ROBERTO DI COSMO

DOMINIQUE NORA








O ASSALTO

PLANETÁRIO

A face oculta da Microsoft


Tradução de

Maria Filomena Duarte



Imagem misterio
Reconhece algum deles ?



Índice





PREÂMBULO


Numa manhã de Maio de 1998, tinha um encontro marcado no Departamento de Matemáticas e de Informática da Escola Normal Superior (ENS) da rue d'Ulm com Roberto di Cosmo. Não conhecia este investigador de informática, mas ele tinha-me enviado um exemplar de um texto extenso acerca da Microsoft, publicado na Internet e intitulado «Armadilha no Ciberespaço», e eu preparava um dossier sobre este tema para Le Nouvel Observateur. Cheguei ao seu gabinete por volta das 10 horas; saí às... 15 horas, estupefacta, depois de ter ouvido Roberto di Cosmo desmontar com brilhantismo as jogadas de assalto da Microsoft à microinformática e as suas possíveis implicações nas nossas vidas.

Com trinta e cinco anos, Roberto di Cosmo é licenciado pela Scuola Normale Superiore de Pisa e defendeu a tese de doutoramento na Universidade de Pisa, antes de se tornar mestre de conferências na ENS. A sua actividade de investigação situa-se no entroncamento dos caminhos da programação funcional, da lógica, da teoria das categorias, da teoria dos jogos e da programação paralela e distribuída. Roberto di Cosmo é responsável por projectos universitários internacionais e membro dos comités de programa de várias conferências internacionais sobre informática teórica. Mas o mais impressionante é sem dúvida o facto de este curriculum vitae dificilmente inteligível para o comum dos mortais não impedir que Roberto di Cosmo dê provas de um grande talento de pedagogo e de um sentido apurado da analogia. Sobretudo, pareceu-me que ele efectuara, nos últimos dez anos, uma análise inédita dos produtos e das práticas do líder mundial de software.

De facto, a Microsoft é pouco criticada nos meios de comunicação social franceses. E quando o é, as motivações dessa crítica são em geral o antiamericanismo, a tecnofobia ou o fascínio/repulsa pelo seu fundador, Bill Gates. Não detectei nada disto neste especialista em informática de alto nível, que avalia a empresa pelos seus produtos, mas também segundo um ideal: a esperança de que a tecnologia seja utilizada para construir um mundo melhor. A informática deve ser posta ao serviço do maior número possível de pessoas, e não monopolizada por uma minoria que dela retira lucros fabulosos. E em nome desta convicção, amplamente partilhada, que Roberto di Cosmo defende, a par de numerosos universitários, a solução alternativa de uma informática aberta, baseada no «software livre».

Nessa manhã, compreendi até que ponto nós, os jornalistas, estávamos mal preparados para descodificar a propaganda dos industriais de informática. E avaliei melhor o desnível que existe entre as duas margens do Atlântico: no momento em que o governo americano desencadeia contra a Microsoft a maior acção anti-trust desde que a que culminou com o desmantelamento da AT&T, no momento em que a opinião pública americana começa ela própria a abrir os olhos para o fenómeno Microsoft, a França, em nome da modernidade, entrega-se de mãos e pés atados ao monopolista do software

Foi aliás uma reportagem televisiva no noticiário das 20 horas, um pouco antes do Natal de 1997, que levou Roberto di Cosmo a quebrar o silêncio. Nela se viam consumidores franceses a calcorrear os corredores das secções de informática das grandes superfícies, e o comentário identificava pura e simplesmente a «modernidade», a informática, a Internet e os multimedia... com os PCs equipados com produtos Microsoft.

Di Cosmo e os seus pares tinham o hábito de debater entre si a má qualidade dos programas da Microsoft e de denunciar o modo como a empresa destruía a pouco e pouco a esfera da Internet. Mas estas conversas não saíam dos círculos académicos. No momento em que as tecnologias da informação transformam para sempre o modo como vivemos, no momento em que a Internet se impõe como sistema nervoso do planeta, era necessário que estas opiniões fossem expressas de viva voz e de forma inteligível.

Assim nasceu a ideia deste livro de entrevistas, que desmonta os mecanismos e sobretudo as implicações de um «assalto» à escala planetária. Para que os utilizadores de PCs compreendam por que motivo é que a sua máquina se «avaria» tantas vezes. Para que os Franceses possam descodificar o processo que opõe o Estado americano à Microsoft e as suas consequências possíveis no mercado do emprego na Europa. Para que os cidadãos apaixonados pela cultura, pela liberdade e pela transparência avaliem até que ponto as opções «tecnológicas» determinam na realidade as opções sociais que afectam tanto - ou mais - os leigos como os especialistas. Para que, sobretudo, os responsáveis da administração pública e das empresas saibam, pelo menos, que existem soluções alternativas.



DOMINIQUE NORA





I


BIG BROTHER?



Dominique NORA: A Microsoft está numa posição de quase monopólio em relação a determinados sectores das tecnologias da informação, como os sistemas operativos e os programas burocráticos, mas as suas vendas representam menos de 2 por cento das vendas da informática mundial. Porquê, então, assustarmo-nos com o seu domínio, como você convida os leitores a fazer ao longo desta obra?


Roberto DI COSMO: Esses 2 por cento não são um bom critério para tomarmos em consideração. Eles dão a falsa impressão de que o editor de programas Microsoft não passa de uma empresa totalmente marginal, porque se encontra afundada num conjunto de actividades dispares em nada comparáveis às suas, que vão da montagem de computadores ao fabrico dos balcões automáticos dos bancos (hardware, software, serviços e semicondutores).

Há outras estatísticas que permitem uma apreciação mais justa do poder da Microsoft: o gigante de Seattle realiza só por si 41 por cento dos lucros dos dez maiores fabricantes de software a nível mundial, e os sistemas de exploração da Microsoft equipam mais de 85 por cento dos microcomputadores do planeta. De qualquer modo, os números não são uma boa medida para o fenómeno que denuncio: o controlo de uma indústria tão vasta como a da informática não passa forçosamente pela conquista de 90 por cento das suas vendas. Isso é muito visível nas revoluções. Para derrubar o poder instituído, os rebeldes procuram tomar pelas armas todo o território do pais? Não, basta-lhes conquistar esse 0,1 por cento dos activos nacionais considerados estratégicos: a estação de rádio, a cadeia de televisão, a rede telefónica e algumas instituições-chave, como o Exército ou o banco central. Na esfera económica, é a mesma coisa: existem bens estratégicos mais importantes do que outros.

Hoje em dia a expressão «sociedade da informação» não é um termo vão. É difícil encontrar um bem mais importante que a informação, serviços mais estratégicos do que os que dizem respeito à sua criação, transmissão e manipulação. Se um única empresa - neste caso a Microsoft - conseguir, como ambiciona, alcançar o monopólio quase total da cadeia mundial da informação e das comunicações, ela passará a representar um perigo para a democracia. Os sistemas de informação são hoje mais estratégicos do que eram no passado o petróleo e os seus pipe-lines. Eles penetraram na nossa vida quotidiana: na das empresas, bem entendido, mas também na dos particulares. Começam já a determinar o modo como aprendemos, trabalhamos, nos divertimos, cuidamos de nós próprios, consumimos e também como formamos a nossa opinião.



No entanto, a Microsoft não é o único representante todo-poderoso deste sector O fabricante de microprocessadores Intel não está numa posição um pouco semelhante?


É verdade que a Intel, líder mundial dos microprocessadores, adopta o mesmo tipo de estratégia de conquista... que atrai igualmente a atenção da Divisão Antitrust do Departamento de Justiça americano. A Microsoft e a Intel estão aliás muito ligadas. A Intel produz chips cada vez mais poderosos para motorizar softwares Microsoft cada vez mais pesados, que por sua vez nos obrigam a mudar de computador cada vez mais depressa... e consequentemente a deixar cada vez mais dinheiro nas caixas registadoras destes dois cúmplices. Daí a referência ao modelo «Wintel» - que resulta da contracção de Windows com Intel - que detém actualmente 90 por cento do mercado da microinformática. Mas o semicondutor tem uma importância estratégica menor do que o programa: é muito mais fácil clonar um chip do que um programa complexo. E é elementar «transportar», como se diz no jargão informático, um sistema de exploração de um chip para outro, mesmo que o produtor do chip tente opor-se a essas operações por todos os meios, lícitos ou não1. Aliás, há muito tempo que a AMD, a Cyrix e a IBM produzem chips que fazem funcionar o Windows tão bem como os da Intel, e por muito menos dinheiro.

Por outras palavras, é difícil controlar a cadeia de informação a partir do microprocessador, mesmo que a Intel faça tentativas no sentido de oferecer dinheiro aos editores de conteúdo que aceitem que o seu site Web seja «optimizado» com os chips Intel, ou seja, não utilizável por quem comprou um computador equipado com um chip concorrente2.



Voltemos à Microsoft. A comparação com o mítico «Big Brother» de Orwell é pertinente?


Ela situa-se aquém da ameaça actual! Em 1984, as câmaras do Big Brother espiavam as pessoas, mas estas eram livres de dissimular o que pensavam. E, sobretudo, sabiam que estavam a ser espiadas e tomavam, portanto, todas as precauções, dispostas a bater-se para reconquistar a sua liberdade. No mundo informático moderno, pelo contrário, o cidadão utiliza com toda a confiança as tecnologias da informação para a sua correspondência por correio electrónico, para comunicar por telefone móvel, para planear as suas deslocações, para redigir os seus apontamentos, para fazer as suas contas e para gerir o seu património, para consumir, em suma, em todas as actividades quer privadas quer sociais. Quanto às empresas, confiam todos os seus segredos estratégicos às redes informáticas. Ora é tecnicamente possível conservar vestígios de todas essas informações sem que ninguém saiba e sem recorrer a câmaras bem visíveis. É fácil saber, por exemplo, a quem é que Dominique Nora telefonou esta noite, às três horas, do seu telemóvel, onde é que se encontrava, quais os apontamentos que introduziu no seu computador e qual foi o teor do correio electrónico enviado ao seu interlocutor. Estes dados condicionam muito mais a nossa vida privada do que o simples facto de nos espiarem em nossa casa, com o auxílio de uma câmara facilmente localizável... Sobretudo se estas informações caírem nas mãos de uma única empresa. Acredite que, ao lado disto, o Big Brother de Orwell não passa de um menino de coro.



Quer dizer que a Microsoft tem um plano diabólico para controlar as nossas vidas?


Não, tranquilize-se. Não sou paranóico ao ponto de acreditar numa teoria da conspiração. O que faz mexer a Microsoft é o pânico de perder a sua posição dominante. Mas, ao levar ao extremo a sua divisa, que é «Abraça e conquista» (Embrace and extend), e ao perseguir o seu objectivo explícito que consiste em assumir o controlo de todas as cadeias de informação e de comunicação (ou seja, a curto prazo, da Internet), a Microsoft está prestes a criar um instrumento tecnológico que poderia efectivamente ser utilizado para controlar as nossas vidas. E assim que esse instrumento existir, haverá sempre alguém - mesmo que não seja a Microsoft - disposto a utilizá-lo. Existe aliás um precedente interessante no que respeita aos vírus. A Microsoft lançou no seu sistema um grande número de falhas de segurança, que foram depois exploradas por programadores de vírus, com grande prejuízo para todos (ver II capítulo).

Se a Microsoft conseguir de facto dominar simultaneamente os sistemas operativos dos computadores pessoais, as redes de comunicação, os programas de navegação e a inteligência dos servidores de informação que constituem a rede Internet, o grupo ficará numa posição muito mais temível que a de uma entidade que, outrora, controlasse todas as tipografias do mundo! Ela teria de facto o poder de decidir, de uma forma dissimulada, quem teria acesso à informação. Nunca reparou que, quando se liga à Net com o programa de navegação da concorrente Netscape, você mal consegue ler certos sites cujo conteúdo foi «optimizado» pelo Internet Explorer da Microsoft? Porquê? Porque a Microsoft soube convencer os editores de conteúdo que o seu navegador, o Explorer, passara a ser o padrão, e que eles tinham todo o interesse em adaptar-lhe o seu site Web.

Mas isto não é senão o começo. A hegemonia da Microsoft nos mercados dos sistemas operativos, dos navegadores e dos servi-dores permitir-lhe-ia apropriar-se do conjunto dos modelos da rede. E preciso que se saiba que a Internet funciona hoje graças a padrões abertos, a linguagens, protocolos e interfaces públicos e documentados: a linguagem editorial HTML para os sites Web, o protocolo TCP/IP para as transmissões, o Berkeley Internet Name Daemon (que nos permite escrever no teclado «dmi.ens.fr» em vez de «129.199.96.11») e a linguagem Perl que é utilizada na grande maioria dos servidores Web são apenas alguns exemplos. Retire à Internet todas as suas componentes baseadas nos modelos abertos e nos programas livres, e a Internet deixará pura e simplesmente de existir! As interfaces abertas e públicas, os sistemas devidamente documentados e desenvolvidos sem o entrave de considerações de índole comercial foram fundamentais para o desenvolvimento desta rede das redes, que permite hoje que qualquer utilizador troque livremente informações com o resto do mundo, que utilize um Macintosh, um computador pessoal, um posto de trabalho Sun, HP, Digital, IBM, NeXT, um Atari, um Amiga, um velho terminal... ou até um Minitel.

No dia em que existissem apenas servidores Windows NT e clientes Windows 98 munidos do navegador Internet Explorer, quem poderia garantir-nos que estas máquinas não falariam entre si exclusivamente em «microsoftês»? Isto teria dois tipos de consequências. Em primeiro lugar, destruiria pela base a hipótese de interoperacionalidade, ou seja, de compatibilidade entre diversos componentes. Nenhum concorrente poderia propor produtos que trabalhassem em harmonia com os produtos Microsoft sem ter acesso a um dicionário de «microsoftês», que dificilmente lhe seria facultado.

Em segundo lugar, sem esse dicionário, ninguém conseguiria entender nem controlar o que essas máquinas dissessem entre si! O que abriria o caminho a derivas muito perigosas para a liberdade e para a vida privada de todos nós. Por exemplo, enquanto você lia tranquilamente as informações contidas num site Web, o seu microcomputador poderia, sem que você soubesse, entregar ao servidor que você consultasse o seu endereço, a sua idade, o seu número de telefone, a capacidade da sua máquina, o saldo da sua conta bancária, o conteúdo do seu disco duro, etc.



E porque o faria?


Porque, numa economia mundializada e ultracompetitiva, o seu perfil de consumo vale ouro. Quem souber quais são as suas tendências culturais, as cidades que gostaria de visitar, os produtos que lhe interessam, os brinquedos preferidos dos seus filhos, etc., poderá propor-lhe os bens e os serviços que correspondem exactamente aos seus gostos. Aliás, já existem exemplos deste tipo na Web com esses conjuntos de dados a que chamam cookies, que permitem aos servidores reconstituir, sem que você saiba, o historial das suas deslocações na Web3. Estas práticas conseguiram ser identificadas e denunciadas porque, por enquanto, estas tecnologias se baseiam em padrões abertos, uma condição necessária para garantir que os cookies são aceites tanto pelo navegador Netscape como pelo Internet Explorer, Opéra, Lynx, e por todos os outros programas de navegação existentes. Mas se as ordens de transmissão estiverem codificadas no sigilo comercial de uma linguagem específica, ninguém poderá saber o que o seu próprio microcomputador «diz» à rede. As empresas que recolhem estes dados explicam que é para o nosso bem: para prever os nossos desejos... Mas será que queremos abdicar do nosso livre arbítrio em nome deste «angelismo» comercial?



O discurso que você mantém decorre muitas vezes, em França, de uma certa cobardia. Criticamos a Microsoft porque receamos o imperialismo cultural americano, porque tememos a mundialização que Bill Gates passou a simboliza,; ou apenas porque estamos aterrados com a tecnologia...


Os meus motivos para criticar a Microsoft são muito mais essenciais e, na minha opinião, menos subjectivos. Gosto profundamente da tecnologia e é exactamente por isso que não posso suportar vê-la pervertida por uma empresa que concebe maus produtos, que os faz pagar caro a consumidores que ela escraviza, uma empresa que - veremos como - despreza os seus clientes, armadilha os seus concorrentes e abafa a inovação. Acalento, como muitos, o sonho de um progresso tecnológico que origine um mundo melhor, mais livre, mais solidário. E posso dizer-lhe que esse mundo não se parece em nada com aquele com que Bill Gates «sonha».

Aliás, lembre-se daquela sequência vídeo futurista realizada pela Microsoft para o salão informático americano Comdex, e que foi redistribuída por uma cadeia de televisão francesa no inicio de 1996. Apresentava, como modelo do nosso futuro tecnológico, um universo estreito, mercantil e policial, que nada tem de sonho e que tem tudo de um pesadelo.



