encobrir delitos de seus proprietários em troca de promessas de liberdade ou outros “privilégios”. Concordamos todavia, que o uso de castigos físicos imoderados não eram corriqueiros. Não interessava ao proprietário a mutilação ou a perda de uma peça tão valiosa e, além do mais, geradora de riqueza. Mas a racionalidade econômica não foi suficiente para evitar casos dessa natureza.

                 Em 1879,  Antônio Augusto Vieira castigou dois escravos seus, Adão e João, com requintes de Sade. Os dois escravos, recém-adquiridos, fugiram da propriedade de Antônio Augusto, que saiu na captura dos mesmos. João foi capturado  na ponte próximo ao rancho da tapera ( “subúrbios” de Juiz de Fora)  e, sob olhares de diversas testemunhas admiradas, amarrado, surrado, pisoteado e ameaçado de ser jogado ponte abaixo, o que não se efetivou devido à intervenção dos presentes[103].Dias depois, Adão retornou à propriedade de Antônio Vieira, apadrinhado pelo Capitão Antônio Dias, pela senhora de Augusto Vieira e pelo feitor da fazenda. Desrespeitando os padrinhos, Vieira enviou o escravo para a roça e, juntamente com mais quatro escravos seus, surrou-o exageradamente. Apesar de muito castigado, Adão trabalhou o resto daquele dia, na manhã seguinte enfermou-se e faleceu cinco dias depois. Abriu-se processo para apurar os fatos, sendo denunciado Vieira e os co-réus escravos Thomé, Theodoro, Severino e Vicente. Testemunhas de prestígio confirmaram os fatos e alegaram ser voz pública que Vieira tratava mal a seus escravos. Os réus foram denunciados por homicídio, menos Vieira, que faleceu antes da data da denúncia.Francisca Augusta Ferreira Campos, esposa de Vieira, contratou advogado para defender seus escravos. O advogado solicitou para os mesmos as escusas do artigo 10 parágrafo 3o do Código Criminal.

Não há negar que, na hipótese dos autos, viram-se os indiciados na alternativa ou de desobedecerem ao seu senhor incorrendo assim nas mesmas sanhas e rigores de que eram testemunhas ou se faltasse à prática das barbaridades cometidas. A perspectiva que se alternaria à desobediência dos indiciados era desumano martírio de que era vítima o seu parceiro _ o infeliz Adão _ . Nestas condições o medo irresistível de que fala o artigo 10 parágrafo 3o, medo irresistível  que leva de vencida uma coragem ordinária, influindo muito naturalmente no ânimo dos denunciados, não lhes permitia proceder de outra sorte[104]. (Grifos no original).

                

                 O promotor não aceitou o recurso, mas os escravos foram absolvidos pelo júri em 10 de julho de 1880.

                 Os  109 crimes registrados, em que escravos aparecem como vítimas, foram crimes contra a pessoa, coerente com a situação jurídica do escravo. Escravos eram mercadorias, não proprietários. Portanto, raramente iriam sofrer crimes contra a propriedade, e em Juiz de Fora não se registrou nenhum delito desta natureza. Os principais algozes dos escravos foram os homens livres, seguidos de seus próprios parceiros.

 

TABELA 7

ESCRAVOS OBJETOS DE DELITOS

 

                

Condição do réu

Quantidade

Porcentagem

Homens livres

59

54%

Escravos

37

35%

Não identificados

13

11%

Total

109

100%

Fonte: Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. Processos Criminais do

             Período Imperial.

 

                 Afirmamos que a base do escravismo foi a coação. Entretanto, a força por si só não teria mantido a escravidão por tantos anos. Houve, ao lado da ameaça e da coação, uma política senhorial de dominação, baseada num “sistema diferencial de incentivos - no intuito de tornar os cativos dependentes e reféns de suas próprias solidariedades e projetos domésticos.”[105] Incluem-se nesta rede de incentivos, a constituição de famílias — que tornam os escravos especialmente vulneráveis, dificultando as fugas individuais por exemplo — a possibilidade da formação de um pecúlio, a economia própria do escravos, laços de compadrio etc[106].

