Sobre Prisões e Pontes

 

Ana Sofia Schmidt de Oliveira

(Procuradora do Estado de São Paulo, Sócia-Fundadora e Ex-Diretora do IBAP)

 

Durante o ano de 1995, 5% da população adulta do Texas esteve sob supervisão da Justiça criminal o número de vagas nas prisões deste Estado passou de 41.166 em 1989 para 144.300 em janeiro de 1997. É o texas que ocupa o primeiro lugar no ranking das estatísticas prisionais: em 1995, em cada 100 mil habitantes, 653 estavam presos. A taxa nacional americana foi de 409. No mesmo ano, este número, no Brasil, foi de 95,5.

Os números, no Texas, representam o limite máximo de uma política de endurecimento em relação ao crime que domina, há alguns anos, os Estados Unidos. Em razão desta política, leis cada vez mais rigorosas são aprovadas. Na Califórnia, a terceira condenação por crime doloso resulta em prisão perpétua. Dos 50 Estados americanos, hoje 39 adotam a pena de morte. O sistema de concessão de livramento condicional foi praticamente abolido para os crimes federais. Os Estados são incentivados a adotar medidas mais duras e, em troca, recebem do governo federal verba para a construção de prisões.

O discurso que dá voto é o do endurecimento. Quem promete punições mais severas está a um passo da vitória eleitoral. E aqui é importante lembrar que em muitos Estados juízes e promotores também são eleitos. Quem vai às urnas majoritariamente é o eleitor branco, de classe média ou média alta. E este eleitor padrão inseguro pensa: "Pago meus impostos, quero segurança". Daí a imaginar que o que lhe dará segurança é a eleição dos "durões" a distância é só de um voto.

Crime e violência são filões inesgotáveis. Quem for aos Estados Unidos que ligue a televisão no intervalo das compras e verá que sempre há um homicídio, um sequestro ou um estupro sendo noticiado. Sangue e sirenes, delegacias e tribunais, perseguições policiais dão audiência. Há um canal a cabo onde só passam julgamentos. Em vez de conjecturar se aquela falta foi pênalti, se o bandeirinha marcou o impedimento de forma correta, o telespectador americano analisa o comportamento dos jurados, critica o juiz ou o promotor, dá seu palpite acerca do resultado dos julgamentos.

O relatório elaborado em 1996 pela National Criminal Justice Comission começa dizendo: "Nós somos uma nação ao mesmo tempo temerosa e obcecada pelo crime". Temor e obcessão. Dois ingredientes perigosos. O sentimento de medo favorece determinado discurso político que tem interesse na manutenção do medo. Some-se o espaço dado pela mídia ao atraente espetáculo do crime e da violência e está feito o círculo vicioso. Dentro desta linha, as projeções são obscuras. Uma respeitável organização de San Francisco — National Council on Crime and Delinquency — calcula que com a implementação das novas e duras legislações a população carcerária nos Estados Unidos chegará a 7,5 milhões, a um custo anual de US$ 221 bilhões nos próximos anos.

Várias organizações, porém, começam a perceber e denunciar os riscos do endurecimento, mostrando que não há relação alguma entre o número de pessoas presas e o número de crimes cometidos. Que a sensação de medo da população vem mais dos meios de comunicação do que da realidade das ruas. Que a grande maioria das pessoas presas foi condenada pela prática de crimes não-violentos. Que o problema das drogas não se resolve com polícia e repressão. Que o problema prisional é a ponta do iceberg formado por questões sociais e raciais. Que milhões de dólares estão sendo gastos nas prisões e, portanto, deixando de ser aplicados em programas de educação e saúde. E o que está por trás de tudo? Há quem diga que, para muitos, especialmente as indústrias de segurança, antes voltadas para a guerra fria, prisão é um ótimo negócio...

Há 150 mil presos no Brasil, dez vezes menos do que nos Estados Unidos. Antes que este número comece a aumentar, antes que importemos as estatísticas e comecemos a construir prisões, é preciso olhar com atenção a experiência dos nossos ricos vizinhos da América. Talvez a solução esteja mesmo em construções. De pontes entre as pessoas e não de muralhas entre elas.