Para fazermos o ponto da situação, quais são hoje os mecanismos realmente dominados pela Microsoft e aqueles que ela espera conquistar? Por outras palavras, no cenário catastrófico que você descreve, qual é a parcela de realidade objectiva e a parcela de previsão pessimista?


A situação é clara: o universo dos programas para microcomputadores pertence quase exclusivamente à Microsoft. Com o Windows 98, esta empresa passará talvez a dominar, dentro de um ano, 90 a 95 por cento do mercado dos sistemas operativos e dos programas burocráticos. Actualmente, uma maioria esmagadora do grande público equipado possui um programa de tratamento de texto Word e uma folha de cálculo Excel. A Microsoft transformou-se assim no primeiro editor de programas ludoeducativos em CD-Rom, com mais de cinquenta títulos como a enciclopédia Encarta ou o jogo de simulação de voo Flight Simulator.

A partir desta verdadeira fortaleza, a Microsoft tenta, por meios discutíveis, exportar o seu monopólio em três grandes direcções. Primeiro, a informática empresarial. Com a formidável aceleração do poder de cálculo das máquinas, as tarefas que ontem eram asseguradas por sistemas enormes podem hoje ser executadas por redes de computadores pessoais. A Microsoft propõe-se fornecer às empresas um «sistema nervoso numérico» baseado no sistema operativo Windows NT (New Technology). Neste caso, o grupo lança um ataque ao mercado tradicional da IBM, da Digital, da Sun e da Hewlett Packard. Segundo alvo da conquista: o universo da Internet. A Microsoft, que começara por ignorar a rede, transformou-a no seu principal eixo de desenvolvimento em 1995. Além da luta pela conquista do mercado dos navegadores, a Microsoft quer colocar os seus programas nos servidores Web e concebe utensílios de desenvolvimento de conteúdo para a Web. O seu serviço em linha Microsoft Network ou MSN, que nunca saiu verdadeiramente da estagnação, está prestes a ser transformado em portal: uma porta de entrada na Net, msn.com, que agrega público para a converter em dinheiro junto dos anunciantes e para a dirigir para sites nos quais opera em parceria. Porque a Microsoft opera já em mais de quinze sites Web de conteúdo e de serviços: o site MSNBC (em parceria com a cadeia de televisão NBC) e a revista electrónica Slate propõem informação; o site Sidewalk é um guia de saídas para dez grandes cidades americanas, enquanto que o CarPoint vende automóveis,

o Expedia vende viagens, o Investor dá conselhos de índole financeira e o HomeAdvisor concede empréstimos imobiliários.



Enquanto toda a gente se concentra nos mercados actuais, a Microsoft tenta igualmente inventar o futuro: a televisão de amanhã....


A terceira pista de expansão da empresa consiste, com efeito, em prever - e não em inventar, algo que a Microsoft nunca soube fazer - o que serão os media de amanhã. Bill Gates sabe perfeita-mente, e é essa a sua maior angústia, que o microcomputador não será eternamente a única porta de acesso à Internet. Os terminais de acesso vão diversificar-se. A Microsoft tenta, pois, empurrar a sua solução e os seus modelos para todos os nichos emergentes: o Windows CE tornou-se já o sistema operativo vulgar das agendas electrónicas, apesar de, como é habitual, os melhores produtos neste domínio (como o PalmPilot ou o Psion) não o utilizarem.

Amanhã, a Microsoft quer que ele esteja no centro dos descodificadores para a televisão interactiva, das consolas de jogo avançadas como a Dreamcast da Sega, dos telefones Internet, dos porta-moedas electrónicos e dos computadores de automóvel...

Para melhor dominar a evolução do mercado da televisão, a Microsoft obteve uma participação no operador por cabo americano Comcast e, em Julho de 1998, no fabricante francês de televisores Thomson Multimedia. A empresa de Seattle propõe actualmente um descodificador completo, elaborado a partir da tecnologia Web TV que adquiriu. O primeiro operador americano de redes por cabo TCI já encomendou grandes quantidades deste descodificador.

A Microsoft adquiriu também, em conjunto com a Compaq, 20 por cento do capital da empresa RoadRunner, filial da Time Warner, especializada no acesso à Internet por rede por cabo.

Num mundo em que a inteligência de todas as máquinas numéricas que nos rodeiam fosse «microsoftizada», todos nós pagaríamos várias vezes por dia a «taxa Microsoft»: ao ligarmos o televisor ou o computador, ao telefonarmos, ao fazermos as compras na rede, ao trabalharmos, ao guiarmos o nosso automóvel...



Por outro lado, Bill Gates investiu nas tecnologias de informação, a título pessoal.


Repare que eu falo sempre da Microsoft e raramente de Bill Gates. Gates é, sem dúvida, co-fundador e proprietário de 20 por cento do capital da Microsoft e tem uma fortuna avaliada em 1020 milhões de contos. Mas o sensacionalismo mediático que envolve aquele que se tornou o empresário mais rico do mundo é doentio. Para uns, a sua fortuna é motivo de fascínio; para outros, uma razão para o invejar, ou seja, para o diabolizar. Por último, esta personalização corre o risco de ocultar o essencial: os comportamentos repreensíveis da Microsoft, que é dirigida não por um só homem mas uma equipa de gestores, dos quais os principais são Steve Ballmer, director-geral, Bob Herbold, vice-presidente executivo responsável pelas operações, e Nathan Myrvold, vice-presidente com o pelouro da tecnologia.

É verdade que Bill Gates investiu, a título pessoal, em dois sectores desta indústria que são simultaneamente estratégicos e muito complementares do domínio coberto pela Microsoft. Estas opções revelam, se tal for necessário, o faro de Gates como homem de negócios. Por um lado, a Corbis, controlada a 100 por cento por Bill Gates, adquiriu ao longo dos anos, por relativamente pouco dinheiro, os direitos de reprodução electrónica de cerca de 20 milhões de quadros de grandes museus (o Ermitage de Sampetersburgo, a National Gallery de Londres) ou de fotografias históricas como as dos Arquivos Bethman de Nova lorque. Hoje em dia, é raro que um número das revistas Newsweek ou Time não inclua pelo menos uma fotografia da Corbis. É preciso dizer que, a princípio, os responsáveis dos arquivos e dos museus não tinham qualquer noção do verdadeiro valor dos direitos de reprodução numérica de obras de arte. Como os meios de comunicação social electrónicos não existiam, esses responsáveis não imaginavam as utilizações que delas podiam ser feitas. Aliás, foi assim que, no passado, Gates conseguiu adquirir direitos de reprodução de obras-primas do Museu do Louvre por uma quantia irrisória...

Por outro lado, a empresa Teledisc, co-fundada por Bill Gates e pelo empresário americano Craig McCraw (que fez fortuna na telefonia móvel), tenciona construir uma espécie de Internet do céu, lançando duzentos e oitenta e oito satélites de comunicações em órbita baixa. Esta infra-estrutura de transporte da voz e de dados de débito muito elevado poderia, a partir do ano 2003, fazer concorrência às redes terrestres dos operadores de telecomunicações clássicas. O grupo de telecomunicações Motorola, que dirigia um projecto concorrente até Maio de 1998, acaba de se juntar a este com 160 milhões de contos... O único adversário que ainda hoje está na liça é o projecto Skybridge, da empresa americana Loral e da empresa francesa Alcatel.


Custa a acreditar que o «problema» Microsoft tenha sido descoberto tão tarde. Como é que esta empresa de Seattle conseguiu, em vinte e três anos, construir um monopólio dos sistemas operativos à escala planetária?


Para começar, separemos a verdadeira história da Microsoft dos mitos que a envolvem. Bill Gates e o seu colega de escola, Paul Allen, não «inventaram», como muitas vezes se afirma, a linguagem de programação Basic, que se deve a John Kemeny e Thomas Kurtz (1964, Dartmouth College). Eles limitaram-se a criar um «intérprete» da linguagem Basic para os primeiros microcomputadores Altair. Transportemo-nos por instantes para o contexto dos anos 70. Excepto para a CIA, para a NASA e para o Bank of America, a informática era então totalmente inacessível. Só os governos, as empresas muito grandes e as instituições bancárias podiam dotar-se desses sistemas enormes, que ocupavam salas inteiras. Por outro lado, nessa época, a IBM não vendia os seus computadores; alugava-os e obrigava os seus clientes a assinar contratos de manutenção. A IBM garantia a qualidade do produto e encarregava-se de reparar as avarias... Daí o seu prestigio junto dos clientes... e também a acumulação de lucros enormes. Mas, com o projecto de expedição à Lua, foi preciso criar máquinas que não pesassem toneladas, para as enviar para o espaço. O dinheiro do contribuinte americano foi empregue na afinação dos primeiros circuitos integrados: os primeiros chips de silício, cujo custo foi diminuindo a pouco e pouco. E pequenas fábricas começaram a montar estes componentes disponíveis no mercado desde então. É deste fervor empresarial que nascem os primeiros PCs, como o Apple II na Califórnia ou o Micral em França. Note-se que, à partida, o computador pessoal era um termo genérico que designava Personal Computer, ou seja, computador pessoal. Só nos últimos anos é que esta palavra passou a designar apenas os microcomputadores IBM e compatíveis, ou seja, equipados com chips Intel.


Em todo o caso, a princípio, o PC era uma coisa de apaixonados. Uma máquina pouco manejável, na qual eram necessárias manobras complicadas para calcular 2 + 2! Ainda não havia nada que assustasse a IBM. Só no fim dos anos 70, com o aparecimento de programas como o visicalc, é que pequenas empresas e comerciantes começam a fazer a sua contabilidade em microcomputadores. Modelos estatísticos e financeiros complexos que, antes, precisavam de quarenta homens a fazer contas num quadro negro, encontravam-se de súbito disponíveis a um preço muito acessível.

Com os Apple e os primeiros Commodore, surgia um verdadeiro negócio. Cioso de conservar o seu quase monopólio na indústria, o gigante IBM quis imediatamente bloquear a actividade desses pequenos concorrentes. Era preciso apresentar com urgência um produto da casa... mesmo que não se acreditasse verdadeiramente no PC. Existe uma prova flagrante da falta de confiança da IBM no microcomputador. Enquanto que todas as suas máquinas grandes eram totalmente compostas por peças fabricadas na empresa - até os parafusos que serviam para fechar as capotas! - nos primeiros PCs IBM, pelo contrário, só o teclado é que era da IBM... O resto fora descoberto no mercado: a Intel fornecera o processador 8008, e a Microsoft, uma empresa criada em 1975, fora solicitada para fornecer o sistema operativo.

Porquê a Microsoft? Não havia grande racionalidade nesta escolha, visto que Allen e Gates não trabalhavam neste tipo de produtos nessa época. Por outro lado, havia sistemas operativos para PCs bastante bem concebidos e funcionais, como o CP-M da Digital Research. A verdade é que a IBM não conhecia bem este nicho de mercado e a Microsoft, aproveitando a oportunidade, comprou (e não inventou, como pretende a lenda) por 50 000 dólares o sistema Q-DOS a uma PME chamada Seattle Computer. Um acrónimo que significava, com humor; «Quick (rápido) and Dirty (sujo) Operating System».

A Microsoft chamou-lhe MS-DOS, e a IBM comprou a patente. A qualidade do PC IBM era muito inferior à do Apple II, mas o poder comercial e o serviço da IBM determinaram a diferença. Os vendedores IBM diziam aos seus clientes: «comprem os nossos PCs. Se eles se avariarem, comprometemo-nos a repará-los ou a trocá-los dentro de quarenta e oito horas». Quanto aos Apple II eram vendidos pelos indivíduos que distribuíam... equipamento de alta-fidelidade.

Mas a IBM nunca levou este caso do PC muito a sério: o mamute não se deu ao trabalho de comprar o MS-DOS nem de assegurar-lhe a exclusividade. Resultado: a Microsoft conseguiu vender depois o MS-DOS - e mais tarde o seu sucessor Windows a todos os concorrentes da «Big Blue». Na época, os construtores de máquinas dominavam a indústria. Ninguém adivinhava que, com a estandardização dos produtos Intel e Microsoft e o aparecimento de clonadores asiáticos, todos os lucros - e o poder da microinformática se concentrariam nos chips e nos sistemas operativos. Você sabe o que se seguiu.



Mas o êxito extraordinário da Microsoft não se pode reduzir apenas a uma série de acasos e de golpes de sorte. Quais são as qualidades que Bill Gates e a sua equipa souberam revelar para saírem vencedores?


Já vimos, com o exemplo da IBM, que os fundadores da Microsoft eram, desde o início, empresários pragmáticos, mais do que visionários da tecnologia. Souberam muito bem identificar as oportunidades e ocupar o lugar antes dos outros, ainda que com produtos medíocres. Tão bem que, nos últimos dez anos, a Microsoft tem apresentado um crescimento médio anual de 42 por cento nas vendas e de 48 por cento nos lucros. No exercício fechado em Junho de 1998, a Microsoft realizou 4,5 biliões de dólares (810 milhões de contos) de lucros líquidos num volume de vendas de 14,48 biliões de dólares (2610 milhões de contos). Sem saber o que há-de fazer a tanto dinheiro, que ultrapassa os 60 biliões de dólares, a empresa adquire maciçamente as suas próprias acções.


Em todo o caso, é preciso reconhecer à Microsoft esse talento especial para se colar sempre ao mercado na perfeição, o que infelizmente não tem nada a ver com a qualidade dos seus produtos. A sua capacidade de resposta face à escalada do fenómeno Internet, por exemplo, foi espectacular. A Microsoft só se apercebeu verdadeiramente do potencial desta rede mundial com a popularidade crescente do navegador do Netscape. Em 1995, bastaram alguns meses a este mastodonte de vinte cinco mil empregados para dar a volta e fazer da Internet o seu eixo de desenvolvimento privilegiado. Todavia, a informática em rede era-lhe totalmente estranha. A prova é que as primeiras versões da sua folha de cálculo Excel não previam a possibilidade de trocar dados entre os utilizadores dos diversos países. A «linguagem de macros» - uma linguagem de programação útil para manipular as folhas de cálculo - estava codificada na linguagem do país em que o produto era distribuído, de tal modo que as folhas de cálculo Excel de um francês e de um inglês, por exemplo~ não se entendiam, apesar de um aluno do primeiro ano de informática na universidade saber como havia de proceder para eles comunicarem correctamente!

Mas com o tempo, a Microsoft adquiriu uma capacidade notável de transformar fracassos técnicos em êxitos comerciais. Apesar de os novos programas serem muitas vezes catastróficos, a artilha-ria pesada do marketing consegue continuar a vender, esperando que as versões seguintes corrijam a pouco e pouco os bugs e se tomem produtos mais estáveis, comprando ou copiando eventual-mente os produtos muitas vezes melhores dos seus concorrentes. A Microsoft realizou assim a proeza de conseguir que os defeitos dos seus programas sejam considerados normais e que a correcção dos seus erros seja considerada um avanço tecnológico. Melhor: e o consumidor que paga o processo de aperfeiçoamento!

Hoje em dia, a empresa é tão rica que pode dar-se ao luxo de hesitar e de investir algumas centenas de milhões de dólares à direita ou à esquerda, só para ver... Se o projecto não resulta, é alterado, até que resulte. Foi exactamente o que se passou com o serviço em linha MSN. Em 1994, a Microsoft julgava que bastaria lançar um serviço em linha próprio, com um símbolo de acesso em Windows, para se impor face aos líderes do sector como a America Online. No entanto, em meados de 1998,0 MSN atinge 2 milhões de membros, contra 13 milhões do AOL. O serviço francês MSN fundiu-se com o serviço Wanadoo da France Télécom; o serviço alemão fechou. Então, mais uma vez, a Microsoft compra o que não consegue alcançar por mérito próprio: a empresa adquire, nos Estados Unidos, o serviço de correio electrónico gratuito Hotmail, que conta 9 milhões de membros.

Apesar do seu êxito espectacular, a empresa de Seattle foi mantida pelos seus dirigentes num estado de paranóia mobilizadora. «Só os paranóicos é que sobrevivem», gosta de repetir o cofundador da Intel, Andy Grove. Os dirigentes da Microsoft sentem-se motivados por este sentimento de vulnerabilidade... e também pelas suas acções. Desde a sua introdução na bolsa, em 1986, que o valor de cada acção se multiplicou por mais de 300!



As ofensivas da Microsoft e de Bill Gates terão êxito em todos os domínios?