                 Os processo utilizados neste capítulo são ricos em exemplos da convivência da coação com a concessão. Antônio Augusto Cassiano de Paula ofereceu um jantar com pagode a seus escravos para comemorar a capina de sua lavoura, uma visível manifestação de incentivo. Mas não hesitou em mandar castigar José para além da moderação, manifestação da sua prepotência e arbitrariedade.

                 Theóphilo era um escravo privilegiado, o “fiel da casa”, digno da confiança de seus senhores, responsável pela escravaria na ausência dos mesmos ... mas quando teve a oportunidade, fugiu, e pagou com a vida a ousadia.

                 Maria era casada com um homem forro. Não sabemos se ao se casar, o marido de Maria  (Adão ) já era livre ou se sua liberdade foi adquirida depois, concessão dos senhores ou resultado de compra por ele próprio. De qualquer forma, há em todas estas hipótese manifestação de favores. Se Adão adquiriu a liberdade com pecúlio próprio, os senhores deram-lhe condições de formar seu pecúlio. Se ele a conquistou por “benevolência” de seus  senhores, estes concederam-lhe um favor. Se Adão nunca pertenceu a Antônio Joaquim Gonçalves, ainda assim eles concederam um favor a Maria, autorizando seu casamento com um homem liberto. Mas Maria era cativa ... não podia acompanhar o marido livre, além disso era maltratada com regularidade, a crer em suas alegações e nas testemunhas.

                 O mesmo Estado que propunha Leis moderadoras no tratamento dado ao cativo pelos senhores, reconhecia a estes senhores o direito e a necessidade de castigarem seus cativos, para garantir a manutenção da submissão e da dominação. E quando os castigos resultaram em morte, ainda assim, a justiça absolveu o responsável. Mas afinal, qual grupo social elaborava e garantia a aplicação das leis na sociedade escravista?  A quem servem as Leis? À  conveniência de uma parcela da elite escravista imperial...Longos anos de predomínio de relações escravistas de produção e dominação. Seria ingenuidade pensar que a escravidão foi imutável ao longo de seus quase quatrocentos anos de existências. O escravismo adaptou-se às transformações impostas pelo tempo. Ao longo do século XIX o senhor escravista teve que ceder, que adaptar-se aos novos ventos, às pressões anti-escravistas, à afirmação do Estado Nacional que procurava ampliar sua área de atuação, intervindo com mais freqüência nas relações entre senhores e seus cativos. A sociedade escravista, que conferiu a uma parcela significativa de homens o status de coisa, de mercadoria, — portanto, sujeito às leis de mercado — não pôde entretanto, anular a subjetividade do ser escravo. Não foi diferente em nossa região. De formas variadas os escravos buscaram conquistar espaços de resistência à exploração sofrida. Adaptaram-se ao escravismo, é verdade,  mas não foram passivos a ele. Impuseram limites de tolerância, fugiram, furtaram, suicidaram-se, mataram... sofreram com os maus-tratos... morreram vitimados pela violência inerente ao sistema. Marcaram seus espaços de atuação na história.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

          A expansão cafeeira ocorrida na região de Juiz de Fora, na segunda metade do século XIX,  proporcionou uma capitalização que foi parcialmente reinvestida num complexo cafeeiro, tendo a cidade de Juiz de Fora assumido a posição de pólo cultural e comercial da região. O crescimento urbano atraiu para a cidade um contingente significativo de homens livres, que somados aos cativos absorvidos pela lavoura cafeeira, conferiram ao município, tanto na sua área urbana quanto rural, um grande conglomerado humano. Ao lado do progresso material vimos crescer vertiginosamente a ocorrência da criminalidade, praticada por homens livres e por cativos, com predominância dos crimes contra a pessoa (homicídio, tentativa de homicídio, ofensas físicas).

