ZAMENHOF BENFEITOR DA HUMANIDADE

 

por AFFONSO SOARES

        Lázaro Luís Zamenhof nasceu em 15 de dezembro de 1859, a pequena cidade de Bialistok, Polônia, então anexada ao Império Russo.

        Sua nobre missão se mostrava nas atitudes superiores da criança preocupada com os sofrimentos que advêm das diferenças entre as criaturas, as quais, a seus olhos, eram todas iguais e deviam amar-se urnas as outras.

        Em 1887 lega a família humana o instrumento ideal para as comunicações entre seus membros, engolfados numa consternadora multiplicidade de linguas e dialetos a entravar-lhes a marcha do progresso. Surge o Esperanto, impregnado dos elevados ideais de justiça e fraternidade entre os povos, e logo se espalha pelo mundo atraindo corações de boa-vontade para um movimento cuja finalidade precípua e a construção de uma ponte através da qual se aproximem os homens, separados por milenares barreiras culturais, religiosas, raciais e lingüísticas.

        Os adeptos, encantados pela força unificadora do Esperanto, rendem-se a autoridade irresistível do grande missionário, cujos talentos de pensador profundo, intelectual vigoroso, artista inspirado e condutor inato sustentaram a causa com tal genialidade que nenhuma força, interna ou externa, podera jamais destruí-la.

        E são esses talentos do gênio de Bialistok que anualmente, no mês de dezembro, os esperantistas evocam em homenagens sinceras prestadas nos milhares de núcleos do generoso movimento espalhados pelo mundo.

        Também nos associamos as homenagens que, em 1996, recordaram os 137 anos de seu nascimento, mas dessa vez procuramos focalizar, com o auxílio da excelente obra de Marjorie Boulton--"Zamenhof --Aûtoro de Esperanto"--, alguns nobilíssimos aspectos de sua personalidade, evidenciados nos atos comuns de uma vida toda tecida de sacrifícios, abnegação e devotamento .

        Em uma das melhores biografas do Dr. Esperanto--senão a melhor --Marjorie Boulton, mestra, escritora, poetisa de grande sensibilidade do inglês e no Esperanto, põe em relevo aqueles traços que, comuns a personalidade dos Espíritos verdadeiramente superiores, também adornavam o caráter do criador do Esperanto: o humanitarismo, a solidariedade, a tolerância, a afabilidade, a compaixão, numa palavra, a caridade.

        Zamenhof era médico e no exercício de sua profissão agia sob o impulso do desprendimento, não obstante haver permanecido sempre pobre. Dos camponeses jamais exigia honorários, chegando mesmo a dar-lhes dinheiro e a pedir de fazendeiros ricos auxílio para o socorro de sua clientela sem recurso. Certa ocasião, após atender a crianças gravemente feridas num incêndio, inteirou-se de que o fogo havia destruído a propriedade de seus pais, reduzindo-os a absoluta miséria. Zamenhof deu-lhes todo o dinheiro que possuía, não cuidando em reservar algum para o regresso ao lar em longa viagem. Recorre, para esse fim, a um rico cliente das redondezas, para que Ihe empreste o necessário para o regresso. De outra feita, no caminho que habitualmente fazia entre Vejseje e Kovno, encontra um carroceiro em prantos pela morte do seu cavalo, esgotado pelos esforços numa estrada coberta de lama. Zamenhof oferece-lhe 50 rublos para que o pobre homem tenha com que comprar outro animal e assim assegurar o seu sustento. E, após assistir uma agonizante idosa, juntamente com quatro outros colegas, recusa-se a receber da família polpudos honorários, considerando que a doença culminou com a morte da paciente. Zamenhof sempre se dedicou a seus clientes pobres, proporcionando-lhes ate o fim de sua carreira dois dias da semana para consultas gratuitas, pedindo a seu filho Adam, igualmente médico , que continuasse essa pratica.

        Nos mínimos gestos e atitudes revelava-se a nobreza de seu caráter. Em Boulogne-sur-mer, Franca, por ocasião do 1º Congresso Universal de Esperanto, comparece, embora judeu, a uma missa do culto romano. A uma fervorosa esperantista que Ihe pede um autografo no recinto da igreja Zamenhof sussurra: "Com maior prazer, minha senhora, mas eu Ihe peco que seja em outro lugar--aqui e um lugar sagrado."