Basta observar a história dos produtos Microsoft para nos apercebermos de que esse «perigo» é muito real. A primeira versão da folha de cálculo Excel tinha tais erros de concepção que eu daria um zero a um dos meus alunos que o tivesse escrito. Ora o Excel detém actualmente em França mais de 87 por cento desse mercado. O sistema operativo Windows 3.0 tinha pelo menos dez anos de atraso em relação ao Mac OS da Apple; os seus sucessores Windows 95 e Windows 98 controlam actualmente 90 por cento do mercado mundial, contra menos de 4 por cento da Apple. Veja igualmente o que se passa com os servidores de empresa: o sistema Operativo Windows NT da Microsoft já devorou, em dois anos, 36 por cento do mercado de novos servidores (mas a Unix continua a dominar este mercado, devido à sua base instalada). O mesmo se passa com o navegador Internet Explorer que, em menos de quatro anos, absorveu 55 por cento do mercado. Em todos os casos, os produtos Microsoft eram, à partida, muito inferiores aos da concorrência e, em certos casos, ainda hoje continuam a sê-lo.

Esta longa série de antecedentes aconselha a uma maior vigilância. É de facto muito fácil impor um mau produto, se a sua venda for associada à de outro produto do qual detemos o monopólio... Se a Microsoft tivesse conquistado estes mercados leal-mente, com bons programas, fabricados segundo as regras, se a empresa fizesse assentar o seu poder apenas na excelência dos seus produtos, não haveria nada a dizer. Ora o Departamento da Justiça americano abriu um processo anti-trust contra a Microsoft em 1993. Trata-se da maior investigação realizada desde há décadas, depois dos célebres exemplos da empresa petrolífera Standard Oil (1911)4, do construtor informático IBM (1984, levantado pela CEE) e do operador telefónico AT&T (1988). Se não houvesse um problema grave com as práticas da Microsoft, por que razão é que um governo que venera o liberalismo económico e guinda o sucesso empresarial ao nível de valor supremo procuraria atingir uma das suas melhores empresas?



Façamos o ponto da situação quanto a estes casos entregues à justiça. De que é exactamente acusada a Microsoft?


Na saga jurídica da Microsoft, é preciso distinguir a queixa do governo, a dos estados americanos... e as dos numerosos concorrentes e parceiros enganados. Veremos mais adiante que alguns acusam a Microsoft de alterar os seus programas para pôr fora de jogo os produtos concorrentes. Por outro lado, vinte estados americanos reuniram-se e acusaram a Microsoft de abuso de posição dominante no mercado dos programas burocráticos, como o Office. Quanto ao governo, comecemos por situar os factos no tempo. A ofensiva do Departamento de Justiça americano começou em 1993. Mas dois longos anos de investigação produziram apenas, em 1995, um acordo amigável, o «Consent Decree», de alcance reduzido. A divisão anti-trust do Departamento de Justiça considera hoje que a Microsoft não respeitou os termos do acordo. Dai as queixas apresentadas em Maio de 1997. E a prossecução de um inquérito mais alargado acerca dos comportamentos comerciais da Microsoft.

Para resumir simplesmente anos de acumulação de documentos e de processos jurídicos complexos, o governo americano acusa a Microsoft de três tipos de coisas: primeiro, de impor aos seus parceiros, os construtores de material informático, contratos leoninos exclusivos. Ao que parece, a Dell, a Compaq e a IBM não têm o direito de vender microcomputadores que não estejam equipados com o sistema operativo Windows ou com o Internet Explorer, se quiserem comprar os programas a preços competitivos. O que priva o cliente final do direito de escolha (ver os pormenores no III capítulo).

Essa parte da queixa parece ser a menos difícil de provar. Diz-se que os próprios parceiros da Microsoft não ficariam zangados se recuperassem uma certa margem de manobra em relação ao gigante do software. Mas o receio da vingança é muito forte. No mercado do material, ao contrário do mercado do software, as margens são diminutas e ninguém quer correr o risco de se ver privado de uma licença mais vantajosa da Microsoft. Todos os construtores aguardam, pois, que um deles atire à Microsoft a primeira pedra.

Segundo, o governo acusa a Microsoft de ligar a difusão dos seus novos programas ao Windows, do qual a empresa detém o quase monopólio. Isto significa que, por cada um dos seus produtos ligados - ontem o programa burocrático Office, hoje o navegador Explorer ou o programa de agenda Outlook... Amanhã (quem sabe?) um programa de reconhecimento vocal - há mais um concorrente que não está em condições de competir com a Microsoft, mesmo com uma oferta de muito boa qualidade. Por último, um conjunto de práticas coercivas para com a Intel, a IBM, a Apple e os fornecedores de acessos à Internet, os editores de conteúdo da Web ou certos criadores de programas de transmissão audio e vídeo na Net estão na mira dos homens do anti-trust.

Mas a justiça entra aí num terreno delicado, porque é pouca a jurisprudência existente em matéria de altas tecnologias. E a Microsoft aproveita-se desta situação para tentar fazer passar estas evoluções do Windows por inovações no interesse do consumidor. Nos Estados Unidos, este pequeno jogo arrisca-se a vencer: já foi fácil obrigar o Supremo Tribunal a afirmar que não compete aos juízes definir quais as funções que um sistema operativo de informática devia comportar. O problema é que estas argúcias jurídicas mascaram as verdadeiras apostas feitas num controlo monopolista da informação.



O que espera da justiça americana?


Permita-me que comece por exprimir a minha perplexidade perante os tribunais que, quando julgam certos actos ilegais, não impõem ao culpado o pagamento das respectivas indemnizações e dos juros. Ora foi exactamente o que se passou em 1995. Porque, em vez de ser obrigada a uma compensação financeira, a Microsoft teve apenas de assinar um acordo amigável em que prometia portar-se melhor... Um acordo que ela soube depois contornar, tão imprecisa era a sua formulação. Tudo se passa como se um tribunal que julgasse um ladrão de um Mercedes apanhado em flagrante delito lhe explicasse... que podia ficar com o automóvel, desde que nunca mais o roubasse, exactamente da mesma maneira!

Para voltar ao fundo da questão, a decisão mais eficaz - aquela a que apela Ralph Nader, o célebre defensor americano da causa dos consumidores - seria cindir a Microsoft em vários departamentos. E possível imaginar filiais especializadas por sector: primeiro, os sistemas operativos; segundo, os programas de escritório; terceiro, as actividades Internet. Afinal, a Standard Oil foi dividida em 1933! Aliás, uma restruturação deste tipo seria benéfica para a empresa: obrigaria os programadores a criar, publicar e utilizar interfaces claras entre dois programas. Como é evidente, isto obrigaria também cada um dos seus produtos a conquistar quotas de mercado por mérito próprio... e já não a fazer accionar a «alavanca» Windows.



Acredita mesmo que um tribunal poderia partir a Microsoft aos bocados?


Não é preciso criar empresas separadas. Esses departamentos poderiam manter accionistas comuns, desde que a gestão fosse distinta e sobretudo que eles não trocassem entre si informações privilegiadas. Isso já se passou na IBM. Na época, a Big Blue fornecia simultaneamente máquinas grandes, sistemas operativos e programas de aplicação. Certos concorrentes como a Amdhal tentavam vender às empresas o mesmo tipo de máquinas a preços mais baixos. A IBM alterou então os seus programas de aplicações para que eles não funcionassem nos computadores Amdhal. Era fácil, na medida em que a interface entre o programa e a máquina era secreta. O julgamento de 1985 obrigou a IBM a separar as suas actividades relativas ao material, aos sistemas operativos e ao sofiware, a manter as interfaces abertas entre as três entidades e a fornecer as mesmas informações aos concorrentes e as suas próprias filiais. O que foi aplicado à letra 5.



De uma forma mais geral, a justiça pode atingir sectores tecnológicos que evoluem à velocidade da luz?



A velocidade é de facto crucial. Na indústria informática. o tempo é uma questão de vida ou de morte: seis meses bastam para construir um monopólio e destruir a concorrência. Se a Justiça chegar demasiado tarde, certas opções já não se encontram disponíveis.. E impossível, por exemplo, declarar o Windows 98 ilegal, quando ele está instalado em metade dos microcomputadores do mundo! É por isso que o Departamento da Justiça americano quer hoje andar depressa e insistiu para que o processo arranque em Setembro de 1998.

Pelo contrário, a Microsoft continua a pedir prorrogações, com o pretexto de se preparar melhor para o processo, mas sobretudo para vender um máximo de exemplares do Windows 98 com o Explorer integrado, antes de qualquer decisão da justiça. Aliás, mesmo que os tribunais comecem por dar razão ao governo, a Microsoft poderá apresentar recurso no tribunal do distrito de Columbia, que não se pronunciará antes da Primavera de 1999; depois poderá apelar ao Supremo Tribunal, que se pronunciaria no ano 2000... Daqui até lá, a Microsoft fará sair um Windows 2000, e o julgamento teria o mesmo efeito insignificante do Consent Decree de 1995!



A Comissão Europeia deveria, na sua opinião, interferir neste debate?


Evidentemente. No limite, podemos compreender que a justiça americana se mostre benevolente para com uma das empresas que faz entrar mais dólares nos Estados Unidos. Mas a Europa devia reagir de uma maneira mais independente e mais enérgica. Porque, apesar de a Microsoft realizar mais de 58 por cento das suas vendas no estrangeiro, o essencial do valor acrescentado produzido pela empresa regressa aos Estados Unidos. Ora, em 1995, as autoridades europeias, que tinham efectuado a sua própria investigação, contentaram-se em repreender a Microsoft pelos seus comportamentos, sem lhe infligirem qualquer reparação financeira. Pior: copiaram os termos do Consent Decree americano... até os erros jurídicos que permitiram que a Microsoft fosse mais longe. Parece que a Comissão Europeia retomou o assunto entretanto e que está a realizar uma investigação de envergadura sobre as práticas da Microsoft. Mas, ainda assim, é tudo uma questão de rapidez. E de capacidade de manter um lobby.



«As árvores não chegam ao céu», diz o povo. O império Microsoft não se desagregará naturalmente em virtude do seu próprio peso, como outrora o Império Romano, ou mais recentemente a IBM?


Duvido. Afirmar que gigantes como a IBM, a AT&T ou a Standard Oil perderam poder sozinhos não é verdade. Foram enormes lutas anti-trust que enfraqueceram estes grupos. Aliás, a Microsoft utiliza métodos que são muito semelhantes aos da Standard Oil, que construiu pipelines copiando os da sua concorrente Tidewater, e depois baixou consideravelmente os preços para a destruir6. Não conheço nenhuma empresa monopolista cujo poder se tenha esgotado só por si.

Mas há um outro elemento importante. A Microsoft está totalmente virada para a conquista. O seu objectivo não é fazer bons programas informáticos, mas obter o máximo de lucros e reinar em todos os mercados em que entra: primeiro, os sistemas operativos, depois as aplicações que evoluem, em seguida, a Internet, depois as transacções via Internet, depois a televisão interactiva, etc. A cultura da Microsoft está totalmente virada para a erradicação da concorrência e para a manutenção do seu monopólio. O desenvolvimento dos seus produtos não é ditado pela preocupação de antecipar as necessidades dos consumidores, mas pela lógica financeira. Quando é que é preciso lançar o novo Windows para garantir uma maximização dos lucros? Qual o nicho que é preciso ocupar para impedir o Netscape ou os Sun Mycrosystems de descobrirem uma falha na nossa armadura?. Quanto à IBM, não reduz o tempo de desenvolvimento deste ou daquele produto apenas para ele chegar ao mercado numa determinada data.



Não acredita na regulamentação liberal que pretende que a concorrência existente nos mercados faça forçosamente surgir os melhores produtos ao melhor preço?


Não, porque isso não corresponde à realidade. Em primeiro lugar, a economia de mercado não fomenta o desenvolvimento dos melhores produtos (ver II capítulo). Em segundo, a concorrência só é eficaz quando os agentes são pequenos e têm um poder limitado, ou seja, quando não há monopólios. Até os liberais mais convictos têm consciência disso, e é por esse motivo que no paraíso do capitalismo você encontra leis antimonopolistas como o Sherman Act. Ora os campeões do modelo liberal, as grandes empresas americanas, são, pelo contrário, as primeiras a violar as regras de mercado quando dominam um sector e têm meios para captar os consumidores. Elas sabem que a competição e a concorrência podem pôr em jogo a sua supremacia e a sua capacidade de impor uma taxa monopolista. Aliás, o objectivo da Microsoft parecer ser o de se posicionar para arrecadar essa taxa, sem ter sequer de vender o produto: passar de um modelo de venda de programas por unidade para o de uma renda fixa sobre o fluxo de informação!



Esta corrida louca das indústrias da informação, em que os mercados e as tendências se fazem e se desfazem no espaço de meses, não é a melhor garantia de que um concorrente vindo de qualquer parte, como o Netscape, pode vir a desestabilizar a Microsoft?

O argumento da Microsoft que consiste em dizer «não somos um monopólio porque o Netscape conseguiu desenvolver-se como se desenvolveu» é completamente ridículo. De facto, o navegador do Netscape não se posicionava no mesmo nicho do Windows e por conseguinte não era um concorrente directo da Microsoft. Ao contrário, foi a Microsoft que resolveu tornar-se concorrente do Netscape ao comprar à empresa Spyglass os direitos do navegador Mosaic, que se transformou no Internet Explorer. Este argumento da Microsoft revela sobretudo o objectivo assumido da empresa: obter o monopólio não só dos sistemas operativos para microcomputadores e das sequências burocráticas, como também do mundo das tecnologias de informação nos mais ínfimos recantos.

Sim, este mundo anda muito depressa. Mas a Microsoft mostrou várias vezes a sua capacidade de acompanhar esse ritmo e de redefinir a sua estratégia sempre que se produz uma grande inflexão, para aproveitar a mais pequena oportunidade de estender o seu monopólio a novos domínios. Por isso, ninguém pode prever com seriedade se ou como é que a Microsoft se deixará ultrapassar por um concorrente. Tanto mais que o domínio da esfera Internet dotaria a empresa de armas sem precedentes: um verdadeiro «arsenal nuclear». Entramos aí num novo universo cujas leis económicas ainda não foram escritas. E Bill Gates tenciona pegar na caneta e na calculadora.




II


CONTOS DA LOUCURA NORMAL



«Até onde é que você vai?», pergunta a publicidade da Microsoft. A empresa propaga a ideia de que os seus programas são o último grito da tecnologia. Em que medida é que isto é exacto?


Existe verdadeiramente, deste ponto de vista, um fosso importante entre dois mundos. De um lado, temos as pessoas que conhecem pouco ou nada de informática e que se deixam enganar com facilidade pelas campanhas da Microsoft, que afloram a publicidade subliminar. Do outro, temos as pessoas informadas, ou seja, aquelas que conseguem abrir a capota para ver como funcionam os programas. Estas reconhecem que os programas da Microsoft são muito mal concebidos. Em certos casos, seria mesmo difícil fazer pior! Se olharmos para a história da Microsoft, essa mediocridade tem uma explicação lógica. Como já vimos, a empresa não está vocacionada para a excelência mas para imperativos financeiros.

Observemos rapidamente o ciclo de desenvolvimento de um programa informático. Uma empresa de software começa por desenvolver protótipos. Depois de os ter aperfeiçoado um pouco por dentro, chega àquilo a que se chama a versão alfa, ainda muito instável para ser mostrada ao exterior. A etapa seguinte consiste em suprimir o máximo de erros (ou bugs), para chegar a uma versão beta. De um modo geral, esta versão é distribuída por algumas pessoas próximas da empresa, que a experimentam e ajudam a detectar os últimos erros. Obtém-se assim aquilo a que se chama a versão gold, aquela que serve para ser impressa nos CD-Rom e que é vendida em massa.

Ora a Microsoft contenta-se muitas vezes em vender a versão beta como se fosse um produto final. O Windows 3.0, por exemplo, era praticamente inutilizável. Era preciso estar sempre a fazer «arrancar» a máquina. E era muito difícil de imprimir. Uma vergonha! Então, a Microsoft corrigiu os erros e fez sair o Windows 3.1... que os utilizadores foram obrigados a comprar outra vez, evidentemente. O editor de Seattle utiliza assim, de uma forma muito hábil, as suas dezenas de milhões de clientes em todo o mundo como cobaias da versão beta. E, além disso, tem a desfaçatez de os fazer pagar por este «privilégio»! Aliás, esta situação continua a existir: a versão beta do Windows 98, disponível na Primavera passada em certos salões de informática, custava 30 dólares. Nunca se viu, na indústria do software, que alguém fosse obrigado a pagar por uma versão beta inutilizável!



O que me incomoda, enquanto utilizadora, é ser constantemente obrigada a comprar novos programas - e a adaptar-me a eles - para executar mais ou menos as mesmas tarefas. Mas esta fuga louca para a frente não é uma invenção da Microsoft. Ela caracteriza o conjunto da indústria informática.


