Trabalhos: O Grande Oriente Lusitano

in "Rebeldia", no. 5, Grémio Rebeldia, Lisboa, Maio de 1989

A. H. de Oliveira Marques

1. A Maçonaria existe em Portugal desde cerca de 1727, por influência sobretudo inglesa e irlandesa. Perseguida a partir da promulgação da bula condenatória do papa Clemente XII (1738), conheceu, não obstante, períodos de relativa paz e tolerância durante o séc. XVIII e começos do XIX. Desses períodos, o mais dilatado ocorreu durante o governo do marquês de Pombal (1750-77), simpatizante da Maçonaria senão ele próprio maçon.

Nos finais do séc. XVIII, a estadia em Portugal de um contingente britânico onde trabalhavam algumas lojas exerceu grande impacte no desenvolvimento da Ordem. O número de maçons e de lojas multiplicou-se e, em 1802 foi criado o Grande Oriente Lusitano, reconhecido pela Grande Loja de Londres.

Desde então, e mau-grado as sucessivas perseguições (1809-13; 1817-20; 1823-26; 1828-34) o Grande Oriente Lusitano manteve-se até hoje como corpo maçónico regularmente constituído e representativo da Maçonaria Portuguesa. Existiram, claro está, cisões e divisões como por toda a parte e, em especial, entre 1834 e 1869 e entre 1914 e 1926. Mas sempre foi possível restaurar a unidade interrompida.

A Maçonaria Portuguesa, trabalhando com diversos ritos (Rito Escocêes Antigo e Aceite, Rito Francês, Rito Simbólico, Rito de York, Rito de Adopção, etc.) teve sempre relações fraternas oficiais com praticamente todas as Obediências do mundo.

Percorrendo as páginas do Boletim Oficial do Anuário e de outras publicações anteriores a 1935, aí encontramos a Grã-Bretanha (Grande Loja Unida, Grande Loja da Escócia, Grande Loja da Irlanda), os Estados Unidos (Grande Loja do Arkansas, Grande Loja da Carolina do Norte, Grande Loja de Washington, etc.), a França (Grande Oriente de França, Grande Loja de França), a Espanha, o Brasil e outras nações da América do Sul, etc., etc.. Essas relações traduziram-se pela existência de garantes de amizade e de tratados, e pela comparência de delegados portugueses às mais importantes reuniões maçónicas internacionais e de delegados estrangeiros aos congressos e outros acontecimentos maçónicos portugueses.

O apogeu da Maçonaria coincidiu com o longo grão-mestrado de Magalhães Lima (1907-28), figura muito conhecida e prestigiada internacionalmente. O número de maçons atingiu 4.341 e o de oficinas quase 200, para uma população total rondando os 6 milhões. A obra da Maçonaria foi enorme, com a fundação de dezenas de núcleos de actividade no Mundo profano, sobretudo nos campos de instrução, da assistência e do livre-pensamento. Mas já desde meados do séc. XIX que o papel da Maçonaria se ia avolumando em Portugal, devendo-se-lhe a abolição da pena de morte e da escravatura, entre outras muitas medidas.

O triunfo do militarismo ditatorial em 1926 e, poucos anos mais tarde, do Fascismo português, interrompeu esta obra notável. Os maçons foram perseguidos e as suas lojas encerradas. Em 1935 toda a actividade maçónica foi oficialmente proibida. Mas o Grande Oriente não morreu. Durante quase 40 anos continuou, na clandestinidade, a trabalhar, assegurando - embora em ritmo muito mais lento - as reuniões periódicas das suas lojas, as iniciações, as elevações de grau e, sobretudo, uma intensa actividade de combate ao regime opressivo em que Portugal vivia. Manteve contactos, embora raros e difíceis, com as obediências estrangeiras, incluindo a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Ao emergir da clandestinidade, em 25.4.74, a Maçonaria portuguesa estava reduzida a cerca de cinco lojas e a uma centena de irmãos. Mas existia, sobrevivera à maior de todas as perseguições e prosseguia, em total regularidade, na construção do templo.