          A análise da criminalidade praticada e sofrida pelos cativos nos permite algumas inferências. Ao longo do século XIX, até as vésperas da abolição, a criminalidade escrava cresceu em Juiz de Fora e região. Por um lado temos que considerar que os senhores de escravos, pressionados pelas leis anti-escravistas e movimento abolicionista, passaram a entregar, com maior freqüência, seus escravos criminosos para o julgamento da justiça. Por outro, se consideramos que ao longo deste período cresceram o número de denúncias enquadradas na Lei especial de 1835 (julgamento sumário para escravos que ferissem ou matassem seus senhores, administradores, feitores e familiares dos mesmo) — tipo de crime que sempre foi considerado grave, e portanto entregue para julgamento — podemos inferir que de fato houve um crescimento da criminalidade cativa.

                 O trato com a documentação judicial, nos mostrou que nas poucas vezes em que escravos conseguiram queixar-se de seus senhores por maus tratos, pedindo exame de corpo de delito, as conclusões dos delegados ou subdelegados eram de que não havia indícios para prosseguir as investigações, que os castigos haviam sido leves, apenas correcionais. Outros tantos prosseguiram para além dos exames de corpo de delito, chegando a haver um inquérito para apuração da queixa, mas o promotor não dava denúncia alegando não haver provas suficientes. Raras foram as denúncias que chegaram a constituir processos e ir a julgamento. Provavelmente a influência do senhor do escravo junto às autoridades locais determinava, na maioria das vezes, o andamento do caso. Mesmo as denúncias dadas por pessoas livres, de menor prestígio social que o acusado, não eram levadas a termo.

-

 



* Este artigo é uma versão, ligeiramente modificada, de nossa Monografia de Especialização em História do Brasil, intitulada Cotidiano, criminalidade e conflito nas relações entre senhores e escravos na Comarca do Paraibuna (1830/90). Juiz de Fora: UFJF, 1998.

1Até 1850, quando o arraial de Santo Antônio do Paraibuna foi elevado à categoria de Vila, a região de Juiz de Fora pertencia à Comarca do Rio das Morte. A partir de 1850 foi criada a Comarca do Paraibuna. Ver, ESTEVES, Albino. Álbum do município de Juiz de Fora. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado de Minas, 1915, p. 54 e COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais (Com estudo histórico da Divisão Territorial e Administrativa). Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1970, p. 272. 

2 GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990, p.34-35.

[3] BUENO, José Antônio Pimenta. Apontamento para o Processo Criminal Brasileiro. Rio de Janeiro: Emprenza Nacional do Diário. 1857, e Código Criminal do Império do Brasil.

[4] FAUSTO, Boris. Crime e Cotidiano: a criminalidade em São Paulo (1880-1924). São Paulo: Brasiliense, 1984,  p. 17-20.

[5]CORRÊA, Marisa. Morte em Família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro, Graal, 1983, p. 37, apud, AREND, Silvia Maria Favero. Considerações a cerca do uso de processos penais como fonte documental pelos Historiadores. In: ARQUIVO PÚBLICO DO RIO GRANDE DO SUL. Maria Degolada: mito ou realidade? Porto Alegre: EST, 1994, p. 66.

[6]As informações relativas ao Inquérito, Denúncia e Interrogatório foram coletadas no texto  de: AREND, Sílvia Maria Fávero,  op. cit. p.66-71.

[7] FAUSTO, Boris, op. cit.  p. 9.

[8] A este respeito ver: ANDRADE, Rômulo Garcia de op. cit. e PIRES, Anderson, op. cit.

[9] A este respeito ver. GOODWIN JÚNIOR, James  Willian.  A “Princeza de Minas”: a construção de uma identidade pelas elites juizforanas. 1850-1888. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: UFMG, 1996.

[10] PIRES, Anderson. Capital Agrário, investimento e crise da cafeicultura de Juiz de Fora (1870-1930). UFF: Tese de Mestrado, p. 36-61.

[11] ANDRADE, Rômulo Garcia. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava e seus vínculos de parentesco: Zona da Mata de Minas Gerais, século XIX.. São Paulo: Universidade de São Paulo, Tese de doutoramento, 1995, p. 80-95.

[12] Idem, p. 155.

[13] Mapa aproximado da população do município da Vila de Santo Antônio do Paraibuna”, 23 de outubro 1855. Arquivo Histórico da Cidade de Juiz de Fora. AHCJF.  Fundo Arquivo da Câmara no Império, série 139.