O que não é totalmente verdade. Há empresas cujos produtos não se tornam obsoletos tão depressa como isso. A obsolescência programada tornou-se uma especialidade da Microsoft, porque está ligada à posição hegemónica desta empresa. Para um editor de software, existem duas maneiras de aumentar as vendas para retirar cada vez mais lucros: ou aumenta a sua quota de mercado ou, quando o mercado já está saturado dos seus produtos - o que é o caso da Microsoft -, consegue vender cada vez mais vezes aos mesmos clientes. Para isso tem de renovar os seus programas com frequência. As novas versões, que devem parecer diferentes, são enriquecidas com dispositivos não necessariamente úteis, que a Microsoft apresenta como se fossem inovações. Pior: para garantir que os clientes não podem deixar de seguir esse comboio infernal, a Microsoft sonega os seus dados, o que os obriga a comprar os programas cada vez mais recentes... só para poderem continuar a trocar os seus dados.

Sei que, infelizmente, quando se fala de informática, as pessoas estão condicionadas a considerar o assunto muito interessante, mas difícil. Elas renunciam então a formar a sua própria opinião e fiam-se nos conselhos dos chamados especialistas, que muitas vezes são os porta-vozes mais ou menos directos das empresas. Proponho-lhe que venha ver, por instantes, o que se passa num mundo imaginário, que eu comecei a explorar em «Armadilha no Ciberespaço» ¹. Trata-se do país dos Tecnocretinos, em que uma empresa - chamemos-lhe a Macropresse -obtém a pouco e pouco o controlo absoluto das tipografias do planeta. Os editores confiam-lhe os seus jornais para imprimir com caracteres da Macropresse, dos quais ela é a única proprietária. Um belo dia, a empresa explica com um grande reforço publicitário que descobriu uns caracteres muito mais funcionais. Chamemos-lhes caracteres klingonianos, baseando-nos no alfabeto dos Klingons da série televisiva O Caminho das Estrelas. E começa a imprimir todos os jornais e revistas em «klingoniano». É claro que estes caracteres só são legíveis com a lupa da Macropresse, distribuída em todos os quiosques, a expensas dos editores de jornais. O público, encantado por acompanhar a modernidade, adapta-se e compra a lupa em quantidades maciças.

A Macropresse, fortalecida pelo seu monopólio, passa a mudar os caracteres de dois em dois anos e depois todos os anos. A velha lupa não permite ler o novo klingoniano e, para cada versão, o público tem de comprar outra. Farejando a pechincha, um concorrente inventa uma minilupa, tão eficaz e muito mais barata, para ler o klingoniano. Mas os editores, que têm um contrato de exclusividade com a Macropresse, recusam-se a distribuí-la... Pior: a Macropresse ganha um processo contra o concorrente, acusado de ter analisado o klingoniano para criar a sua minilupa!

Isto parece-lhe escandaloso? Nunca me deixaria enredar assim, pensa você?

No entanto, é este o quotidiano dos clientes da Microsoft. Com efeito, não está em questão ler correctamente um documento escrito em Word 7.0 com um programa Word 5.0, por exemplo. Ou esperar abrir um ficheiro em Word para Windows com um programa de tratamento de texto Word 6.0 para Macintosh. Aprendi à minha custa, quando um dia tentei abrir um formulário teleinstalado num site dependente da Comissão Europeia... Resultado: o nosso laboratório teve de comprar um grande PC equipado com Windows 95 e Office, sem os quais teríamos passado muito bem, só para podermos ler esses documentos importantes. A lupa klingoniana não pertence tanto ao domínio do imaginário como se julga.

Além disso, todos os utilizadores são obrigados a comprar o Microsoft Word, cada vez que sai uma nova versão, só para poderem continuar a ler os ficheiros novos dos outros. Esta evolução constante dos produtos, apresentada como um ganho de qualidade, corresponde de facto à imposição de uma verdadeira taxa monopolista. Porque seria preciso voltar a comprar e a aprender a utilizar um novo programa de tratamento de texto, de doze em doze ou de dezoito em dezoito meses se a maneira de escrever um curriculum vitae não mudou em dez anos? E se, por azar, tivéssemos comprado um produto complementar para o Word 5.0, por exemplo um dicionário de espanhol, seria preciso comprá-lo de novo para a versão 7.0, porque o antigo era incompatível, apesar de a língua espanhola não ter mudado muito nalguns meses.

Trata-se na realidade de um rapto sistemático das informações de cada um de nós. Porque depois de os seus dados terem sido introduzidos em Word ou em Money, se por acaso você quiser mudar de fornecedor, é muito difícil recuperar o seu trabalho para o transferir para um programa concorrente. A Microsoft teve o cuidado de não lhe fornecer conversores eficazes para outros formatos.

Também é proibido, segundo a legislação americana, analisar o formato próprio da Microsoft. Uma empresa que vendesse uma minilupa conversora seria acusada de violação do copyright1. Ora os dados são nossos. Eis-nos em plena era do tecnocretinismo!



Pode explicar-nos, em termos acessíveis ao comum dos mortais, porque considera que os programas da Microsoft são tecnicamente maus?


Nos fóruns de discussão sobre a Internet, as pessoas que não gostam da Microsoft chamam todos os nomes aos seus programas: crapware («merdaware»), bloatware («inchaware»), etc. Confesso-lhe que tenho dificuldade em contradizê-las. Para começar, até um utilizador principiante repara que os produtos Microsoft reduzem a memória, ou seja, ocupam o disco duro, de uma maneira fenomenal. Não admira, visto que ela esconde dispositivos curiosos: uns espertinhos descobriram que uma série improvável de encomendas2 lançava, na folha de cálculo Excel 7.0, um simulador de voo que lhes permite ver os nomes dos programadores! Existem outras surpresas deste género, nomeadamente um flipper no Word 7.0...

Falando mais a sério, cada vez que a Microsoft edita uma nova versão de um programa, este é maior e mais lento. Esta degradação começou com o Word 3.0 (escrito em linguagem de programação C), que funcionava muito mais devagar do que a versão anterior (escrita em linguagem de máquina). Em princípio, esta perda de velocidade era aceitável, em troca das vantagens de uma programação de mais alto nível. Mas o triste fenómeno repete-se desde então, mesmo na falta de mudança de linguagem de programação que o justifique. Chegámos ao ponto de hoje serem precisos muitos mais recursos para fazer funcionar correctamente os produtos Microsoft do que para instalar um servidor Unix tradicional, mas equipado com milhares de programadas sofisticados.

O que nos leva a enunciar uma verdade simples e muitas vezes oculta: um sistema sofisticado, elaborado com uma preocupação de qualidade, necessita à partida de uma quantidade considerável de recursos que não aumentará muito com as novas versões. Em contrapartida, um sistema cujo nome é o primeiro a denunciar que se trata de um produto improvisado (Quick and Dirty Operating System), comprado e remendado à pressa, está inevitavelmente destinado a ser sobrecarregado, à medida que a Microsoft lhe vai acrescentando, a pouco e pouco, funcionalidades indispensáveis que não tinham sido previstas na origem.

A elegância e a frugalidade só se conseguem começando por uma boa arquitectura. Infelizmente, no mundo comercial, nunca se volta a escrever completamente um programa já existente. Os fabricantes contentam-se em aperfeiçoá-lo, acrescentando novas camadas de código que os sobrecarregam consideravelmente. E assim que, como confessam os próprios quadros da Microsoft, o código de origem do Windows 95 conta mais de 10 milhões de linhas... sem falar das aplicações. Sabe-se que a administração americana da aeronáutica teve de abandonar o projecto de reorganização do programa de controlo do tráfego aéreo, considerado faraónico porque tinha... 2 milhões de linhas de código3. Não é, pois, de admirar que ele muitas vezes não consiga fazer «arrancar» os computadores equipados com os programas «gordos» da Microsoft!


É o que explica que hoje em dia sejamos obrigados a desfazer-nos de uma série de máquinas que funcionam muito bem, mas que já não conseguem fazer funcionar o Windows, apesar de poderem ser servidores eficientes se estivessem equipadas com uma das variantes Unix para PC. É também por isso que o fabricante de microcomputadores Intel consegue vender milhões de unidades sempre que produz um chip mais potente: os utilizadores de programas Microsoft estão sempre sedentos de potência para os fazerem funcionar a uma velocidade decente. Lembremo-nos que os primeiros PCs IBM (com o 8088 da Intel) funcionavam a uma frequência de relógio de 4,77 MHz. Hoje em dia, os processadores Pentium II da Intel funcionam a 400 MHz. Mas, cerca de quinze anos mais tarde, o Microsoft Word está bem longe de funcionar cem vezes mais depressa. Se os novos programas são pesados, é para facultar mais funcionalidades ao utilizador, justifica-se a Microsoft. No entanto, os estudos provam que a maior parte dessas funcionalidades são pouco ou nada utilizadas. Então, porque havemos de sacrificar dinheiro e eficiência a qualquer coisa que não nos serve?



Além do problema da ocupação do disco duro, os programas da Microsoft são bem concebidos?


Não. Um primeiro exemplo: desde as origens, ou seja, desde o sistema DOS que a Microsoft utiliza nos seus produtos um método obsoleto de gestão de ficheiros... Se você for utilizadora da Windows, conhece sem dúvida o programa DeFrag. Quando você o lança, o computador mostra uma panóplia de quadradinhos de várias cores que se deslocam em todos os sentidos, enquanto o disco duro trabalha intensamente. Explicação do manual Windows: quando mais se utiliza um computador, mais se fragmenta o seu disco e mais lenta é a máquina. Então, para disfarçar este inconveniente, é preciso recorrer regularmente ao DeFrag, que «desfragmenta» o disco para que ele gire mais depressa. Ah! Então porque é que as máquinas que utilizam Linux, FreeBSD ou qualquer outro derivado da Unix não têm esta limitação? Pelo contrário, em condições normais de uso, nestes computadores o disco fragmenta-se pouco, e quanto mais o utilizamos, menos ele se fragmenta...

É que estes sistemas funcionam de uma forma muito diferente do Windows. Para nos mantermos num universo acessível, imagine por instantes que o seu disco duro é o Ministério das Finanças. E que os seus ficheiros, memorizados no disco, correspondem aos dossiers que os funcionários arquivam num armário gigantesco, que comporta vários milhões de gavetinhas. É facilmente compreensível que, se você procurar um dossier completo - o do Crédit Lyonnais, por exemplo -, a sua tarefa será mais fácil se os diversos elementos que o constituem se encontrarem nas gavetas próximas, em vez de estarem espalhados pelos quatro cantos do armário. Com a informação, a situação é semelhante: você terá um acesso mais fácil aos dados que lhe interessam se eles estiverem arrumados em ficheiros contíguos aos que se encontram dispersos ou «fragmentados».

O problema consiste, portanto, em manter esse armário bem arrumado depois de cada utilização. Ora o que faz o Windows? Age como um assistente pouco escrupuloso: quando um dossier está fechado, deita os seus elementos para o cesto dos papéis. E quando você lhe dá elementos para um novo dossier, ele separa-os em pequenos grupos de documentos, que arruma ao acaso nas primeiras gavetas vazias que encontrar. Depois, pede um orçamento suplementar para contratar, todos os fins-de-semana, uma legião de estagiários (DeFrag), que se esforçam por pôr o armário em ordem. O Linux, pelo contrário, comporta-se como um assistente modelar: quando você lhe pede para deitar fora alguns dossiers, ele cria sistematicamente a lista das gavetas que ficaram disponíveis. Em seguida, para arrumar outro, procura na lista uma série de gavetas vazias contíguas, de tamanho suficiente.

Concordará que nenhum responsável hierárquico seria suficientemente louco para contratar o primeiro assistente, que é caro e trabalha mal, em vez do segundo, quase de graça e muito mais eficiente. No entanto, é o que se passa todos os dias, quando certos utilizadores escolhem o Windows.

Em resumo, a propaganda comercial da Microsoft engana os utilizadores dizendo-lhes que o DeFrag acelera a máquina... apesar de ser o Windows que a retarda! A empresa é, pois, suficientemente forte para criar graves distorções da realidade, fazendo passar os defeitos dos seus programas por contribuições indispensáveis. Nos meios informáticos, há muito que se utiliza uma expressão irónica, quando alguém depara com um destes defeitos: it's not a bug, it's a feature! Não é defeito, é feitio!



Estas desvantagens não se devem ao peso da compatibilidade com as camadas de software mais antigas? Por outras palavras, a herança da Microsoft, que é a sua gigantesca base instalada, não impõe arquitecturas de programa complicadas?


Essa história da compatibilidade parece-me sobretudo um álibi. Mesmo no universo DOS-Windows, existem programas muito mais bem concebidos. Olhe para os servidores de ficheiros Novell, por exemplo... Aliás, não é tecnicamente impossível construir um sistema de ficheiros aceitável a partir da herança medíocre do DOS. A necessidade do DeFrag provém do facto de o código que abona a memória no disco estar mal escrito. O outro defeito espectacular do universo Microsoft é a grande vulnerabilidade do sistema operativo ao mínimo erro de manipulação. Tome como exemplo o programa ScanDisk cuja missão consiste em reparar os discos duros avariados. Ele propõe-nos toda uma série de opções incompreensíveis, às quais um utilizador não é capaz de responder, mesmo que esteja informado. Ora basta uma única má opção - um Sim em vez de um Não - e o processo conduz à destruição pura e simples da própria estrutura dos dossiers. Apesar de, quase sempre, os dados ainda serem recuperáveis antes da passagem do ScanDisk.

A bem dizer, o utilizador do Windows corre um verdadeiro perigo cada vez que instala ou desinstala qualquer coisa de novo na sua máquina. Quer um exemplo? Tomemos o caso de um programador americano até aqui fiel ao Windows, Steve Cohen. Perante a insistência do filho, Steve autoriza-o a comprar uma nova versão de um jogo de baseball. O miúdo, consciencioso, desinstala então a antiga versão do jogo em Windows 95 e vai à procura do novo programa no supermercado. Quando volta, fica horrorizado. A máquina está completamente gelada. É impossível arrancar de novo. Steve telefona ao fabricante do seu computador, a Gateway. Ao fim de um dia de pesadelo, a única coisa que ele consegue fazer é arrancar em DOS, porque o Windows recusa-se obstinadamente a funcionar. Steve, que edita um boletim de informações nos Estados Unidos, apercebe-se nesse momento de que os dados que guardava no disco aparecem aos bocados, com nomes estranhos cheios de tiles (~). E que o DOS não aceitava os ficheiros cujos nomes tivessem mais de 8 caracteres. No Windows 95, a possibilidade de dar nomes longos só se consegue graças a uma camada de software que não está disponível em DOS, nem mesmo no MS-DOS que está no centro do Windows! Steve, que tenta encontrar os seus ficheiros em DOS, não consegue saber qual dos dois - o BULLET~l ou o BULLET~2 - é o bom «Bulletindejuinl997», por exemplo. Steve Cohen conseguiu finalmente voltar a instalar o Windows, com um enorme sentimento de frustração.

Esta história é típica dos dissabores habituais dos utilizadores de PC Windows e mostra bem os perigos que o universo Wintel faz correr todos os dias ao conjunto dos nossos dados. É a loucura normal do universo Microsoft. Um universo no qual, para instalar um CD-Rom destinado ao grande público, é preciso responder à pergunta: «Atenção, tem a certeza que quer substituir a biblioteca TrucMachin.DLL por TrucMachinChose.DLL, que é mais antiga?» Sim? Não? O que percebo eu disso? Nem eu, que sou informático, faço a menor ideia. Muito menos o utilizador recente! Os utilizadores de Windows aprendem todos, numa ou noutra vez, à sua custa, que a bela interface gráfica que aparece quando eles ligam o computador não passa de uma camada superficial de software, aplicada sobre uma arquitectura antediluviana que se chama DOS. E o conjunto DOS-Windows ignora as regras de base de boa conduta dos sistemas operativos que são ensinados nos departamentos de informática de todas as universidades do mundo.

Mas esta história de loucura normal tem, mesmo assim, um desfecho extraordinário, revolucionário: Steve Cohen não aceitou ser considerado responsável pela catástrofe. Considerou inaceitável que o simples facto de desinstalar um programa o obrigasse a voltar a instalar todo o seu sistema operativo, arriscando-se a perder os seus dados. Pensou que, neste caso, o erro era do Windows, e não do particular que não fez recentemente cópias de salvaguarda... Steve resolveu arranjar um espaço no seu disco duro para instalar também o sistema operativo Linux, de que se fala muito pouco, mas que não tem estes inconvenientes. Pois, com o Linux, cada utilizador só tem acesso aos seus próprios dados. Não lhe é pedido - e aliás ele nem pode - que toque nos dados dos outros, e sobretudo nos do sistema operativo, que está bem protegido das falsas manobras (ver v capítulo).



No entanto, devia ser fácil alterar a concepção dos sistemas operativos, para impedir o acesso às partes sensíveis do programa...


