As Finalidades do Registro Imobiliário

 

Paulo Victor Fernandes

Procurador do Estado de São Paulo, em exercício na Procuradoria do Patrimônio Imobiliário e Professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da PUC/SP.

 

A propriedade mais se sente do que se define. A frase, de Caio Mário, não poderia ser mais precisa.

Na Antiguidade pouco ou nada se mencionava acerca da propriedade individual imobiliária, visto que a ocupação das áreas de terra era realizada de forma coletiva; a individualização era em relação tão somente aos bens de consumo. Entretanto, no momento em que a terra passou a ser utilizada para fins comerciais, a ocupação foi transformada. Com o surgimento do Estado essa nova forma de ocupação recebeu, então, proteção jurídica.

No Brasil a propriedade imóvel, surgida a partir da ocupação portuguesa, em 1500, foi efetivada através do chamado regime de sesmarias, regido pela conhecida Lei de Sesmaria, de 26 de junho de 1365, baixada por D. Fernando I, rei de Portugal. Foi a primeira legislação fundiária aplicada em nosso território. As terras eram distribuídas pela Coroa gratuitamente aos chamados "homens de qualidades", com poderes de gestão extremamente amplos.

Somente em 1822, através da Resolução de 17 de julho, foi extinto o aludido regime.

Dessa data até 1850, o único instrumento garantidor do direito de propriedade era a Constituição de 1824, complementada pela Lei 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida por Lei de Terras, e surgida com o intuito de regularizar as ocupações decorrentes da má utilização do regime anterior. Em conseqüência foi também criado o chamado Registro Paroquial, pelo qual, para fins estatísticos, as propriedades necessitavam ser cadastradas, não valendo, pelo menos no início, para efeito de legitimação de posses.

Vale frisar, também, que até a entrada em vigor do Código Civil não se fazia necessário o registro imobiliário para a aquisição do direito de propriedade sobre o um bem imóvel.

Pode-se dizer, então, como ensina Maria Helena Diniz ("Sistemas de Registros de Imóveis", p.20, Saraiva, 1992), que "somente a intervenção estatal, realizada pelo oficial do Cartório Imobiliário, conferirá direitos reais, a partir da data em que se fizer o assentamento do imóvel." Foi o ocorrido a partir de sua vigência.

Determina o artigo 172 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), que no Registro de Imóveis serão feitos o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, "inter vivos" ou "mortis causa", quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

Com efeito, o registro imobiliário, nos moldes assegurados por nosso ordenamento, terá tríplice finalidade: como garantia de autenticidade, segurança e eficácia.

A existência da autenticidade se dá, embora retificável, pela presunção de verdade, uma vez que caberá ao oficial o exame dos requisitos meramente formais da documentação apresentada, não significando jamais a autenticidade do negócio imobiliário.

A segurança jurídica advém da perfeita identificação do titular do domínio e da existência ou inexistência de ônus reais incidentes sobre o imóvel, representando fonte segura de informações do sistema imobiliário, diminuindo, assim, os riscos decorrentes das falhas estruturais e garantindo direito ao ressarcimento pelos eventuais prejuízos causados ao titular ou a terceiros.

Por último, a eficácia será "erga omnes", gerada em decorrência da publicidade, em relação a terceiros, das informações nele contidas, com o fito de resguardar, pela certeza dos dados, a boa-fé dos interessados na realização de negócios imobiliários; constitutiva, em razão da qual sem o reegistro o ato não produzirá efeitos de direito real; assecuratória de sua autenticidade; conservatória, por conter o cartório verdadeiro acervo documental e reduzida, quando o direito real preexiste ao registro, hipótese típica de usucapião.