AVISO DE COBRANÇA E ACRÉSCIMOS LEGAIS

DO ICMS APURADO E DECLARADO

 

MAGALI JUREMA ABDO (Procuradora do Estado de São Paulo)

 

Ao instituir e regular tributo sujeito a lançamento por homologação ou "autolançado" - aquele pelo qual o contribuinte está de antemão obrigado a declarar e recolher aos cofres públicos o que deve ao fisco, nos termos da legislação pertinente, independentemente de prévio exame da autoridade fiscal (art. 150 do Código Tributário Nacional) - , a Lei n. 6.374/89-SP, instituidora do ICMS neste Estado estabeleceu, de modo imperativo, que:

"Artigo 62 - O imposto devido, declarado e não pago, deve ser inscrito na Dívida Ativa, após 30 (trinta) dias contados do vencimento.

§ 1º - No decurso desse prazo de 30 (trinta) dias, o imposto pode ser recolhido independentemente de autorização fiscal.

§ 2º - Após o decurso desse prazo, o recolhimento depende de prévia autorização fiscal."

Por sua vez, o lançamento do imposto, nestes casos, embora passível de revisão fiscal durante o período de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º do CTN), considera-se, desde logo, efetuado, nos termos da declaração prestada pelo próprio contribuinte, prescindindo da instauração de processo administrativo ou da adoção de qualquer providência adicional do fisco neste sentido (art. 57 da Lei n. 6.374/89-SP).

Daí ser possível adotar as medidas tendentes a inscrever o débito e ajuizar a sua cobrança, tão-logo transcorrido o prazo estabelecido no art. 62 da Lei n. 6.374/89 e sempre que se trate de operações sujeitas aos regimes de apuração periódica ou de estimativa, segundo deflui da simples leitura da lei instituidora do ICMS no Estado de São Paulo.

Trata-se de procedimento que diz respeito ao ICMS declarado pelo contribuinte, mas não recolhido.

Outra, contudo, é a situação do imposto que, apesar de objeto de apuração e declaração nos termos da lei, é recolhido a destempo ou sem os consectários incidentes, na forma prevista pela legislação.

Neste caso, aplica-se o artigo 103 da Lei n. 6.374/89, claro ao estabelecer que:

"Artigo 103 - Verificado o recolhimento do débito fiscal com inobservância das disposições estabelecidas nos artigos 87, 96 e 98, será o devedor notificado a recolher a diferença apurada de ofício, dentre de 10 (dez) dias, inscrevendo-se o débito na Dívida Ativa em caso de inadimplemento.

§ 1º - Diferença é o valor de imposto e/ou da multa que restar devido após a imputação de que trata o parágrafo seguinte, acrescido de correção monetária e, quando for o caso, dos juros de mora, da multa moratória e dos honorários advocatícios.

§ 2º - A imputação deve ser efetivada mediante distribuição proporcional do valor recolhido dentre os componentes do débito, assim entendidos, o imposto e/ou a multa, a correção monetária, os juros de mora, a multa de mora e os honorários adocatícios devidos na data do recolhimento incompleto."

É, portanto, em atendimento a este último dispositivo legal que a administração tributária expede um "aviso de débito", dirigido ao devedor, aplicando-lhe o procedimento explicitado pela lei e fixando em seu favor novo prazo para o recolhimento do tributo, já agora nas condições resultantes da aplicação do § 2º do dispositivo acima transcrito.

Este aviso de cobrança, por seu turno, corresponde a uma cobrança amigável, e por óbvio já constitui motivo suficiente, por si só, para afastar a possibilidade de invocação pelo contribuinte à figura da "denúncia espontânea".

Ocorre que, não raro, contribuintes do ICMS impugnam a cobrança efetuada nestas condições, e, ao fazê-lo, não alegam qualquer erro material ou decorrente de equívoco no preenchimento da declaração do imposto. Procuram discutir, na verdade, a legalidade da exigência dos acréscimos resultantes da aplicação do art. 103 da Lei estadual, como se tivesse ocorrido, pelo simples fato desta cobrança, uma "revisão do lançamento" ou, mais ainda, um novo lançamento ou notificação de lançamento, equivalente à que ocorreria quando, por exemplo, da lavratura de um auto de infração.