É verdade. Mas essa possibilidade de modificar as componentes do sistema operativo não é inocente. Os concorrentes da Microsoft pensam até que ela tem sido sistematicamente utilizada pela empresa... para sabotar os produtos rivais (ver III capítulo). Além do risco de desgaste por inadvertência, essa vulnerabilidade das partes vitais do computador abre a porta a todos os perigos, a começar pelos vírus.



Quer dizer que os computadores equipados pela Microsoft são mais vulneráveis do que os outros aos vírus informáticos?


Sem dúvida nenhuma. É certo que, de vez em quando, podemos ser vítimas de vírus no universo Unix. Mas eles só têm acesso aos ficheiros nos quais eu, como utilizador, tenho o direito de escrever... não aos dados dos pais ou dos colegas com os quais partilho a máquina; e nunca às aplicações ou aos componentes sensíveis do disco. Por conseguinte, a menos que haja no sistema uma porta de entrada que não tinha sido detectada, esses vírus não podem causar muitos estragos. E os erros de segurança, no universo Unix, são rapidamente corrigidos. Depois, os piratas acham que é muito menos divertido criar novos vírus...

Em contrapartida, no universo DOS/Windows, como aliás no mundo Macintosh, um vírus é um programa como os outros. Não explora erros de software; baseia-se simplesmente no facto de toda a gente - incluindo ele - ter o direito de tocar no sistema operativo. Então, pode alterar o sistema, de tal modo que cada uma das iniciativas do utilizador - abrir um ficheiro, por exemplo - tenha como resultado fazer trinta cópias. E, além disso, pode causar danos essenciais ao sistema: alterar os seus dados, alterar o modo como funcionam as suas aplicações, apagar totalmente o seu disco duro, etc.

E há casos mais graves. Com a última geração de programas Microsoft - Excel 6 e 7, Word 6 e 7 - surgiram os chamados macrovirus. Estes vírus, particularmente contagiosos, simplificaram muito a tarefa dos criadores de vírus e aumentaram os problemas dos utilizadores não especialistas, para os quais é muito mais difícil desconfiar da sua presença. E preciso saber que é possível colocar nos documentos criados por esses programas de aplicação pequenos segmentos de programa chamados «macro», escritos em VisualBasic (um desenvolvimento do Basic da Microsoft). Isto pode ser particularmente interessante para pedir à máquina que execute tarefas repetitivas; por exemplo, abrir ou fechar todas as janelas. O problema é que estes programas incluem também instruções que permitem alterar, deslocar e apagar ficheiros. Basta inserir num documento Word (no qual ninguém imagina, em princípio, que possa haver um programa) um segmento de linguagem de macro que, sempre que você abre esse documento, dá ordem porque não? - para apagar o seu disco duro! Além disso, esta linguagem de macro é a mesma em todas as versões do Office, esteja ele instalado num PC ou num Mac. Por conseguinte, a partir de agora é possível transmitir vírus entre máquinas de famílias diferentes, o que antes era difícil. Que inovação! Com o VisualBasic, a Microsoft ofereceu aos vírus uma plataforma-tipo. No entanto, o professor Harold Highland havia já apontado, em 1992, os riscos dos vírus devidos a linguagens de macro demasiado potentes.

Na Sorbonne, um grupo de literatura que trabalha neste momento num projecto de obra colectiva, em que participam muitos alunos e autores externos, pôde verificá-lo directamente. Os animadores do projecto distribuíram a todos os colaboradores, que têm equipamentos informáticos muito diferentes, disquetes em formato Word. Ora um dos participantes apanhou um vírus que inverte a ordem das palavras ao acaso. Imaginem o que isso pode provocar em literatura... Transmitiu-o a toda a gente. Um dos participantes perdeu o conteúdo do disco duro. E, que eu saiba, ninguém descobriu ainda a maneira de se livrar totalmente desse «bichinho» sofisticado, que impede que o texto seja guardado noutro formato excepto o Word.

Por último, se era complicado escrever os vírus em linguagem de máquina, hoje isso é uma brincadeira de crianças. Basta saber dar um dique, graças aos belos utensílios fornecidos para editar

macros... Aliás, estão à venda na Internet (infelizmente sem indicação do endereço!) kits de desenvolvimento de vírus para o Word. Você fabrica o seu vírus e envia-o para o interior de um documento Word ligado a um correio electrónico, por exemplo. E pode contaminar milhares de pessoas em poucos dias!



Mas a Microsoft não pode impedir que saiam novos produtos, com o pretexto de que uns garotos maldosos passam o tempo a criar vírus!


Não me interprete mal. No caso dos vírus clássicos (como os que intervêm no sector de arranque), alguns especialistas chamaram várias vezes a atenção da Microsoft para estes graves problemas de segurança. Padgett Peterson, um perito americano, foi ao ponto de sugerir à Microsoft soluções simples, que implicam apenas ligeiras alterações dos programas: algumas linhas de código alteradas, e a falha seria colmatada... Mas o editor de Seattle nunca reagiu. Como se a luta contra os vírus fosse a menor da preocupações! Aliás é o que sugerem em privado alguns responsáveis da Microsoft. O Windows 95 é um sistema operativo destinado ao grande público. Um produto para a «dona-de-casa com menos de cinquenta anos», poder-se-ia dizer por analogia com o universo audiovisual. E esse público, afinal, não faz coisas muito importantes com o seu microcomputador. Bem pode perder o seu tempo a arrancar com o seu PC e a caçar vírus. As pessoas sérias, agora, devem comprar a versão profissional do sistema operativo: Windows NT (que, aliás, não protege muito mais o utilizador dos macrovírus, embora ninguém o afirme).

Este problema subsiste com a versão beta do Windows 98. Até aqui, era praticamente impossível caçar um vírus só ao abrirmos o correio electrónico. Era preciso, pelo menos, abrir um documento ligado ao correio. Pois bem, com o Microsoft Outlook, um programa de correio electrónico e de agenda integrado na versão beta do Wjndows 98, a função correio electrónico contém uma nova linguagem de controlo (uma linguagem de scripting) susceptível, também ela, de veicular um vírus. Um defeito assinalado mais uma vez à Microsoft por Padgett Peterson. Agora, você pode apanhar um vírus apenas ao abrir o seu e-mail4!



Se os vírus podem entrar, os piratas informáticos também...


Os erros de concepção dos produtos da Microsoft abrem de facto grandes portas a quem quiser aproveitar-se disso. E o problema é tanto mais grave quanto é certo que todos nós confiamos uma parte crescente da nossa vida privada às redes informáticas. Há pouco tempo, realizou-se na Alemanha uma manifestação de graves consequências sobre as falhas de segurança aliadas ao ActiveX, uma tecnologia da Microsoft. Mas, curiosamente, ninguém fez eco dela na imprensa francesa. Na Alemanha, onde o banco em linha é muito popular, um clube de informáticos, o Chaos Computer Club de Hamburgo, provou que o ActiveX permitia roubar facilmente dinheiro aos utilizadores de um programa de gestão financeira em linha (Quicken ou Microsoft Money), num PC Windows equipado com o navegador Internet Explorer.5

Examinemos de perto esta história interessante. Para contrariar ao potencial da Java - uma linguagem de programação que permite fazer funcionar uma aplicação em qualquer máquina, mesmo que não inclua programas Microsoft -, o editor de Seattle inventou uma outra linguagem, chamada ActiveX, concebida para dialogar especificamente com os outros produtos Microsoft. Esta linguagem permite de facto lançar directamente aplicações Windows e trocar informações com elas. Deste modo, só os utilizadores do Windows e do Explorer é que podem aceder correctamente aos sites Web que utilizam o ActiveX.

O problema é que, ao prosseguir esta estratégia monopolista, a Microsoft negligenciou por completo a segurança dos utilizadores. Enquanto que a Java assegura que as aplicações carregadas à distância dando um dique nas páginas Web não podem fazer tudo, o ActiveX deixa todas as portas abertas. Os internautas estão longe de imaginar que, ao darem um dique no ícone de uma página Web, autorizam a sua máquina a dar ordens sem eles saberem. Os espertinhos de Hamburgo demonstraram com efeito que, para um escroque, era elementar conceber uma página Web que, ao utilizar o ActiveX, se transformasse numa máquina para lesar o visitante.

Como é que isto funciona? É muito simples. Você navega na Web servindo-se do Internet Explorer, o único navegador que suporta o ActiveX. Depara com uma página que o entusiasma com um anúncio do género «Quer tornar-se milionário em 5 minutos? Dê um dique aqui!» Então você dá um dique... Ao fim de alguns segundos, uma mensagem informa-o que um componente do ActiveX se instala na sua máquina. Em seguida, aparece um belo desenho que lhe dá a entender que você não será milionário dessa vez. Mas, entretanto, você contribuiu para enriquecer outra pessoa qualquer, porque as instruções do ActiveX incluídas na página Web lançaram o Quicken (em mancha de fundo, ou seja, de forma invisível), com ordem para efectuar um novo depósito na conta do pirata, que tem um nome banal.

Uns dias depois, você liga-se ao seu banco com a sua password e é então que a ordem pré-programada sem você saber é transmitida e confirmada por si própria. Quando receber o seu extracto de conta, talvez nem repare nesta pequena transferência, ou julgue que se trata de uma pequena transacção de que se esqueceu entretanto. Afinal, quem é que conseguiria entrar no seu computador e mexer nos seus dados com a sua password?

A Microsoft esforçou-se por minimizar esta manifestação e não por corrigir os erros que ela punha em evidência. Mas o ActiveX abre incontestavelmente uma brecha enorme na segurança do Internet Explorer, enquanto que o Navigator, o Opéra e outros navegadores que não suportam o ActiveX não apresentam este defeito.




A opção Microsoft é quase sempre justificada pela garantia que a sua marca e a sua notoriedade oferecem. Isto é legítimo?


Claro que não. E isso é que é mais triste. Como o grande público não pode avaliar o nível de qualidade dos programas, limita-se a confiar na publicidade, nas revistas especializadas... e, em definitivo, na marca. Quando em Davos, em Washington e em Paris, Bill Gates se encontra de igual para igual com os responsáveis máximos das multinacionais, os ministros ou os chefes de Estado, o grande público tem confiança na sua marca. Julga que pode apoiar-se nos ombros sólidos do primeiro editor mundial de programas, que decerto oferece sérias garantias de qualidade. Ora no livrinho de utilizador do Windows, a garantia reduz-se a muito poucas coisas. Até ao lançamento do Windows 95, não existia garantia de qualquer espécie. Actualmente, o texto de licença do Windows 95 ou 98 assegura apenas que «o fabricante do computador garante que o programa permitirá uma utilização conforme, no essencial, às funções descritas no manual que acompanha o programa». Mas, evidentemente, não está em questão a responsabilização por «perdas ou avarias, sejam de que natureza forem». Em caso de acidente, não estão cobertos nem os danos corporais nem as perdas de lucros, interrupções de actividade, perdas de dados ou qualquer outro prejuízo de índole pecuniária resultante da utilização ou da impossibilidade de utilizar o programa ou o material...

Sou o primeiro a reconhecer que, para sistemas complexos como os programas, não podemos exigir o zero em matéria de defeitos. Mas podemos pelo menos esperar do primeiro editor mundial a garantia de que o programa seja concebido de acordo com as regras. Ou seja, que integre certas técnicas, há muito conhecidas de todos, como, por exemplo, um método eficaz de gestão de ficheiros. Afinal, fazemos este tipo de exigência ao nosso electricista ou ao nosso canalizador. Porque não exigi-lo a uma multinacional que declara 600 milhões de contos de lucros anuais?




Segundo os utilizadores, a Microsoft também não é a campeã da assistência técnica...


Quando você compra um microcomputador a um grande construtor, lê o texto seguinte na licença do Windows:

6. ASSISTÊNCIA DO PRODUTO. Nem a Microsoft Corporation nem as suas filiais dão assistência ao SOFTWARE. Para questões de assistência, contacte o número da assistência técnica do fabricante de computadores que figura na documentação do COMPUTADOR.

Eis uma maneira elegante que a Microsoft arranjou de passar para os fabricantes da máquina os quebra-cabeças - e, bem entendido, os custos avultados - ligados aos seus próprios produtos. O que lhe permite fazê-lo é o facto de o Windows ser, na maior parte dos casos, pré-instalado pelos construtores. O problema é que a Compaq, a Gateway, a HP, a IBM ou a Dell não são responsáveis pelos defeitos dos produtos Microsoft e não podem corrigi-los. E em lugar de fornecerem um suporte técnico de qualidade nos seus próprios produtos, as suas hot lines encontram-se muitas vezes congestionadas por perguntas clássicas de principiantes confrontados com a triste realidade do Windows... Ao ponto de se esquecerem de que há outra coisa. Na École Normale Supérieure, entrámos várias vezes em conflito com a assistência técnica da Hewlett Packard, que queria resolver os problemas das nossas impressoras com um «novo driver Windows», apesar de ninguém utilizar o Windows na nossa escola! Muitos utilizadores encontram-se assim num beco sem saída, sem solução satisfatória para os seus problemas. Ou, pior ainda, parecem bolas de pingue-pongue a saltar entre as diversas hot lines dos seus fornecedores.

Com efeito, você só está autorizada a pedir o auxílio da Microsoft se comprar o programa à parte da máquina (o que lhe custa pelo menos o dobro do que aquele que vem instalado no PC). E, mesmo assim, o apoio a que tem direito é uma miragem. Para os compradores americanos do Windows 98, era quase impossível, em Julho de 1998, conseguir assistência gratuita, mas era muito fácil contactar o serviço a pagar, que lhe propunha uma fórmula de 35 dólares por «incidente»6.



Com a sua oferta centrada no sistema operativo Windows NT e destinada a profissionais a Microsoft não resolveu todos os problemas de qualidade, de confiança e de segurança que você enumerou?


A arma da Microsoft para penetrar na informática profissional apresenta, sem duvida, funcionalidades mais sérias. No sistema operativo Windows NT para postos de trabalho e servidores, a noção de protecção de ficheiros existe e o conceito de nomes de utilizadores diferentes com direitos de acesso diferentes também está presente, como no universo Unix. Os componentes do sistema estão muito bem protegidos. O que explica que o produto tenha obtido uma certificação C2, que garante um bom nível de segurança nos Estados Unidos. Mas, atenção! Tudo isto só é verdadeiro quando avaliamos o produto isoladamente, sem aplicações instaladas e sem ligação à rede... O que parece estranho como condição de teste para um servidor, não é verdade?

A questão crucial não é a segurança do sistema operativo propriamente dito, mas saber se o conjunto cliente-servidor é concebido com uma preocupação de qualidade e de segurança. Aliás, um consultor americano de segurança informática, Mark Edwards, detectou um erro de segurança muito grave no Windows NT 4.0, no fim de Julho de 1998. Qualquer utilizador de uma rede com o Windows NT podia gerir a rede (mudança de passwords, alteração dos direitos de acesso às zonas confidenciais, etc.) como se fosse o seu administrador! A Microsoft apressou-se a colocar um programa correctivo à disposição dos seus clientes.

Ao contrário da IBM ou da Sun, a empresa de Seattle nunca teve a cultura da informática em rede. Por isso, esforça-se por adaptar os seus instrumentos a um universo que exige um alto nível de segurança. Esta herança cultural coloca aliás vários problemas quando a Microsoft pretende introduzir o Windows NT em sectores em que a fiabilidade dos sistemas informáticos é critica: as transacções bancárias, os processos de controlo industrial, os autocomutadores de telecomunicações, os sistemas de posicionamento de satélites, os programas instalados nos aviões, nas naves espaciais ou nos automóveis... Porque não nos podemos dar ao luxo de fazer arrancar um computador de controlo aéreo nem um sistema de sala de um mercado financeiro!

Estas aplicações, vitais para a empresa, funcionam hoje com produtos IBM, Digital Equipment, Hewlett Packard ou Sun, muitas vezes em universo Unix. O microcomputador, cuja potência de cálculo foi muito aumentada ao longo do tempo, pode decerto substituir grandes sistemas em certas tarefas não estratégicas. Mas o que é crítico, no mundo profissional, não é a rapidez de cálculo, é a fiabilidade das máquinas. O erro é proibido. E nesse plano, a Microsoft não tem qualquer credibilidade.



No entanto, o exército americano escolheu o Windows NT da Microsoft para a sua nova geração de sistema de informação, não é verdade?