[14] COSTA, Joaquim Ribeiro. Toponímia de Minas Gerais; Com estudo histórico da Divisão Territorial Administrativa. Belo Horizonte: Imprensa Oficial do Estado, 1970, p. 350.

[15] Maiores esclarecimentos sobre esta questão ver: LACERDA, Antonio Henrique Duarte. A Evolução da População Escrava e os Padrões de Manumissões em Juiz de Fora (1844/88). Monografia de Especialização em História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF.1998

[16] Lei 2040 de 28 de setembro de 1871, apud MARTINS, Antonio de Assis (org.). Almanak administrativo, civil e industrial da Província de Minas Gerais; do ano de 1874 para servir no de 1875. Ouro Preto: Typographia de Juiz de Fora de Paula Castro, 1874, p. 639-63.

[17] AHUFJF. Fundo Benjamin Colucci. Listas de matrículas de escravos se encontram em vários  inventários posteriores a 1872 e SLENES, Robert. O que Rui Barbosa não Queimou: Novas Fontes para o Estudo da Escravidão no século XIX, In: Estudos Econômicos. São Paulo: USP, 13 (1):117-149, Jan/abr. 1983.

[18] AHUFJF, Fundo Benjamin Colucci. Inventário da Baronesa de Sant’Anna, n. 475, caixa 54B.

[19] AHCJF, Fundo Cartório Maninho Faria. Escritura de Compra e Venda. Primeiro Ofício de Notas de Juiz de Fora, caixa 03, livro 22, folhas 38v-42.

[20] GAMMA, Affonso Dionysio. Código  Penal Brasileiro (Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890). 2 ed. rev. ampl. São Paulo: Livraria Acadêmica Saraiva, 1929, p. 475.

[21] BALISE, Marcelo Otávio Neri de Campos. Criminalidade e cidadania na corte imperial: o clamor dos missivistas na imprensa periódica (1840-1850). In: Discursos sediosos: crime, direito e sociedade, p. 197.

[22] Idem.

[23] Código do Processo Criminal do Período Imperial, op. cit., p. 75.

[24] Idem, p. 57.

[25] Idem, p. 189.

[26] FAUSTO, Boris. op. cit  p. 20.

[27] GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1978, p. 63.

[28] Idem,  p.66.

[29] CASTRO, Hebe Maria Mattos. Das Cores do Silêncio:  os significados da liberdade no sudeste escravista - Brasil séc. XIX. Rio De Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 138.

[30]MACHADO, Maria Helena P. T., p. 27-33.

[31] CARDOSO,  Maria Thereza. P. Padrões de criminalidade em São João Del-Rei, século XIX: primeiras anotações sobre processos criminais. LPH, Revista de História. Ouro Preto,  n. 7, p. 140-141, 1997.

[32] A este respeito ver: SAES, Décio, A Formação do Estado Burguês no Brasil (1888-1891). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985 e CASTRO,  Hebe Maria Mattos de, op. cit.

[33] SAES, Décio, op. cit. p. 103.

[34] Idem,  p. 103 a 113.

[35] AZEVEDO, Célia Maria de. Onda Negra, Medo Branco: o negro no imaginário das elites - Século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, p.118.

[36] SAES, Décio, op. cit., p. 104.

[37] MACHADO, Maria Helena P. T., op. cit., p. 27-33.

[38] A este respeito ver, CARDOSO, Maria Thereza P., op. cit.; CASTRO, Hebe Maria Mattos de, op. cit.; MACHADO, Maria Helena P. T., op. cit..

[39] SAES, Décio. Op. cit. p. 104, nota 73.

[40] Idem, op. cit. p. 134

[41]  Idem.

[42] Estas idéias são colocadas por  Silvia Lara em seu estudo sobre o cotidiano escravista em Campos dos Goitacases (1750-1808), mas acreditamos que são válidas, também, para o período imperial. LARA, Silvia. Coisas e pessoas, in: Campos da violência: escravos e senhores na Capitania do Rio de Janeiro, 1750-1808. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 341-355, passim.

[43] SLENES, Robert, Senhores e subalternos no oeste paulista. In: SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, v. 2, p. 237.