2. Os princípios essenciais defendidos hoje pelo Grande Oriente Lusitano para a existência de uma Loja justa e perfeita podem resumir-se nos sete pontos seguintes:

  1. que seja formada por, pelo menos, 7 mestres maçons;
  2. que seja dirigida por 3, iluminada por 5 e tornada justa e perfeita por 7;
  3. que trabalhe segundo um ritual que utilize os sí,mbolos da construção;
  4. que tenha as suas sessões num local fechado e coberto onde se encontrem as colunas B e J, as trêes grandes luzes entre as quais o esquadro e o compasso, instrumentos do grau e o pavimento em mosaico;
  5. que pratique os graus de Aprendiz, Companheiro e Mestre;
  6. que a iniciação no grau de Aprendiz, a efectuar sob o sinal do triângulo, compreenda o gabinete de reflexões, as provas e a passagem das trevas à luz; que a promoção ao grau de Companheiro tenha lugar à luz da estrela flamejante; que a exaltação ao grau de mestre inclua a comunicação da lenda de Hiram; que a cada grau corresponda um compromisso solene;
  7. que se considere maçon todo aquele que tenha sido formalmente iniciado numa loja maçónica justa e perfeita;

    Além destes princípios essenciais, o Grande Oriente Lusitano julga importantes e pratica pela sua Constituição e regulamentos, ou recomenda às suas lojas a prática dos seguintes:

  8. que exista um grão-mestre eleito pelo povo maçónico;
  9. que o grão-mestre tenha o direito de presidência em toda e qualquer reunião maçónica;
  10. que o grão-mestre possa, se necessário, criar maçons e conferir graus;
  11. que o grão-mestre possa autorizar a criação de lojas;
  12. que os irmãos tenham o direito de estar representados nas reuniões gerais maçónicas, através das respectivas lojas;
  13. que cada irmão tenha o direito de apelar, para um corpo superior, das decisões da sua loja;
  14. que cada irmão tenha o direito de visitar e tomar assento em qualquer loja;
  15. que os visitantes sejam maçonicamente examinados antes de admitidos em qualquer loja;
  16. que cada loja não se intrometa em assuntos internos de outra nem confira graus a irmãos que não sejam do seu quadro;
  17. que cada irmão esteja sujeito à Constituição, leis e regulamentos do Grande Oriente Lusitano;
  18. que todo o candidato à iniciação seja isento de defeitos e mutilações e maior de 18 anos;
  19. que cada loja trabalhe sob a invocação do Supremo Arquitecto do Universo, cabendo a cada irmão plena liberadde de interpretar, religiosa ou filosoficamente, aquele conceito;
  20. que a terceira das três grandes luzes indicadas no ponto 4. dos princípios essenciais, seja o Livro da Lei, cabendo a cada loja decidir da escolha desse livro, que pode conter uma lei religiosa, princípios filosóficos e humanitários, as Constituições de Anderson, a Constituição di Grande Oriente Lusitano ou outras ainda que a loja considere normativas da sua actividade e comportamento;
  21. que todos os maçons sejam iguais dentro da loja onde trabalham, independentemente das suas diferenças na sociedade profana;
  22. que os conhecimentos adquiridos por iniciação nos vários graus sejam mantidos secretos e só comunicados a outros irmãos;
  23. que se aceitem os ensinamentos simbólicos da Maçonaria como ciência especulativa com profundo objectivo moral.

Assim, o Grande Oriente Lusitano atém-se na sua quase totalidade aos 25 landmarks tradicionais da lista compilada pelo maçon norte-americano Albert G. Mackey, pondo apenas restrições aos nos. 1 (processos de reconhecimento), 18 (só no que respeita à proscrição absoluta das mulheres) e 21 (quanto ao livro obrigatório de uma verdade revelada), quer por entender que violam a liberdade de convicções de cada irmão, quer em atenção às profundas modificações sofridas pela Humanidade nos últimos duzentos anos. Quanto ao 25o. e último landmark (inalterabilidade dos próprios landmarks), considera-o um absurdo histórico e filosófico de raiz dogmática, já que a mudança dos tempos tudo obriga a rever, corrigir e alterar.