Parece-me muito preocupante que os responsáveis por decisões estratégicas, como a escolha de um sistema operativo que vai equipar sistemas de armamento ou sondas espaciais, ignorem abertamente as recomendações dos seus próprios peritos e se deixem enganar por argumentos comerciais sedutores. Tanto mais que esses generais cheios de galões já viram o que os espera ao abandonarem uma tecnologia aberta e de qualidade em favor do Windows. Um relatório oficial do governo americanorefere incidentes sucessivos no «barco inteligente» da Marinha americana, equipado com o Windows NT. Várias vezes bloqueado devido a paragens repetidas, o barco teve de ser levado para o porto. Para justificar a escolha do NT neste caso, um tal M. Redman, da Marinha, explicou: «Although Unix is more reliable, NT may become more reliable with time»! (Apesar de o Unix ser mais fiável, o NT pode ganhar fiabilidade com o tempo.)

É pena que as informações televisionadas não mostrem este tipo de reportagem, em vez de mostrarem um Bill Gates que se passeia com o Código de Leicester de Leonardo da Vinci, cujo manuscrito original comprou e cede voluntariamente para exposições.



Vimos que o sistema operativo MS-DOS, que fez a fortuna da empresa, não tinha sido criado pela Microsoft. A empresa criou outros programas?


Os programas de que mais se fala neste momento foram todos comprados pela Microsoft, que os adaptou depois às suas necessidades. Vimos como o DOS foi comprado à Seattle Computer. Mas a camada Windows, essa, é uma cópia de má qualidade «made in Microsoft» da interface gráfica do Macintosh. O navegador Internet Explorer - e isto é referido no seu copyright - deriva do programa NCSA Mosaic, para o qual a Microsoft comprou uma licença à PME Spyglass. O Windows NT, que só tem de comum com o Windows o seu nome, foi concebido por Dave Cutler, um programador contratado para o efeito à Digital Equipment (onde criara, além de outros, o sistema VMS).

Em contrapartida, a Microsoft desenvolveu internamente os programas Word e Excel, depois do êxito de programas já existentes como o Wordstar ou o Lotus 1-2-3. Aliás, a empresa acrescentou a pouco e pouco certas funções (corrector de ortografia, corrector de sintaxe) vendidas a princípio como produtos complementares por certas PMEs. Este mecanismo foi erigido em estratégia. Como os produtos Microsoft são essencialmente mal concebidos, isso deixa a porta aberta a certos start-up para inventarem mecanismos de correcção ou programas complementares que melhoram as suas funcionalidades. Podemos citar o Stacker da Stac Electronics, que comprime o disco para duplicar a sua capacidade, ou o Quarterdeck, que permite executar múltiplas funções em DOS/Windows. Por enquanto, estes pequenos empresários ganham pouco dinheiro. E um dia, se o seu produto funcionar bem, a Microsoft compra-lhes a patente, ou copia-a sem vergonha para a integrar numa nova versão de um dos seus produtos. Segundo estas PMEs, a Microsoft chega ao ponto de alterar o seu sistema para que o produto original deixe de funcionar, ou funcione pior do que a cópia Microsoft (ver III capítulo).



Parece difícil acreditar que a Microsoft, que emprega milhares de programadores, não disponha de uma capacidade autónoma de investigação e de desenvolvimento.


A empresa emprega sem dúvida milhares de programadores, que desenvolvem ou adaptam os seus produtos. Mas quando lhe falta um software ou uma tecnologia num determinado segmento de mercado que ela considera prometedor, é mais rápido adquirir esse know-how. Não se passa um mês sem que a Microsoft não compre uma ou duas PMEs de ponta.

Em todo o caso, nenhuma das inovações da indústria do software saiu da Microsoft. Até 1995, a empresa nem sequer dispunha de um departamento de investigação digno deste nome. Os seus gestores não viam utilidade em manter um laboratório do tipo Xerox Parc ou HP Laboratories para vender programas para computadores pessoais. A situação só se alterou nos últimos três anos, com a vaga Internet e as ambições da Microsoft no domínio da informática de empresa. Existe um departamento Microsoft Research em Seattle e outro em Cambridge, em Inglaterra. Mas estes laboratórios funcionam, para já, sobretudo como montras (ver Iv capítulo).



Por que motivo é que a comunidade de informáticos que, a avaliar pelo que diz, tem uma opinião tão desfavorável dos produtos Microsoft, não se exprimiu mais cedo?


Os especialistas com conhecimentos necessários para desmontar todas estas armadilhas e pôr em evidência os erros, os perigos e as manipulações sem correrem o risco de ser tomados por concorrentes invejosos calaram-se durante muito tempo. E é verdade que este vazio foi preenchido por pseudo-especialistas, sobretudo portadores de desinformação. Creio que há uma série de explicações para isso, que aliás não são todas famosas... Primeiro, é preciso compreender que, se um cientista quer atingir o grande público, deverá aceitar o recurso a certos media que não respeita necessariamente, assim como a revistas de informática cujo conteúdo se aproxima em muitos casos da publicidade.

É um dos motivos pelos quais um perito sério, ontem como hoje, não tem vontade de assinar um artigo neste tipo de publicações, com medo de que a sua reputação seja afectada por se ter aproximado dos «vendedores de tapetes». Infelizmente, isto contribui para criar um verdadeiro circulo vicioso: desprovida do apoio destes especialistas que a hostilizam e muito dependente dos seus anunciantes, a imprensa informática está muitas vezes condenada a tornar-se um eco pouco credível da propaganda dos construtores. O que acentua a sua faceta mercantil e a desacredita ainda mais. Além disso, os pseudo-especialistas que aí nidificam não têm grande vontade que este estado de coisas mude.

No entanto, a situação está a evoluir. Os jornalistas sérios, preocupados em desmistificar a propaganda dos industriais, começam a dar ouvidos aos cientistas competentes. E estes estão talvez mais inclinados a exprimir-se, pois os problemas jurídicos da Microsoft nos Estados Unidos fazem nascer a esperança de que um discurso crítico possa hoje ter uma certa influência.

Para ser totalmente sincero, também penso que a comunidade informática se preocupava pouco com o facto de a Microsoft enganar o grande público, que ela encarava com uma certa condescendência. Não vale a pena explicar a verdade a essa gente, dizem os investigadores. Se não entrarmos em pormenores, não acreditarão em nós; se entrarmos em pormenores, não nos compreenderão. Ao contrário do que se passa em física ou em matemáticas, nenhum informático considerou que valesse a pena fazer obra de pedagogia.

Por último, e acima de tudo, até então, a comunidade científica conseguiu escapar completamente aos computadores pessoais da Microsoft. Podia, pois, aparentar a maior indiferença. Hoje em dia, isso já não acontece. Porque nos arriscamos todos a ter um PC no nosso gabinete. E sobretudo porque a Microsoft procura agora deitar a mão à Internet, que é o meio de comunicação e de troca privilegiado dos investigadores: a «nossa» rede.



A linha de defesa clássica de Bill Gates é que os seus produtos são plebiscitados pelos consumidores. Se os programas Microsoft são tão maus, porque é que conseguiram seduzir o mundo inteiro?


Primeiro, porque o mercado não é um sistema perfeito. No mundo tal como ele existe, os melhores produtos raramente ganham. Porquê? Porque fabricar um produto excelente - a posteriori, se se trata de um programa - exige muito tempo e muito dinheiro. Ora em todos os sectores, e em especial no dos produtos tecnológicos, o primeiro a chegar é que é premiado. Mais vale, em termos comerciais, ultrapassar os concorrentes e ocupar um nicho com um produto medíocre que vai sendo aperfeiçoado a pouco e pouco. Tanto mais que o industrial que comercializa produtos fortes e de muito boa qualidade... dificilmente convencerá os seus clientes que é preciso mudar todos os anos! Assistimos assim, em todos os sectores, ao fabrico de produtos menos perenes, com um ciclo de fabrico mais curto.

Aliás, a qualidade intrínseca dos produtos tornou-se um factor de sucesso bastante secundário, em relação a uma série de outros critérios, como o marketing, a capacidade de distribuição e, evidentemente, a compatibilidade com as aplicações existentes. Lembre-se do fracasso do videogravador Betamax da Sony, morto em poucos meses, no início dos anos 80, pelo VHS da concorrência, que tinha à sua disposição uma filmoteca muito mais abundante. E evidente que as pessoas não compravam um vídeo para as suas proezas tecnológicas, mas para visionar cassetes. Também o utilizador não procura um sistema operativo pela elegância da sua arquitectura, mas para nele fazer funcionar um certo número de aplicações úteis. A força principal do Windows, actualmente, é feita das dezenas de milhares de editores informáticos que criam aplicações compatíveis.

A respeito disto, podemos falar de «efeito rede» ou «efeito dominó». Na era da informática em rede, os produtos deixam de existir isoladamente. Para que um deles seja utilizável, é preciso que funcione correctamente - que seja «interoperacional» - com outros produtos informáticos. Surge aqui uma característica do universo informático: a variedade de tomates frescos com que você cozinha não impõe que os triture numa picadora Moulinex e não noutra qualquer... Em contrapartida, um programa de tratamento de texto tem de funcionar num sistema operativo, que por sua vez tem de funcionar na máquina. E é preciso que estes textos sejam transmissíveis a outras pessoas que sejam capazes de os ler. Se bem que, na falta de modelos abertos, a escolha de um sistema de tratamento de texto não seja tão livre como se julga. Se uma empresa quiser pôr todos os seus empregados no mesmo comprimento de onda, é quase obrigada a escolher o modelo dominante. Está tudo ligado. E o editor de programas que, como a Microsoft, controla o ponto central da cadeia o sistema operativo - está naturalmente em posição de influenciar as decisões de compra de tudo o resto. Veremos como o editor de Seattle joga a fundo nesta vantagem, pressionando a integração dos seus programas (ver III capítulo).

O outro factor de propagação dos produtos Microsoft tem muitíssimo a ver com o modo como as decisões são tomadas nas empresas. Ao mais alto nível, os patrões são como os políticos:

dispõem de dez minutos, na melhor das hipóteses, para cada decisão. Quase sempre, não conhecem o assunto e não dão ouvidos aos técnicos de base, que, esses, sabem. Estes P-DG dizem ao director informático: «Faça uma boa escolha». E estes escolhem a Microsoft... essencialmente para se protegerem. Porque não poderão vir a ser repreendidos por terem escolhido o editor que equipa 90 por cento do mercado. Mas isto não quer dizer que o utilizador de base tenha escolhido o Windows: a situação foi-lhe imposta. E depois, se esta solução não resultar, não é grave porque a Microsoft explica que não tardará a sair uma versa melhor do produto!

Este modo de funcionamento gera decisões aberrantes. O Johnson Espace Conter da Agência Espacial Americana (NASA) deitou milhares de Mackintosh para o lixo... para os substituir por PCs equipados com Windows 95, em Julho de 1995, um mês antes de este programa sair! Tudo sem a aprovação formal do Conselho de Gestão dos Recursos Informáticos. Registou-se uma história semelhante com os programas Exchange e Windows NT. Como se trata de dinheiros públicos, o Congresso americano abriu um inquérito. Dito isto, creio que, à medida que o posto informático das PMEs ganha peso, se regista uma tomada de consciência. Estas pequenas e médias empresas precisam de terminais robustos e estáveis, vocacionados para certas tarefas, e cujo preço não ultrapasse os 150 ou 180 contos, e não de um Pentium III Windows 98, de 300 ou 450 contos.





III



A TÁCTICA DA HERA



Bill Gates arvora-se publicamente em paladino da concorrência. E você explica que, na realidade, a Microsoft emprega todos os meios para eliminar os concorrentes. Pode descrever exactamente os métodos que censura a esta empresa?


A Microsoft tem de facto um discurso público que contraria totalmente as suas práticas. Por um lado, afirma que os seus programas são os melhores, porque o público os escolhe. Por outro, recorre a um arsenal muito sofisticado de medidas para impedir a todo o custo que esse público escolha outros produtos. O que demonstra que os dirigentes da empresa não acreditam totalmente na qualidade dos seus programas. Quando você olha para as conquistas ou para as práticas da Microsoft, uma por uma, tudo isso é bastante anódino. Assemelha-se um pouco a uma partida de xadrez, da qual víssemos apenas alguns movimentos isolados:

ele pega num peão, põe um cavalo em xeque, faz avançar a sua torre... Nada de espectacular. Mas é recuando, é observando todas as estratégias da Microsoft no conjunto das partidas que ela jogou e ganhou - que vemos desenhar-se o verdadeiro filme de uma conquista monopolista. Voltemos às práticas propriamente ditas. A Microsoft recorre a vários tipos de meios para aniquilar a concorrência. Os mais clássicos e os mais conhecidos são as tácticas comerciais. A começar pelos contratos leoninos impostos aos fabricantes de computadores.



Quais são as relações exactas entre a Microsoft e os vendedores de máquinas como a Compaq, a Deli ou a Gateway 2000?


A Microsoft tenta obrigar os grandes distribuidores de PCs a não propor ao grande público produtos concorrentes. Esta prática data das origens da empresa. Com efeito, até 1995, a Microsoft impunha a todos os distribuidores de computadores IBM e compatíveis a pré-instalação dos seus programas no disco da máquina, ou seja, oMS-DOS e depois o Windows. O tipo de contrato confidencial assinado na época era a compra de uma licença «por computador». Estava escrito, preto no branco, que a IBM ou a Compaq tinham de pagar uma quantia inicial por cada máquina produzida e vendida... quer o cliente final quisesse o DOS ou o Windows instalado na sua máquina, quer não quisesse. E óbvio que o distribuidor tinha todo o interesse em instalar o Windows em detrimento de outro software, que lhe custaria mais dinheiro. Quanto ao utilizador final, não ganhava nada em pedir que lhe desinstalassem o DOS ou o Windows, porque os tinha pago. Tratava-se de um abuso característico de uma posição dominante, prejudicial para todos os concorrentes. Um cliente que quisesse adquirir o DR-DOS da Digital Research (comprado depois pela Novell e por fim pela Caldera), por exemplo, tinha de começar por pagar o MS-DOS.

Em suma, o grande público era «livre» de escolher um produto Microsoft... ou de pagar duas vezes o sistema operativo! Essa prática foi travada não só pelo Departamento da Justiça americano como também pela Comunidade Europeia. Contudo, não teve qualquer utilidade prática. Anos e anos de processos desembocaram num acordo amigável, o célebre Consent Decree de 1995, através do qual a Microsoft se compromete a... absolutamente nada. Como vimos no I capítulo, não só a Microsoft não foi obrigada a qualquer indemnização financeira por anos e anos de actos ilegais como conseguiu contornar a limitação, inventando uma nova prática que tem exactamente as mesmas consequências. Em vez de serem obrigados a assinar esses contratos de licença «por computador», os construtores podem agora escolher entre uma licença «por modelo» e uma licença «por cópia».

No primeiro caso, o construtor compromete-se a instalar o Windows, que compra barato, em toda uma linha de produtos (um modelo de computador) que o cliente final não poderá adquirir sem o Windows. No segundo caso, o construtor só compra as licenças que correspondem às encomendas efectivas dos seus clientes. Mas tem de pagar cada cópia duas ou três vezes mais cara! Aparentemente, os construtores têm possibilidade de escolha, e o Consent Decree é respeitado. Há que notar, aliás, que a versão europeia deste compromisso considera explicitamente um acto ilícito que a conclusão de um acordo «por modelo» esteja condicionada à inclusão de todos os modelos neste regime. Mas, na prática, os revendedores escolhem sistematicamente a primeira opção «por modelo» para toda a sua gama de computadores destinados ao grande público. E o utilizador final vê-se privado da liberdade de escolha exactamente como dantes.

Pior: se você quiser comprar um novo computador e já tiver o Windows (o caso típico das empresas), esses grandes revendedores não lhe permitem comprar novas máquinas sem Windows.



Quer dizer que, actualmente, um utilizador não pode comprar um PC que não comporte o Windows?



É uma consequência possível... a menos que você descubra um pequeno montador de Taiwan que lhe faça uma montagem «à lista». Mas então, mais vale abrir a capota no caso de ter problemas! O que significa que, se você comprar a sua máquina numa grande superfície, como o Auchan ou o Carrefour, em França, ou em qualquer outro revendedor importante, não conseguirá escapar ao Windows. Mesmo que se trate de uma empresa que procure um distribuidor capaz de assinar com ela um contrato de manutenção plurianual sério, no qual se comprometa a reparar a máquina no prazo de 48 horas. A situação é idêntica nos Estados Unidos. Um estudante do Center for American Public Policy and Politics da Universidade da Califórnia em Los Angeles, David Chun, fez um inquérito junto dos 12 principais revendedores de PCs nos Estados Unidos, em Junho de 1998. Fez as mesmas perguntas simples à Gateway 2000, Dell, Micron, IBM, Packard Bell, Hewlett-Packard, Toshiba, NEC, Sony, Unicent, Umax e Quantex:

  1. Posso comprar um PC com um sistema operativo que não seja o Windows?

  2. Posso comprar um PC, qualquer que ele seja, sem comprar o Windows?

  3. Se não posso, porquê?

  4. Se o comprar, posso devolver o Windows e ser reembolsado?

As conclusões de Chun são formais. «Dos doze fabricantes interrogados, nenhum me quis vender um PC, fosse de que marca fosse, sem o Windows. E nenhum estava disposto a fazer-me um desconto para me reembolsar se eu devolvesse o Windows»! A maioria destes construtores explicou a David Chun que o «seu contrato com a Microsoft exigia que eles vendessem o Windows com todas as máquinas». O mais ridículo é que a IBM, que criou o OS/2, um sistema operativo concorrente do Windows, exige que os seus clientes comprem sistematicamente uma licença Windows... mesmo que eles declarem bem alto que só querem comprar o OS/2 da IBM!