[44] GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, op. cit., p. 25.

[45] GENOVES, Patrícia Falco & SOUZA, Sonia de. Peças de ébano: a legislação escravista em Juiz de Fora. Revista Eletrônica de História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF, v.1, n. 1, p. 35. <http://www.ufjf.br/~clionet/rehb>

[46] Idem, p. 35-46 e passim.

[47] Idem p. 39.

[48] A este respeito ver, GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, op. cit. MACHADO, Maria Helena P. T., op. cit., e SAES, Décio, op. cit.

[49] AHCJF. Fundo Câmara Municipal no Império, série 163/2,  28 de junho de 1862. 

[50] AHCJF. Fundo Câmara Municipal no Império, série 92, Relatórios apresentados à Câmara por Fiscais, 1854/1888, 191 itens.

[51] AHCJF. Fundo Câmara Municipal no Império, série 90, Documentos do Fiscal da Câmara Municipal de Juiz de Fora referentes a Posturas Municipais, 09 de janeiro de 1860.

[52] GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, op. cit., p. 27.

[53] Serviços obrigatórios prestados pelos escravos criminosos.

[54] GUIMARÃES, Elione Silva e GUIMARÃES, Valéria Alves. Aspectos Cotidianos da escravidão em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Prefeitura de Juiz de Fora, 1996, p. 16-29. (Digitado)

[55] GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada, op. cit., p. 79.

[56] GOMES, Núbia Pereira de Magalhães & PEREIRA, Edmilson de Almeida. Negras Raízes Mineiras: Os Arturos, Juiz de Fora: EDUFJF e Ministério da Cultura, 1988, p. 55.

[57] GORENDER, Jacob A escravidão reabilitada, op. cit., p. 34-36 e 121-122.

[58]Idem, p. 122.

[59] GOMES, N. P. de Magalhães & PEREIRA, E. de Almeida, op. cit., p. 68-69.

[60] CASTRO,  Hebe Maria Mattos de,.op. cit., p.169-170.

[61] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial.

[62] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no período Imperial, séria 26: Processos  de Crime Contra a Pessoa e a Propriedade.

[63] Idem, processo de 29/10/1867.

[64] Idem, processo de 21/08/1882.

[65] Para o estudo de fugas, foram utilizados os anúncios de fuga de escravos publicados no jornal “O Pharol”, de Juiz de Fora, no período 1876-1888. Estes anúncios dizem respeito à Zona da Mata como um todo, embora a grande maioria seja referente a Juiz de Fora e seus distritos.

[66] ANDRADE, Rômulo Garcia. Um silêncio na Historiografia de Minas Gerais p. 7-10 (mimeografado); e LACERDA, Carla Delgado. Fuga de escravos no Jornal “O Pharol” (1876/1888). Monografia de Especialização em História do Brasil. Juiz de Fora: UFJF, 1998.

[67] GOMES, N. P. de Magalhães & PEREIRA, E. de Almeida, op. cit., p. 73.

[68] Idem, p. 46.

[69] AMOGLIA, Ana Maria Faria. Um suspiro de liberdade: suicídio de escravos no município de Juiz de Fora (1830-1888). Trabalho de Apresentação como Bolsista do CNPq. Juiz de Fora: UFJF, 1998., sob a orientação de Rômulo Garcia de Andrade.

[70] MACHADO, Maria Helena P. T., p. cit., p. 29.

[71] CARDOSO, Maria Thereza P., op. cit.  ,p.140-141.

[72] MACHADO, Maria Helena P. T., op. cit., p. 28.

[73] Idem, p. 33.

[74] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial.

[75] ANDRADE, Rômulo Garcia de. Escravidão e cafeicultura em Minas Gerais: ocaso da Zona da Mata. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 11, n. 22, mar.-ago., 1991, p. 96.

[76] SAES, Décio,. op. cit.,  p.113.

[77] MACHADO, Maria Helena P. T., op. cit., p. 34-37

[78] Idem, p. 35.

[79] AHCJF. Fundo Benjamin Colucci, Processos Criminais do Período Imperial relativos a Crimes Contra a Propriedade.