        Os pequeninos, os sofredores e particularmente aqueles que atravessavam a prova da cegueira dedicavam entranhada veneração pelo bondoso oculista de Varsóvia, e quando Zamenhof visita Carnbridge, para os festejos do 3º Congresso Universal, encontra-se com muitos cegos esperantistas provenientes de outros países, todos alojados numa mansão as expensas de outro grande pioneiro esperantista, Theóphile Cart. Zamenhof cumprimentou cada um a parte, encorajou-os ao otimismo e de todos recebeu ardorosos agradecimentos pelo idioma que lhes proporcionava uma pequena claridade em seu mundo sem luz. Mas os cegos Ihe pediram outro privilegio: queriam toca-lo com as mãos, conhecer melhor aquele que nunca poderiam ver. E suas mãos que, de forma tão extraordinária, traduzem pensamentos e emoções, tocavam respeitosamente o corpo pequeno e frágil, a barba, os óculos de lentes ovais, a larga calva do genial missionário polonês. Marjorie Boulton supõe que naquele momento Zamenhof talvez pensasse nas crianças judias cujos olhos foram barbaramente vazados durante um "pogrom" na sua cidade natal de Bialistok.

        O ano de 1908 viu a explosão de um escândalo nas hostes esperantistas, provocado pela traição de um adepto em quem Zamenhof depositava absoluta confiança. Sob o comando daquele infeliz adepto, Zamenhof, ate o fim de sua vida, receberia de alguns outros apóstatas insultos e calunias vis. A tudo porem respondeu com tolerância, perdão verdadeiramente cristão, dando aos seguidores da grande causa o luminoso exemplo da magnanimidade diante do erro. Em Dresden, alguns esperantistas despedem-se de Zamenhof após o Congresso Universal de 1908, entre eles Julius Glück, Theóphile Cart e Eduard Myls. Este ultimo comenta com seus co-idealistas:

        "O que vocês pensam que Zamenhof vai fazer agora? Ele pretende viajar ao encontro de B..., o seu falso amigo de outrora, a quem confiou a representação de sua obra e que traiu sua amizade! Zamenhof quer fazer a longa viagem ao encontro de B... para perdoar o traidor!..."

        Um dos grandes ideais de Zamenhof era dar aos religiosos de todas as correntes um fundamento neutro concreto para que se aproximassem em nome do bem da Humanidade. Seu desejo era de que os livros sagrados de todas as religiões fossem vertidos para o Esperanto. Ele próprio traduziu o Velho Testamento. Dizia o grande missionário:

        "Se todos os fundadores de religiões pudessem encontrar-se pessoalmente, eles se apenariam as mãos reciprocamente, como amigos, porque todos tiveram um único objetivo: fazer com que os homens se tornassem bons e felizes."

        O ideal esperantista fê-lo pairar acima de sua própria identidade nacional e racial. Quando o convidaram para a festa de fundação de uma sociedade judaica internacional em Paris, ele respondeu:

        "Estou profundamente convencido de que todo nacionalismo representa tão-somente um grande prejuízo para a Humanidade, sendo de opinião que o objetivo principal de todas as criaturas deveria ser a criação de uma Humanidade harmônica. É certo que o nacionalismo dos oprimidos--como reação natural de autodefesa--e muito mais desculpável do que o nacionalismo dos opressores. Mas, se o nacionalismo dos fortes e vil, o nacionalismo dos fracos e imprudente, ambos se engendram e se sustentam reciprocamente, dando lugar a um círculo vicioso de infelicidades, do qual a Humanidade jamais sairá se cada um de nos. fazendo o sacrifício de seu amor-próprio grupal, não tentar o encontro num terreno absolutamente neutro.

        Eis por que, apesar dos pungentes sofrimentos de minha raça, não quero aderir a um nacionalismo judeu, preferindo trabalhar apenas para uma absoluta justiça entre os homens. Estou profundamente convencido de que assim proporciono a meus irmãos maior soma de bem do que se aderisse a um movimento nacionalista."

        Mas a mais expressiva homenagem, por nascer do coração de uma alma simples, foi a que Ihe fez a velha criada da família Zamenhof. Ela era católica romana, mas durante toda a sua vida guardou em seu quarto, sob um crucifixo, uma fotografia de Zamenhof. Aos visitantes ela costumava mostrar esse retrato, dizendo: "Ele nunca pecou!..."

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        Ao nobre Espirito de Lázaro Luís Zamenhof, em nome da família espirita, no seio da qual seus ideais e sua genial criação naturalmente encontram fervorosa acolhida, o agradecimento pelos sacrifícios com que pode ser transplantada no seio da sociedade a nobre cause do Esperanto e do Esperantismo.

 

( artigo da revista Reformador nº 2014,  janeiro, 1997 )

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