A situação é a mesma em França? Se eu comprar um PC com o Windows e não quiser este sistema operativo posso pedir o reembolso?


Imagine que é precisamente o meu caso. Há meses que tento desesperadamente ser reembolsado de um CD-Rom Windows 95 pela Deli. Até agora, não consegui nada. Comecei por tentar comprar a máquina que você vê no meu gabinete, um Deli WS 400, sem Windows. Responderam-me verbalmente, mas sem quererem escrever-me, que tal não era possível. Perante esta recusa, pedi à Dell que identificasse com precisão o preço do programa Windows 95 na factura. Aí, recebi um fax no qual estava escrito, preto no branco, que, devido ao contrato com a Microsoft, a Deli não podia comunicar-me o preço de revenda do software. Nunca soube em quanto é que o Laboratório de Informática da École Normale Supérieure da rue d'Ulm - ou seja, o Estado, em última análise - fora lesado. Mas precisava do tipo de garantia que um grande construtor oferece. Se eu recorresse a um construtor de vão de escada e me fosse embora daí a um ano, quem é que asseguraria a manutenção do computador? Mesmo assim comprei esta máquina na Deli porque foi o construtor que me pareceu mais respeitador das universidades, às quais propõe um contrato a preço preferencial, e é a favor do software livre, já que empresta voluntariamente máquinas para demonstrações do Linux.

O sal da história é que descobri no verso da embalagem do CD-Rom Windows 95 a nota seguinte: «Se não aceitar as condições da licença, poderá devolver o CD-Rom Windows 95 ao distribuidor para "reembolso"»! Foi o que me apressei a fazer. Tempo perdido! Na impossibilidade contratual de me dizer quanto custa este programa, a Deli não sabe em quanto me há-de reembolsar. Mesmo assim, fiz a diligência e aguardo com interesse o episódio seguinte do folhetim.

O que importa sublinhar é que esta prática, a chamada «venda ligada» é totalmente ilegal em França. O Código de Consumo explicita: «É proibido [...] subordinar a venda de um produto

compra concomitante de um outro produto [...]» (Livro 1, 2. Capítulo, 1 a secção). O mesmo tipo de legislação também 5 encontra em vigor noutros países da Europa, como mostram o

artigos 85 e 86 do Tratado.



Por que motivo é que os fabricantes de computadores que são empresas poderosas não se revoltam contra os diktats da Microsoft


O que é preciso saber é que há muitos anos que os fabricante não ganham dinheiro com este material. É aos programas que o editores vão buscar lucros importantes, porque estes têm um custo marginal quase nulo. Depois de feito, um programa, que tem por vezes um custo de investimento muito elevado, pode se duplicado em CD-Rom por alguns escudos por cópia ou transmitido em rede... a cargo de quem o comprar. Quanto ao material tem um custo incompreensível. O ecrã de 17 chips que você paga a 150 contos talvez tenha custado 60 ou 90 contos ao construtor e o preço de revenda pouco baixa com o aumento do volume de vendas. As margens de lucro na venda de hardware são ínfimas E nestes mercados a concorrência é feroz e os construtores lutam para ganhar alguma coisa no fabrico.

Portanto, é impensável que um construtor de computadores corra o risco de ser o único a pagar as licenças Windows, Office ou outros, mesmo que isso lhe custe apenas mais 3 contos do que aos seus concorrentes. Porque a Microsoft, como medida de retaliação, poderia muito bem recusar as licenças «por modelo» preços reduzidos aos fabricantes que se mostrassem demasiado independentes. E um construtor que fosse obrigado a pagar «licença por cópia» sobre mais de metade das suas vendas iria imediatamente à falência!

Estes grandes grupos informáticos, que dão uma impressão de poder, são na realidade colossos com pés de barro. São dominados pelos verdadeiros patrões desta indústria: a Microsoft e, em menor escala, a Intel.

É também por isso que estes fabricantes de computadores aceitam assumir custos importantes, que deveriam incumbir à Microsoft, como os serviços de assistência técnica ou a hot line de que falámos no II capítulo. Aliás, a Microsoft não se contenta em torcer o braço aos fabricantes de hardware; também é conhecida por exercer o seu poder de coerção e o seu marketing agressivo sobre todas as malhas da cadeia de distribuição, até ao cliente final.



Pode dar exemplos dessas tácticas agressivas de marketing?


Acontece que a Microsoft faz dos clientes reféns, obrigando-os a comprar um produto que não lhes serve para nada, só para conseguirem o programa que querem. No Japão, por exemplo, os utilizadores adoram a folha de cálculo Excel da Microsoft, mas não gostam nada do programa de tratamento de texto Word, mal adaptado aos caracteres Kanji. O problema é que o Excel não se vende senão com o Office, que inclui também o Word. Assim, os japoneses que querem o Excel têm de comprar também o Word, mesmo que seja para o deitarem para o caixote do lixo1. Uma táctica ainda mais discutível foi aquela que levou a Microsoft a servir-se do «xerife» da profissão - a Business Software Alliance (BSA) - para exercer pressão sobre as empresas que fazem cópias não autorizadas de programas. Repare que eu não gosto e não uso a palavra «piratas», que evoca ladrões sanguinários, o que nada tem a ver com o universo do software. Mas escute esta história incrível. Num belo dia de 1995, representantes da BSA detectam na companhia dos telefones uruguaia Antel um certo número de irregularidades. Nesta empresa, o número de cópias de programas Novell e Microsoft é muito superior às licenças que ela oficialmente comprou. As empresas são de facto obrigadas a comprar uma licença por posto de trabalho. mas raramente o fazem, sobretudo nos países em desenvolvimento. Os advogados da BSA apresentam queixa e pedem 100000 dólares. Até aí, nada de surpreendente. Mas em 1997, a queixa c' retirada antes do julgamento em virtude de um «acordo amigável» entre a Microsoft (que não era o único queixoso representado pela BSA) e a Antel, na base do seguinte compromisso: a BSA passa uma esponja pelo assunto... na condição de a Antel substituir todos os produtos dos concorrentes (entre os quais os da Novell, que era um dos queixosos) por produtos Microsoft! Este dossier é analisado em pormenor por Rachel Burstein na edição de Janeiro de 1998 da revista Mother Jones. Os representantes da Microsoft e da BSA apressam-se a negar toda a história... Mas se ela era falsa, por que motivo é que a Lotus e a Novell tinham anunciado publicamente que não voltariam a recorrer aos «serviços» da BSA na América Latina? O artigo de Rachel Burstein sublinha que este caso está longe de ser isolado. De facto, a BSA está de tal modo ligada à Microsoft que alguns dos seus concorrentes abandonaram-na e foram juntar-se à Software Publishers Association. Esta organização, mais influente do que a BSA, mostrou-se muito crítica recentemente para com a Microsoft (apesar de esta empresa ser sua filiada)2.

A Microsoft também é acusada na indústria de ameaças de retaliação sobre parceiros demasiado independentes. Acontece que certos agentes de hardware, nomeadamente fabricantes de cartões como a Xircom, mas também construtores de chips e de microcomputadores, deixaram há muito de fornecer as características técnicas do seu material aos investigadores da Linux, que gostariam que este sistema operativo fosse compatível com o máximo de modelos. O que significa que estes industriais perdem deliberadamente o contacto com 8 milhões de utilizadores Linux. Por interesse? Evidentemente que não. Então, a única explicação lógica é que, se eles se mostrassem cooperantes com a Linux, poderiam ser alvo de represálias da Microsoft. De facto, seria muito fácil para a Microsoft não voltar a enviar a versão beta do Windows 98 ou do Windows NT às empresas que fabricassem produtos compatíveis com material Linux... Nada de explícito, evidentemente. Mas com respostas do género: «Ah, não receberam a versão beta do Windows? Com certeza que a embalagem se extraviou...» Ao fim de alguns dias, a empresa compreende, altera duas ou três características técnicas do seu produto sem avisar a Linux e dá conhecimento à Microsoft. E, como por milagre, recebe as tão esperadas versões beta. Encontram-se muitas histórias deste género na Internet. Mas, evidentemente, são apenas presunções.



Compreendemos que as práticas comerciais da Microsoft, na sua opinião, decorrem da coacção e da dissuasão. E as ofensivas contra os concorrentes directos?


A cultura da Microsoft é dirigida para a supressão da concorrência. O meio mais dissimulado e eficaz de matar os produtos rivais é rendibilizar o «efeito rede» (ou a necessidade de interoperacionalidade dos produtos informáticos) de que já falámos, para exportar o seu monopólio do Windows a todos os outros segmentos da indústria informática. Quando um editor de programas detém simultaneamente o sistema operativo (Windows) e as aplicações (Word, Excel, Explorer), é-lhe tecnicamente possível modificar o sistema operativo para que os produtos concorrentes se tornem instáveis ou inutilizáveis e, ao mesmo tempo, melhorar as prestações dos seus próprios programas.

Como funciona isso? Já vimos que os programas Microsoft podiam chegar a modificar componentes do sistema operativo do computador para o adaptar às suas necessidades. Por exemplo, você instala uma versão do programa de tratamento de texto Microsoft Word. Em vez de se limitar a copiar o programa para o disco duro, este processo modifica também certas componentes do sistema operativo, nomeadamente as bibliotecas partilhadas (DLL) cujo código informático é utilizado por vários programas. Estas alterações seriam impossíveis se as componentes fundamentais do sistema estivessem seladas. E, num mundo razoável, só muito raramente se devia poder tocar nisto, em caso de força maior ou se houvesse defeitos a corrigir. Mas no universo Microsoft, qualquer novo programa irá alterar duas ou três DDL em Windows. Para o adaptar às suas próprias necessidades... mas também por motivos menos confessáveis3.

Por exemplo, nestes programas de aplicações é fácil verificar a natureza do sistema operativo e retardar ou interromper o seu funcionamento se for descoberto um produto concorrente. É exactamente aquilo de que a Caldera acusa a Microsoft nos tribunais4. A Caldera é a empresa que comprou à Novel os direitos do sistema operativo DR-DOS, um primo do QDOS original Segundo a Caldera, quando a Microsoft lançou o Windows 3.1 (e o problema mantém-se com o Windows 95) com uma camada de software a funcionar sobre sistemas da família DOS para tornar a sua utilização mais convivial, o programa efectuava um teste para ver qual o sistema operativo que equipava o computador. Se a máquina lhe respondesse «DR-DOS», o Windows 3.1 recusava-se a funcionar. Exigia a presença do MS-DOS! Espero que seja possível comprovar estas alegações, agora que o tribunal ordenou à Microsoft que pusesse o código de origem do Windows 95 à disposição dos advogados da Caldera5.

É fácil imaginar uma manobra semelhante mas inversa entre o sistema operativo e os programas de aplicação. Constatei, de forma empírica, que, se instalar o navegador Internet Explorer num PC já munido do Netscape Navigator, este começa de súbito a funcionar pior. A única hipótese plausível é que o Explorer, ao ser instalado, venha alterar certas componentes do Windows que, de facto, nunca mais faria funcionar correctamente o Navigator. Emprego aqui o condicional, porque todas estas práticas são muito difíceis de provar, visto que os códigos de origem de todos estes produtos estão protegidos pelo sigilo comercial. Em todo o caso, a prática parece antiga. Nos anos 80, já se sabia que o tão popular Lotus 1-2-3 funcionava muito mal em DOS. Nessa época, os informáticos costumavam até dizer, por graça: «DOS is not done until Lotus 1-2-3 is undone». O DOS não estará feito enquanto o Lotus 1-2-3 não estiver desfeito.

Com efeito, a Microsoft tem a possibilidade técnica de organizar, em segredo, a sabotagem dos produtos da concorrência na sua própria plataforma. E como um programa para PC que não for totalmente compatível com o Windows é um produto morto, esta técnica pode revelar-se terrivelmente eficaz... São práticas que dão que pensar às propriedades ocultas da hera, conhecida por envenenar as raízes das plantas vizinhas. Plante por exemplo um belo loureiro ao lado de uma hera e verá que ele morre ao fim de algumas semanas. É quase sempre a sorte que espera os editores que pretendem escrever produtos melhores do que a Microsoft na plataforma Windows.



Logo que os produtos concorrentes são suprimidos, a Microsofi não tem mais nada a fazer a não ser tomar de assalto o mercado com os seus próprios programas?


Exactamente. A Microsoft é de tal modo poderosa... que pode contentar-se em anunciar que vai sair um produto concorrente, ou uma nova versão do mesmo produto, sem o fazer imediatamente. Esta prática que consiste em anunciar novidades que não existem é moeda corrente na indústria informática, mas a Microsoft é a campeã incontestável. Isto tem o nome de vaporware. Uma fraude, ou o equivalente em alta tecnologia a «amanhã, fazemos a barba de graça». Hoje não lhe dão nem um ovo, mas prometem-lhe uma galinha para amanhã. O consumidor não compra produtos testados e baratos, porque a Microsoft lhe promete que, no dia seguinte, fará sair um programa maravilhoso que funcionará muito melhor. Infelizmente, quando uma empresa se chama Microsoft beneficia de um forte dispositivo mediático e vende a um publico inexperiente, o vaporware impede que os concorrentes apoderem de quotas de mercado às quais eles poderiam aspirar que dá tempo de implementar as medidas necessárias para lhes fazer frente.

O primeiro exemplo célebre de vaporware é, em 1988, o lançamento do Microsoft Word 3.0. Bill Gates mostra então o protótipo do produto cheio de falhas, que, aliás, avaria a sua própria máquina... E no entanto, depois disto, as pessoas não compram o produto concorrente Word Perfect. Esta prática mantém-se nos nossos dias. Na Primavera de 1998, a Microsoft explicava que ia pôr em circulação uma versão beta do seu sistema NT 5.0, para postos de trabalho e servidores, que incluiria todas as funções avançadas do servidor Novel e melhores ainda. Mas, em Outubro de 1998, esta «maravilha» ainda não tinha surgido no mercado. A estratégia é clara. Trata-se de incitar o cliente a manifestar o NT 4.0 e a aguardar os melhoramentos iminentes da versão 5.0... em vez de optar por produtos já disponíveis, como o NDS da Novell, ou servidores Hewlett Packard ou Sun, por exemplo.



A outra prática controversa da Microsoft consiste em ligar os seus novos programas aos produtos já quase em monopólio...


Sim, a Microsoft utiliza o seu poder de coacção para impor os seus novos programas, muitas vezes piores do que aqueles que existem no mercado, com um produto em monopólio. Um exemplo: o Windows 98 inclui o programa de organização Outlook, que enfurece todos os editores de produtos semelhantes. Como pode você convencer um utilizador a comprar um programa concorrente, se ele dispõe já do Outlook, integrado no Windows 98 e que já pagou com o sistema operativo?

Mas o exemplo mais flagrante desta prática, aquele que está no centro da acção do Departamento da Justiça americano, é o caso do navegador Internet Explorer. Foi o próprio Bill Gates que confessou que o Explorer era, à partida, de muito má qualidade6. Christian Wildfeuer, um quadro da Microsoft citado pela revista Time, reconheceu num e-mail, em Fevereiro de 1997: «Seria difícil aumentar a nossa quota de mercado apenas com base nos méritos do Internet Explorer 4. Importa investir no activo do sistema operativo para levar as pessoas a utilizarem o Internet Explorer em vez do Navigator»

Para impor o Explorer - exactamente como tentara um pouco impor o seu serviço em linha -, a Microsoft pediu aos construtores de material informático que o pré-instalassem nas suas máquinas, em série, ao mesmo tempo que o Windows 95. Depois, como a conquista da Internet revelava a pouco e pouco a prioridade da Microsoft, a etapa seguinte consistiu em integrar o Explorer no Windows 98: em plantar as suas raízes no próprio código do sistema operativo, de tal modo que dificilmente pudesse ser erradicado. O argumento incontornável, perante os media e o grande público, era que o Explorer era um «extra» oferecido pela Microsoft. Esta manobra hábil permite que o editor imponha o Explorer em detrimento do Navigator... e simultaneamente se mostre bem aos utilizadores, a quem «ofereceu» o navegador.