Ora, manifesto o intuito protelatório deste expediente, eis que não há como confundir os conceitos de pagamento ou de cobrança da exação com o de lançamento do crédito tributário.

Com efeito, na via administrativa, uma tal cobrança se limita a exigir os consectários decorrentes da aplicação das normas de direito positivo que regulam o ICMS, em caráter público, cogente e indeclinável, e cuja incidência não pode ser afastada pela simples vontade seja do contribuinte seja das autoridades administrativas fazendárias, obrigadas estas, ademais, até por dever de ofício, à estrita observância da lei.

Sendo assim, o chamado aviso de cobrança se afigura como ato totalmente incapaz de instaurar um "contencioso administrativo" que permita ao contribuinte discutir a legalidade ou constitucionalidade de exigência processada com base em imposto já lançado em GIA, ainda que o recolhimento, nos termos da apuração levada a efeito pelo próprio contribuinte, não afaste o direito fazendário de proceder a ulterior revisão fiscal (art. 110 do RICMS).

Significa dizer: não se está diante de uma "homologação de lançamento" nem de uma "revisão" deste pelo fisco, pois tal ato se limita a efetuar a cobrança do imposto tomando por base o imposto declarado e confessado pelo próprio contribuinte.

Ora, o débito apurado e declarado pelo contribuinte prescinde, de acordo com a lei e a jurisprudência pacífica de nossos Tribunais, de instauração de prévio procedimento administrativo para ser cobrado judicialmente.

Como observa BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, "o crédito tributário, não liquidado na data prevista para o seu pagamento, deve ser imediatamente exigido". Assim, não recolhido oportunamente o débito fiscal, pode o fisco, desde logo, inscrevê-lo e ajuizá-lo, independentemente também de prévia cobrança amigável.

Todavia, tratando-se de um caminho menos oneroso e capaz de trazer bons resultados no sentido de eliminar "áreas de atrito" (cadastramento mal feito; lançamento em duplicidade, etc), a cobrança pode ser iniciada pela via amigável, através da qual, identificado o débito, se concede ao contribuinte uma última oportunidade antes da cobrança forçada, fixando-se um novo prazo para o pgamento, tudo como última tentativa de se evitar a instauração da instância judicial.

Neste sentido, a cobrança prevista no art. 103 da Lei estadual n. 6.374/89-SP, nada mais significa que a opção do legislador estadual em proporcionar ao contribuinte a possibilidade de efetuar, embora a destempo, o recolhimento do débito diretamente aos cofres públicos, desde que se disponha a observar o novo prazo que lhe foi concedido e as normas legais que disciplinam o pagamento da exação.

Tratando-se, portanto, de cobrança amigável, descabe ao contribuinte impugnar a exigência, a não ser - e quando muito - se verificar e comprovar a sua desconformidade com o montante efetivamente apurado ou a necessidade de retificação de mero erro material ou, ainda, a ocorrência de um fato ulterior apto a elidir a cobrança (apresentação de GIA substitutiva, cobrança em duplicidade, etc).

Por outro lado, não podendo a Fazenda Pública deixar a dívida permanentemente em aberto, transcorrido o novo prazo concedido ao contribuinte sem o pagamento do débito, deve este ser inscrito na dívida ativa e ajuizado de imediato, cessando de plano a competência dos órgãos da Secretaria da Fazenda para se pronunciar a respeito, motivo que vem indicar, uma vez mais, ser inconcebível entrever qualquer interesse jurídico do contribuinte em obter o pronunciamento dos órgãos fazendários acerca de questões que deverá discutir, se quiser, já em juízo.

Do que precede, portanto, resulta evidente que nada justifica, o adiamento da cobrança relativa ao ICMS apurado pelo contribuinte, mesmo no caso do art. 103 da Lei estadual 6.374/89-SP, dispositivo no qual o legislador apenas manifestou o intuito de conferir-lhe a derradeira oportunidade de fazer o pagamento sem os encargos e os transtornos decorrentes do ajuizamento do débito.