O condoreirismo

 

As décadas de 60 e 70 do século passado representam para a poesia brasileira um período de transição. Ao mesmo tempo que muitos dos procedimentos da primeira e da segunda geração são mantidos, novidades de forma e de conteúdo dão origem à terceira geração da poesia romântica, mais voltada para os problemas sociais e com uma nova forma de tratar o tema amoroso.

Fugindo um pouco do egocentrismo dos ultra-românticos, os condoreiros desenvolveram uma poesia social, comprometidos com a causa abolicionista e republicana. Em geral são poemas de tom grandeloqüente, próximo da oratória, cuja finalidade é convencer o leitor-ouvinte e conquistá-lo para a causa defendida.

O nome da corrente, condoreirismo, associa-se ao condor ou outras aves, como a águia, o falcão e o albatroz, que foram tomadas como símbolo dessa geração de poetas com preocupações sociais. Identificando-se com o condor, ave de vôo alto e solitário, com capacidade de enxergar a grande distância, os poetas condoreiros supunham ser eles também dotados dessa capacidade e, por isso, tinham o compromisso, como poetas-gênios iluminados por Deus, de orientar os homens comuns para os caminhos da justiça e da liberdade.

 

Castro Alves

 

O poeta dos escravos, Castro Alves é considerado a principal expressão condoreira da poesia brasileira. Além da poesia social Castro Alves cultivou ainda a poesia lírica, a épica e o teatro.

Sua obra representa, na evolução da poesia romântica brasileira, um momento de maturidade e de transição. Maturidade em relação a certas atitudes ingênuas das gerações anteriores, como a idealização amorosa e o nacionalismo ufanista, às quais Castro Alves dará um tratamento mais crítico e realista.

 

 

A poesia social

 

Talvez seja Castro Alves o primeiro grande poeta social brasileiro.

Em vez de uma visão idealizada e ufanista da pátria, Castro Alves retrata o lado feio e esquecido pelos primeiros românticos: a escravidão dos negros e a opressão e a ignorância do povo brasileiro. A linguagem utilizada por Castro Alves é grandiosa, com gosto acentuado pelas hipérboles e por espaços amplos como o mar, o céu, o infinito, o deserto, etc.

 

 

"O navio negreiro"

 

"O navio negreiro" é um poema épico-dramático que integra a obra Os escravos e, ao lado de "Vozes d"África", da mesma obra, vem a ser uma das principais realizações épicas de Castro Alves. O tema de "O navio negreiro" é a denúncia da escravização e do transporte de negros para o Brasil

o texto que segue, a parte IV de "O navio negreiro", é a descrição do que se vê no interior de um navio negreiro. Perceba a capacidade de Castro Alves em nos fazer "ver" a cena, como se estivéssemos num teatro.

 

Era um sonho dantesco!... o tombadilho,

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros ... estalar de açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

 

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras, moças, mas nuas e espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs!

 

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Se o velho arqueja, se no chão resvala,

Ouvem-se gritos...o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali!

Um de raiva delira, outro enlouquece,

Outro, que de martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!

 

No entanto o capitão manda a manobra.

E após fitando o céu que se desdobra

Tão puro sobre o mar,

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."

 

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Qual num sonho dantesco as sombras voam!...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanás!...

 

Em Espumas flutuantes

 

 

A poesia lírica

 

Embora a lírica amorosa de Castro Alves ainda contenha um ou outro vestígio do amor platônico e da idealização da mulher, de modo geral ela representa um avanço decisivo na tradição poética brasileira, por ter abandonado tanto o amor convencional e abstrato dos clássicos quanto o amor cheio de medo e culpa dos primeiros românticos.

Em vez de "virgem pálida", a mulher de boa parte dos poemas de Castro Alves é um ser corporificado e, mais que isso, participa ativamente do envolvimento amoroso. E o amor é viável, concreto, capaz de trazer tanto a felicidade e o prazer quanto a dor.

 Fonte: CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Literatura Brasileira