UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
ESCOLA DE NUTRIÇÃO
PROGRAMA ESPECIAL DE TREINAMENTO - PET/ CAPES

Anorexia Nervosa e Bulimia:

Uma Revisão Bibliográfica

BOLSISTA: PAOLA CÉLIA DE SENA CASTRO
ORIENTADORA: PROF
A MARGARETE APARECIDA SANTOS TRÓPIA
1997

 

Por que às vezes a gente se sente uma pulga?
Por que os outros parecem monstros perto de nós?
Alguns monstruosos que deixam a gente como cacos
de vidro espalhados pela imensidão das ruas.
Sujas e indiscretas, à noite.
Alguns monstruosos de beleza que fazem a gente
pensar que é simplesmente um monstro.
Às vezes a gente faz coisas que não são da gente
para tentar ficar menos monstruoso.
E acaba perdendo os nossos.
Mas um dia a gente aprende a ser gente
Ser o que é
e muito mais
Gostar de ser.
Daí, valeu.

Poema de uma garota de 14 anos que teve Bulimia Nervosa;
extraído do livro:
A MULHER ESCONDIDA - a anorexia nervosa em nossa cultura
(ref n
o 20 )

INTRODUÇÃO

A mudança nos padrões de beleza ocorrida nas últimas décadas apresenta, como característica marcante, o "culto ao corpo", uma obsessão de perder peso, configurando-se como forte fator para a ocorrência de transtornos alimentares. Aparecem, então, como importantes causadores dessas patologias, os fatores sócio - culturais.

Tais fatores incluem os hábitos alimentares peculiares da família, que parecem influenciar juntamente com história anterior de dificuldade de controle de peso, regimes, quadros fóbicos e depressão. Os aspectos sócio - culturais que relacionam a magreza ao sucesso, controle e poder - associados às indústrias das dietas, da atividade física e da cirurgia plástica - são bastantes relevantes.

Os transtornos alimentares são comportamentos alimentares diferentes dos padrões normais e podem levar - entre outras consequências - aos extremos da variação do peso corpóreo. Pode haver um consumo excessivo de alimentos desencadeando a obesidade; ou restrição alimentar, levando suas vítimas a desenvolver anorexia ou bulimia, graves doenças nervosas que podem ser fatais.

A incidência de distúrbios alimentares, como a anorexia, bulimia, transtorno do comer compulsivo e outros não especificados, tem se tornado mais comum nos últimos anos. (25) Sua prevalência já tem aumentado tanto, que podem ser caracterizados como um problema de saúde pública, nos países da América do Norte (3, 5, 24), sendo os mais comuns a anorexia nervosa (A N) e a bulimia nervosa (B N).(25)

Altas taxas de mortalidade têm sido relatadas em alguns estudos de seguimento:

5- 10 % em estudos de 10 anos, 20 % em estudos de 20 anos.(25) As principais vítimas são as mulheres, sobretudo as adolescentes, mais susceptíveis à manipulação da mídia. No entanto, os transtornos vêm se tornando frequentes entre homens e mulheres de outras idades. (9)

Essas doenças invariavelmente têm início com uma perda de peso resultante de doença física ou dieta de emagrecimento, em razão de excesso de peso real ou imaginário. O hábito de fazer dietas aparece, então, como importante fator de risco para o desenvolvimento de transtornos alimentares, especialmente em mulheres.

Segundo dados da Associação Americana de Anorexia e Bulimia, mais de cinco milhões de americanos já enfrentam o problema que, aliás, detém o maior índice de mortalidade entre todas as doenças de fundo emocional do país. (17) Essa situação é alarmante, pois há forte pressão para a utilização de dietas para emagrecer, na sociedade americana. (2, 25, 28)

No Brasil, o quadro não é menos alarmante. Vários institutos especializados revelam ter aumentado o número de atendimentos e internações por anorexia nervosa.(19)

Ribeiro, 1997, num estudo sobre demografia de pacientes com distúrbios alimentares, afirma que o atendimento de adolescentes apresentando distúrbios alimentares cresceu significativamente desde 1982, quando foi criado o Ambulatório de Distúrbios da Conduta Alimentar e do Peso, do Hospital das Clínicas, USP.(19)

Hoje observa-se casos de transtornos alimentares sendo diagnosticados precocemente, o que contribui positivamente para um bom prognóstico. (9) Na maioria das vezes, porém, a família demora a perceber a evolução dos distúrbios alimentares, provavelmente pelo desconhecimento das síndromes, despreparo médico em diagnosticar as mesmas e escassez de serviços que oferecem tratamento especializado (19). O sentimento de culpa e vergonha aliados à idéia de que este não seja um problema médico, também adiam o diagnóstico (8).

A Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa são transtornos alimentares que interessam à várias áreas da Medicina e afins, como a Nutrição e Psicologia. São caracterizados por distúrbios severos no comportamento alimentar, que merecem análise cuidadosa no que diz respeito aos aspectos e cuidados nutricionais. A obesidade e demais transtornos, apesar da importante prevalência e do interesse para os cuidados nutricionais, não serão objetos dessa revisão bibliográfica.

A Anorexia Nervosa representa uma das mais contraditórias formas de dor: morrer de fome em meio à abundância.(20) Em si, anorexia deriva do grego, significando falta de apetite. O termo, na verdade, é errôneo, já que a falta de apetite é rara, pois os pacientes muitas vezes sentem fome, mas procuram negá-la ou controlá-la.

A síndrome foi identificada como entidade clínica em 1868, por Gull e Lasègue, apesar de ser sido descrita em 1694 por Richard Morton, que relatava um emagrecimento auto-induzido em decorrência de um "mórbido estado de espírito". (22, 20)

Cem anos após à descrição cuidadosa dos dois autores, a doença ganhou destaque. O que mudou neste tempo todo foi o aparecimento de um novo critério - diagnóstico, que parece não ter-se apresentado no universo epistemiológico de Gull e Lasègue, e que, hoje é levado em conta: o medo de engordar. (20) No entanto, esse critério é divergente e deve ser cuidadosamente aplicado.

O termo bulimia deriva do grego "bous"(boi) e "limus"(fome). A patologia já recebeu diversas denominações como: hiporexia nervosa, bulimarexia, bulivomia, síndrome do caos alimentar, e, finalmente, Bulimia Nervosa - termo, atualmente, de aceitação geral. (11,8,9, 18)

Gerald Russell, em 1979, descreveu sistematicamente a Bulimia, sugerindo que este quadro fosse uma estranha evolução da A N.(22) Estudos posteriores demonstraram, no entanto, que apenas 20% a 30% dos pacientes bulímicos apresentavam história pregressa de A N. (8)

Desde então o conhecimento sobre a B N tem aumentado rapidamente devido à sua importância clínica e epidemiológica. (22) No entanto, a B N só emergiu como entidade diagnóstica distinta em 1980, com a publicação do "Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders". (1)

A comunidade científica trata a A N e B N como sintomas do inconsciente da cultura contemporânea. Assim, parece ter se tornado do senso comum que tais transtornos são muito mais predominantes nas sociedades industrializadas, nas quais há abundância de comida e onde, especialmente para as mulheres, é considerada atraente a pessoa que é magra. Contraditoriamente, "em algumas culturas, a percepção distorcida do corpo pode não ser proeminente, e a motivação expressa para a restrição alimentar poderia ter um conteúdo diferente, como o desconforto epigástrico, ou o pouco interesse pela comida".(20) Dessa forma, a prática do jejum religioso ("anorexia santa") na Idade Média, assemelha-se muito ao conceito moderno de anorexia, e está inserida em um contexto cultural próprio. (11)

A etiologia dos transtornos alimentares é vasta e considerada multidimensional. Ocorre uma interação de componentes biológicos, sócio - culturais, psicológicos, individuais e familiares, contribuindo para a gênese do quadro clinico.

O fator psicossocial na etiologia dos transtornos alimentares parece se evidenciar pela maior incidência das doenças em grupos profissionais (atores, bailarinos, modelos, etc) submetidos à maior pressão social na exigência de um corpo magro (10,11,7,16,22,)

Alterações hormonais e disfunções de neurotransmissores, ligados à regulação do comportamento alimentar e manutenção de peso, estão presentes. No entanto, não se sabe se são causas ou consequências do transtorno. (11,7)

Os modelos familiares alterados - como pais ausentes, mães que competem com as filhas, envolvimento da criança em tensões familiares - são vistos como mantenedores do comportamento anorético ou bulímico.(10, 11)

 

CRITÉRIOS - DIAGNÓSTICOS E QUADRO CLÍNICO

Dentre os diversos critérios - diagnósticos existentes, a "American Psychiatric Association" oferece o "Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders" (DSM - IV), que contém uma definição de utilidade clínica para a identificação de casos com o objetivo de pesquisa. (20)

A classificação de transtornos mentais e de comportamento do CID - 10 (OMS, 1993), adota critérios psicopatológicos para sua determinação. (6)

ANOREXIA NERVOSA

Para as pessoas que desenvolvem a Anorexia, a alimentação e o peso tornam-se obsessões, levando à redução do consumo alimentar. Em algumas, a compulsão se manifesta através de estranhos rituais alimentares ou da recusa de comer na presença dos outros.