[80] AHCJF.  Fundo Câmara Municipal no Império. Série 163/1,Código de Posturas Municipais de 1857.

[81] SAES. Décio, op. cit., p.112-113.

[82] Escravos foram considerados vítimas em mais 63 documentos criminais. Destes, 48 referem-se a suicídio ou tentativa de auto-extermínio (conforme tabela de suicídio apresentada anteriormente), outros foram considerados como morte natural ou acidental.

[83] GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial, o. cit., p. 69.

[84] AHCJF. Fundo Benjamim Collucci, série 15, Processo Criminais de Ofensas Físicas.

[85] Na Tabela 06 constam 30 escravos vítimas de homens livres. Mas, como as tentativas de morte foram computadas junto com homicídios, ocorre a diferença numérica que o leitor está constatando.

[86] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial, Série 15, Processo Criminal de Ofensas Físicas, processo de 20/06/1873.

[87] Idem, folha 7 .

[88] O artigo 60 do Código Criminal do Império estabelecia que “Se o réo fôr escravo, e incorrer em prna, que não seja a capital, ou de galés, será condenado na de cóutes, e, depois de os soffrer, será entregue a seu senhor, que se obrigará a trazel-o com um ferro, pelo temppo e maneira que o Juiz designar”. Código Criminal do Império, p. 150.

[89] Idem, série 15, processo de 30/01/1888, folha 32.

[90] Idem, folha  42.

[91] Idem, série 11, 28/03/1884.

[92] Idem, sentença final, folhas sem número.

[93] Idem, Série 15, Processo Criminal de Ofensas Físicas, processo de 23/04/1873.

[94] Idem, folha 3, verso.

[95] Idem, folha 5 verso.

[96] Era comum que escravos que evasores, criminosos ou que cometessem qualquer outro ato que pudesse redundar em punição, buscassem a proteção de pessoa influente junto a seu proprietário a fim de intervir por ele, visando minorar os castigos que lhes seriam aplicados.

[97] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial, série 11, Processo Criminal de Homicídio, processo de 16/03/1872.

[98] Idem.

[99] LARA, Silvia, op. cit., p. 166 a 169.

[100]AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial, série 11, Processo Criminal de Homicídio, processo de 27/07/1865.

[101] AHUFJF. Fundo Benjamin Collucci. Inventário do Conselheiro Luiz Antônio Barbosa, referência 233, caixa 20B. No inventário do Conselheiro Luiz Antônio Barbosa, marido de dona Antônia Luiza Horta Barbosa e pai de Luiz Eugênio Horta Barbosa, aberto em 06/11/1861, na parte de relação de bens, aparece um único escravo de nome Frederico, idade declarada de 25 anos, avaliado em 1:300$000 (um conto e trezentos mil réis) e, também um único escravo Joaquim, idade declarada de 40 anos, avaliado em 1:000$000 (um conto de réis), provavelmente os mesmos envolvidos no processos de 1865. Apesar de Frederico dizer por várias vezes, quando interrogado, ignorar a sua idade e, mais tarde declarar ter 25 anos, isto no processo de 1865, acreditamos ser a mesma pessoa uma vez que os cálculos das idades eram feitos por aproximação e declarado de acordo com as conveniências  do momento. Também não consta do inventário que Frederico fosse portador de alguma doença ou defeito físico. O preço médio de um escravo da faixa etária de Frederico, em 1863, era de 1:550$000 (um conto e quinhentos e cinqüenta mil réis). Ver: ANDRADE, Rômulo Garcia. Limites impostos pela escravidão à comunidade escrava..., op. cit., p. 59.

[102] AHCJF. Fundo Processos Criminais do Forum  Benjamin Colucci no periodo Imperial, série 11, Processo Criminal de Homicídio.  Petição de Graça do escravo Frederico, de 27/07/1865. 

[103] Idem, Processo  Crime de homicídio, 03/12/1879.

[104] Idem.

[105] SLENES, Robert, op. cit., p. 237.

[106] Para os casos de Juiz de Fora e Muriaé ver: ANDRADE, Rômulo Garcia de. Limites impostos pela escravidão ...