3. O Grande Oriente Lusitano conta hoje com lojas e triângulos distribuídas por grande parte do território português.

Todas as Lojas do G.O.L. trabalham presentemente no Rito Escocês Antigo e Aceite, mas nada impede que outros ritos possam vir a ser introduzidos se as Lojas assim o entenderem.

4. O Grande Oriente Lusitano rege-se pela Constituição de 1984, explicitada por um Regulamento Geral.

À frente do Grande Oriente Lusitano encontra-se o Grão- Mestre, eleito por um período de dois anos por sufrágio directo dos IIr.'. decorados com o grau de Mestre. Substituem-no nos seus impedimentos e coadjuvam-nos dois Grão-Mestres Adjuntos eleitos por igual período de tempo e pela mesma forma. Completa o executivo um Conselho da Ordem de membros eleitos bianualmente pela Grande Dieta. Este conselho reúne-se periodicamente e trata de todos os assuntos de carácter administrativo e executivo.

Com poderes sobretudo legislativos existe uma Grande Dieta, constituída pelos Veneráveis e todas as lojas e por representantes de cada loja, eleitos anualmente por todos os IIr.'. que a compõem.

A justiça maçónica é exercida, em primeira instância, dentro das próprias lojas. Em segunda instância, funciona um Grande Tribunal, composto por cinco juízes, eleitos pela Grande Dieta.

5. A sede do Grande Oriente Lusitano é em Lisboa, no chamado Palácio Maçónico, localizado na rua do Grémio Lusitano (antiga Travessa do Guarda-Mor), no. 25. Trata-se de um edifício de vastas dimensões, adquirido pelos maçons portugueses em 1882. Foi três vezes assaltado por sicários às ordens de governos ditatoriais, a primeira em 1918, a segunda em 1929 e a terceira em 1931. Muito se perdeu nestes assaltos, nomeadamente no que diz respeito a arquivo e bilioteca. Encerrado por ordem do governo da Ditadura, foi formalmente confiscado em 1937 e entregue à organização fascista da Legião Portuguesa, que o ocupou até 25.4.1974, tendo destruído toda a bela e rica decoração maçónica que o adornava. Depois de novo assalto, no rescaldo da revolução de 25 de Abril, foi restituído à Maçonaria que o fez reconstruir e onde se voltaram a reunir as lojas desde finais de 1974.

O Palácio Maçónico consta de rés-do-chão e de três andares. No primeiro estão localizados os serviços administrativos, a biblioteca e o arquivo. O segundo é ocupado pelos templos. O terceiro destina-se a secretarias de lojas.

No rés-do-chão do Palácio funciona o Grémio Lusitano, associação cultural e benéfica, legalmente constituída e que serve de ligação oficial entre a Maçonaria e o mundo profano. Nele se acham também o Museu Maçónico, salas para convívio e banquetes e um bar.

6. O Rito Escocês Antigo e Aceite foi introduzido em Portugal em 1837 a partir da Irlanda, mas só quatro anos mais tarde, em 1841-42, se constituíu o Supremo Conselho do Grau 33, por concessão e transmissão do Supremo Conselho do Brasil. Até 1929, a pessoa do Soberano Grande Comendador coincidiu com a de Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano. Tal como em relação a este, registaram-se algumas cisões, a mais duradoura das quais iniciada em 1914 e só terminada em 1939. Durante parte da clandestinidade, os cargos de Grão-Mestre e Soberano Grande Comendador voltaram a estar unidos mas, a partir de 1978, reintroduziu-se a divisão completa de poderes entre o Supremo Conselho e o Grande Oriente Lusitano. O actual Grão-Mestre que, ao tempo da sua eleição, era o Soberano Grande Comendador, renunciou a este cargo quando tomou posse do grão-mestrado.

Presentemente, o Supremo Conselho do Grau 33 delega no Grande Oriente Lusitano a concessão dos três graus simbólicos, mantendo a sua independência e total soberania em relação aos graus superiores.