Postula-se um distúrbio na percepção e reconhecimento da fome e da saciedade, ou fadiga e senso de inadequação em geral. Ocorre redução da acuidade gustativa e da motilidade gástrica. (4)

O baixo consumo alimentar têm consequências evidentes no estado nutricional. Sem intervenção, o distúrbio pode progredir até inanição, quando os efeitos são similares à desnutrição protéico - calórica. O organismo realiza ajustes fisiológicos; no entanto, sinais clínicos como amenorréia, bradicardia, pele seca, distúrbios no crescimento capilar e desinteresse sexual podem ocorrer. Deficiências de vitaminas e minerais são raras. Alterações na estrutura do sono, como despertar precoce, são também descritas.(4, 21)

Do ponto de vista do desenvolvimento da personalidade, a A N pode ser concebida como uma evitação do corpo feminino adulto, com particular rejeição pelas mudanças associadas à puberdade.(3)

De acordo com o DSM-IV, os critérios diagnósticos da doença são:

A todos esses fatores, podem ainda ser associados quadros de depressão, sequela fisiológica da semi - subnutrição, que, em geral, melhoram com o ganho de peso (20, 7, 6). Assim, quando sintomas depressivos significantes coexistem com a A N, o tratamento é direcionado primordialmente ao transtorno alimentar. Se a alteração do humor persiste
após se corrigir o estado nutricional, o tratamento é então dirigido ao transtorno afetivo primário (27)

Características obsessivo - compulsivas, relacionadas ou não à comida, costumam estar presentes, tanto em anorexia quanto em bulimia.

Além da magnitude do problema, também é de importância seu impacto sobre vários aspectos da vida do paciente: pessoais, familiares, emocionais, sociais, sexuais e ocupacionais.(25)

O medo de tornar-se obeso leva a comportamentos com a finalidade de perder peso, o que origina a classificação da A N em subtipos segundo o DSM - IV , para especificar a presença ou ausência de comportamentos bulímicos e/ou purgativos. São eles:

Com o passar do tempo, metade das pessoas com A N desenvolvem bulimia.. (18,23,27)

 BULIMIA NERVOSA

Os pacientes bulímicos costumam ser sensíveis a qualquer variação ponderal, iniciando novo ciclo bulímico quando sentem algum ganho de peso. Fatores como ansiedade, tensão, frustração e depressão, podem precipitar um episódio bulímico.

O paciente com B N apresenta três sinais clínicos clássicos, que são: hipertrofia bilateral das glândulas salivares, cuja fisiopatologia é de origem desconhecida; lesão de pele no dorso da mão, causada pelo estimular o reflexo do vômito; e o desgaste dentário, provocado pelo suco gástrico dos vômitos. (11, 8)

Alterações metabólicas e hidroeletrolíticas são encontradas em 25% dos pacientes, que, em grau severo, podem levar a falência cardíaca. (11,6)

O consumo de grandes quantidades de alimentos leva à dilatação gástrica, podendo gerar, também, herniações de esôfago. O consumo irregular de alimentos resulta em constipação. (4)

Os episódios de comer compulsivo é a característica clínica primária da B N e são seguidos por comportamentos compensatórios, inadequados e recorrentes, como abuso de laxantes e exercícios físicos excessivos - que caracterizam um dos critérios diagnósticos - para evitar o ganho de peso. (8)

O vômito auto - induzido é muito comum, sendo encontrado em até 95% dos pacientes. Ainda, com o passar do tempo, aproximadamente 20% dos pacientes obtêm o controle voluntário do reflexo do vômito por meio de uma contração abdominal, não mais necessitando forçá-lo mecanicamente. (6)

No episódio bulímico a pessoa ingere, em curto intervalo de tempo, uma quantidade de alimentos definitivamente superior do que a maioria das pessoas conseguiria comer durante um período de tempo igual e sob circunstâncias similares. No entanto, o bulímico é acometido por um sentimento de perda de controle sobre a alimentação, ou seja, um sentimento de não poder parar de comer ou não controlar o quê e quanto se consome.

Para critério diagnóstico do DSM - IV, tanto os episódios do comer compulsivo como os comportamentos purgativos, devem ocorrer com a frequência mínima de duas vezes por semana, por no mínimo três meses.

A amenorréia é observada em número menor de casos do que na A N, sendo mais frequentes ciclos menstruais irregulares. (8)

 A B N pode ser dividida em dois subtipos (1):

 

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