Mas por que razão é que eu, enquanto consumidora, havia de recusar um programa gratuito, que além disso me simplificava a vida, visto que não tinha de arranjar o Netscape?


Porque, desse modo, você ajuda a Microsoft a construir um monopólio assente na transmissão da informação, o que vai contra os seus interesses. Porque se trata de um presente envenenado que, a prazo, a priva totalmente da possibilidade de escolher. Em primeiro lugar, trata-se verdadeiramente de um presente? O utilizador tem de pagar 23 contos para passar do Windows 95 pai o Windows 98 (ou 54 contos se não tiver o Windows 95). Ou então, quando compra uma nova máquina, paga o Windows com o sistema. Por isso, o facto de se afirmar que o Explorer, que está ligado ao Windows, é gratuito e que o resto é que custa caro é um mero artifício contabilístico.

O Navigator, rebaptizado de Communicator, não só é gratuito como é livre. Ou seja, o seu código de origem foi tornado público (ver v capítulo).

Para compreender até que ponto a noção de preço é artificial no mundo Microsoft, não há melhor do que o caso do sistema operativo Windows NT. A empresa comercializa duas versões de

Windows NT: uma, a NT Workstation, destinada a postos de trabalho (ou seja, a máquina cliente, que recebe a informação), é vendida a cerca de 60 contos. A outra, a NT Server, destinada a servidores (a máquina que difunde a informação), é vendida a 180 contos. A segunda inclui entre outras coisas uma série de programas suplementares para servidores, como o Internet Information Server, que a Microsoft afirma serem «gratuitos». Ora o que constatamos quando observamos o que contêm verdadeiramente os CD-Rom? Se retirarmos tudo o que é artificialmente «gratuito», os dois programas têm exactamente as mesmas linhas de código... com uns bits de diferença. Trata-se de uma entrada na base dos registos que contém o «Workstation» ou «Server», mais um outro pequeno bit, bem escondido, para complicar a vida aos espertinhos que gostariam de poupar 120 contos.

Conclusão: se a Microsoft fala verdade, ou seja, se todos os pr gramas incluídos no NT Server (IIS, etc.) são gratuitos, então as duas pequenas chaves que ocupam alguns bits são facturadas... a 120 contos. Assim, é dificil livrarmo-nos da sensação muito desagradável de termos sido não só ridicularizados como espoliados7.

Mas voltemos aos nossos navegadores. Importa compreendermos que, na realidade, ao aceitar o Explorer (mesmo que seja gratuito), é você que está a dar um presente formidável à Microsoft, porque passa a figurar nas estatísticas como mais um utilizador do Explorer. E, nestas guerras de modelos, as quotas de mercado valem ouro, mesmo que não gerem lucros directos. Com efeito, quando o Explorer atingir 80 ou 90 por cento do mercado dos navegadores Internet, isso dará à Microsoft um impulso suplementar para estender o seu domínio à cadeia Internet. A empresa de Seattle pode começar por modificar um pouco os seus produtos para fazer de conta que o servidor que funcionará melhor com o Explorer será justamente o servidor Microsoft NT, munido de um programa Internet Information Server... E, a acreditarmos em certos internautas, isso já estaria mesmo feito. O IIS responderia mais rapidamente ao Explorer do que aos outros navegadores.

A Microsoft pode então ir ver todos os difusores de conteúdo na Internet - os Time Warner e outros Disney do planeta - e explicar-lhes que têm de utilizar o seu servidor NT. Em Junho de 1998, a Microsoft já tinha conquistado 22 por cento deste mercado, contra 9 por cento para o Netscape, e 49 por cento para o programa livre Apache, segundo o gabinete Netcraft. Se a Microsoft detivesse os mercados do navegador, do servidor e do PC, ser-lhe-ia muito fácil «microsoftizar» as linguagens de comunicação entre estas máquinas. O que desencadearia, como já vimos, um controlo quase total da informação.



Certas consequências destas práticas que você considera perigosas são já hoje perceptíveis?


Os que me considerarem excessivo ou caricatural podem observar o que se passa na Internet. Certos sites que pertencem à Microsoft estão desde já interditos aos adeptos de outros navegadores, como o Navigator, o Lynx, o OmniWeb ou o Opéra. Um exemplo: os utilizadores do, Navigator que tentam ligar-se à Internet Gaming Zone, um dos melhores sites de jogos de estratégia em rede comprado em 1996 pela Microsoft, vêem aparecer a mensagem seguinte: «Desculpe. Por motivos técnicos (a técnica tem as costas largas!), a Zona não pode por instantes funcionar com o Navigator 3.0 nem com versôes mais recentes. Estamos fazer o possível por restabelecer esta função e pedimos desculpa por este inconveniente... Enquanto espera, convidamo-lo a telecarregar gratuitamente o Internet Explorer.» A Microsoft tinha começado por reservar o acesso deste site apenas aos utilizador do Windows. Agora, também é preciso ter o Explorer. Não tenho dúvidas de que muitos jogadores inveterados se deixarão «microsoftizar» para não serem excluídos da sua Zona... O mesmo género de aventura espera os internautas adeptos do Star Trek quando visitam O site do seu folhetim de culto no MS (startrek.msn.com).

É difícil justificar este sectarismo da parte dos sites Microsoft invocando motivos técnicos. No caso da Internet Gaming Zone por exemplo, tudo corria bem com o Netscape antes de ter sido comprado pela Microsoft, e foi preciso investir tempo e energias para o modificar para que o Netscape já não funcione.

Para lhe dar um exemplo de carácter mais nacional, o programa Nabucco utilizado pela administração pública francesa na gestão financeira está hoje concebido de tal forma que todos os clientes podem ter acesso a ele, utilizando o protocolo aberto da Telnet, uma das mil e uma componentes livres sem as quais Internet não existiria. Isto significa que um Mac, um posto Sun ou um PC Linux podem hoje, com um esforço suplementar minimo, ser utilizados como postos de trabalho. Infelizmente, a nova versão do Nabucco vai ser «integrada» no Windows, para que você só possa utilizá-lo se tiver um PC com Windows. No entanto, nada obrigava a administração francesa a fazer uma escolha que não lhe interessa.

Essa incompatibilidade programada dos sites Microsoft com os navegadores da concorrência - utilizados mesmo assim por cerca de 45 milhões de internautas! - leva-nos a pensar que actividade Web da Microsoft existe mais para reforçar o seu domínio na indústria do software... do que para criar um novo negócio. Seja como for, com a força que lhe conferem os 55 por cento de quota de mercado dos navegadores, a Microsoft convenceu um numero crescente de fornecedores de conteúdo independentes a optimizarem o seu site para o Explorer, ou seja, a proibirem o acesso a tudo o que não seja Explorer.

É designadamente o caso da Internet Superstore da cadeia britânica Tesco", que, com o pretexto de que só utiliza as «tecnologias Internet mais modernas», proíbe o acesso do seu site aos navegadores não compatíveis com as linguagens Microsoft, ActiveX ou BVScript... Que engano! A realidade é que a Tesco investiu dinheiro para se libertar de metade dos seus potenciais clientes. É tão absurdo como abrir um novo supermercado que, por exemplo, só deixasse entrar clientes com sapatos castanhos!

Queria aproveitar a oportunidade para fazer um comentário geral sobre o «terrorismo» das estatísticas e das quotas de mercado. Basta que um programa seja incluído no Windows para que, automaticamente, cada utilizador do Windows seja contado como utilizador desse programa. Trata-se de uma contabilidade pelo menos aproximada. Vejamos o meu próprio caso: como já comprei quatro microcomputadores onde o Windows vinha instalado, equivalho a quatro utilizadores de Windows nas estatísticas da indústria... apesar de o meu primeiro gesto assim que recebo a máquina ser, pelo contrário, a desinstalação do Windows para o substituir pelo NextStep ou pelo Linux!



Apoiada nos seus 180 milhões de contos de liquidez, a Microsoft pode comprar tudo o que lhe apetecer ou que a incomodar?


Com efeito, assim que alguma coisa interessante surge no ecrã radar da Microsoft, a empresa faz todas as diligências para que esse produto não seja incómodo. Quaisquer que sejam as suas motivações, todos os anos a Microsoft compra participações em cerca de trinta PMEs tecnológicas em todo o mundo. Em domínios tão variados como os sistemas operativos, as aplicações para PCs, os servidores, os modelos multimedia e a Internet, a tecnologia Java, as transacções financeiras na Internet, os novos media electrónicos interactivos, os jogos vídeo, os acessos em rede e o cabo. É um site Web que faz a contabilidade'8impressionante de tudo isto, mas também podemos ver a versão «oficial», evidentemente menos explícita, na Microsoft'9.

A Microsoft tem o hábito de eliminar pequenos concorrentes potenciais apropriando-se da sua tecnologia. Há casos em que o editor de Seattle roubou pura e simplesmente os produtos das PMEs concorrentes, copiando sem vergonha a tecnologia para a integrar na sua oferta. Foi o que se passou por exemplo com a empresa Stac, que concebeu o compressor de disco duro Stac, que conseguiu provar o que se passou e ganhou a causa em tribunal10. Citemos igualmente a TV Host, cujo Guide TV foi, segundo o seu vice-presidente Mike Jeffress, simplesmente copiado e incluído no Windows 98.

Noutros casos, a Microsoft compra uma licença para tecnologias de que não possui qualquer know-how ou então adquire na totalidade as empresas que as inventaram. Estas operações têm o nome de buy in. Foi assim que a Microsoft adquiriu a empresa Web TV, para entrar a todo o momento no negócio do acesso à Internet, via televisão. No entanto, note-se que, quando o gigante de Seattle se contenta em comprar a tecnologia de uma empresa mais pequena do que ele, esta é quase sempre empurrada para fora do mercado. Dois dos «parceiros» recentes da Microsoft moveram-lhe processos em tribunal. Trata-se em primeiro lugar da Spyglass, cuja tecnologia Mosaic serve de base ao Explorer. No acordo de licença assinado na época, estava previsto que uma pequena percentagem dos direitos de autor do Explorer reverteria a favor da Spyglass... Ora a Microsoft, que pretende agora oferecer o seu navegador, de um dia para o outro deixou de pagar royalties à Spyglass, que recorreu à justiça'.


Mas o caso mais significativo é sem dúvida o da RealNetworks, a empresa que introduziu o modelo popular RealAudio para transmitir som em directo na Web. Dentro da sua lógica de controlo de todos os modelos da rede, a Microsoft tentou comprar a Real Networks. Mas o seu patrão, Rob Glaser, quis ceder apenas 10 por cento do capital em troca de uma licença sobre uma parte da sua tecnologia. Foi uma ideia péssima. A Microsoft aproveitou-se destes conhecimentos para desenvolver o Netshow, um produto concorrente, que agora distribui «gratuitamente». Em seguida, recusou-se a comprar a licença para as novas versões do RealAudio e do RealVideo. E, segundo Rob Glaser, também alterou os seus programas para impedir o RealAudio de funcionar bem.

Noutros casos, a Microsoft não comprou uma tecnologia, mas ostensivamente quotas de um mercado que não conseguira conquistar. Foi assim que os assinantes do serviço de correio electrónico gratuito Hotmail se viram integrados de um dia para o outro no site MSN Internet Start. É que a audiência torna-se estratégica na guerra das portas de entrada na Net...

Outras operações são, pelo contrário, um buy out, ou seja, uma técnica puramente negativa cujo objectivo é eliminar a tecnologia ou o produto comprado... para que uma plataforma concorrente não tire benefícios deles. Há um exemplo bastante significativo de buy out na guerra entre a Microsoft e a Java. A Java é uma linguagem aberta desenvolvida pelo Sun Microsystem e que liberta os utilizadores da plataforma. Permite que se passe sem um computador equipado com Windows para executar programas interessantes na rede. Para que a Java seja um concorrente eficaz, é preciso que esta linguagem disponha de sequências burocráticas, de sequências de software, em suma, de um bom ambiente de desenvolvimento. Ora uma PME inovadora, a Cooper & Peters, criara justamente um início de sequência burocrática, o EyeOpener, que tinha potencial para vir a ser o equivalente do Microsoft Office em qualquer computador equipado com a Java, incluindo, bem entendido, aqueles que não tinham o Windows11. Pois bem, a Microsoft comprou o EyeOpener, pouco depois da sua apresentação, oficialmente para «acelerar a penetração das bibliotecas Java da Microsoft». Mas actualmente, já ninguém ouve falar deste produto. E dificil não pensarmos que o único objectivo desta compra foi erradicar um programa subversivo.

Quando a Microsoft não pode fazer um buy out sobre produtos ou sobre uma empresa, fá-lo sobre a massa cinzenta. Foi o que se passou com a equipa de investigadores da Borland, que criara um excelente compilador chamado Delphi para linguagem de programação. O Delphi incomodava a Microsoft, cuja oferta não era de tão boa qualidade? Não houve problema! A Microsoft fez uma oferta fabulosa a estes talentos para que eles fossem trabalhar em produtos concorrentes. O que pode não ser ilegal em termos formais, mas é contrário a todas as práticas da profissão'12. Então, a Borland abandonou esse campo minado para onde a Microsoft lançara o seu produto condenado, adoptou o nome de Inprise e procura outro nicho de mercado.



Não há dúvida que essas práticas são brutais. Mas em que medida são repreensíveis? Elas não constituem, no fundo, a aplicação fria das regras básicas da actividade empresarial: eliminar a concorrência nos seus pontos fracos?


As manobras do buy in e do buy out talvez não sejam ilegais, excepto quando existe uma cópia selvagem da propriedade intelectual registada. Mas, praticadas a esta escala por um agente tão rico, elas constituem um risco para a criatividade da indústria. Ora só a inovação sem entraves garante o progresso. Sobretudo quando o censor tecnológico universal tem o nível científico deplorável da Microsoft.. Repare nas conferências de técnicos que desenvolvem o Windows CE. Assistimos ao espectáculo desolador dos escravos que procuram migalhas na mesa do senhor. No fundo, eles perguntam a si próprios: «O que posso eu fazer que não passe a interessar imediatamente à Microsoft?» A partir do momento em que a Microsoft afirma, por exemplo que seria bom que o reconhecimento da escrita fosse integrado no seu próximo sistema operativo, mais ninguém se lança neste domínio. A este nível, nem é preciso praticar o vaporware.

Daqui em diante, as únicas inovações «boas» serão as que servirem os interesses da Microsoft... Mas, para parodiar a frase que outrora se aplicava à General Motors, temos a certeza que o que é bom para a Microsoft é bom para o mundo? Larry Ellison, o patrão da Oracle e inimigo figadal de Bill Gates, descreve o fenómeno como «um combate da Microsoft contra a Humanidade... e a Humanidade parte derrotada!»



A aceitação dessas práticas não advém do facto de a estandardização em torno da plataforma «Wintel» ser uma verdadeira locomotiva para esta indústria? Do facto de centenas de milhares de empresas viverem do mercado do PC detido pela Microsoft? E, por conseguinte, do facto de todos os utilizadores, sejam eles o grande público ou os profissionais, daí retirarem mais beneftcios do que prejuízos?


Esse argumento, tantas vezes brandido pelos defensores da Microsoft, é pura e simplesmente ridículo. Sempre que se quer defender um monopólio, diz-se que mais vale um mau modelo do que nenhum. E uma leitura muito superficial do fenómeno. A medida que a hegemonia do detentor do modelo se afirma, os inconvenientes ultrapassam largamente as eventuais vantagens do início. Porque a empresa em situação de monopólio está então em condições de descansar sobre a tecnologia e de matar a inovação. O falso modelo Microsoft - que não é senão a ubiquidade de uma marca que abrange produtos muito diferentes - arrisca-se pelo contrário a induzir uma evolução muito mais lenta da indústria do que se não existisse modelo nenhum.

Sobretudo, mais vale um verdadeiro modelo, que, para ser digno deste nome, deve ser aberto, documentado e capaz de garantir a interoperacionalidade de diversos componentes, do que um falso modelo, fechado e alterado de dois em dois minutos ao sabor dos interesses do seu proprietário exclusivo. Uma das melhores anedotas que correm em Silicon Valley ilustra bem o meu propósito: quantos engenheiros da Microsoft são precisos para mudar uma lâmpada? Nenhum. Basta que Bill Gates decrete que a escuridão se tornou um modelo!

Em todo o caso, tenho dificuldade em engolir a ideia segundo a qual foi o modelo Intel que permitiu a explosão espectacular da inovação. Não se esqueça que, em meados dos anos 80, os Amiga e outros Atari forneciam máquinas multimedia muito poderosas e inovadoras, enquanto os utilizadores do MS-DOS continuavam a bater «dir/w» em frente de ecrãs alfanuméricos. E pensavam nessa época que a única relação existente entre um rato e um computador era o risco de ver o primeiro a roer o cabo de alimentação do segundo. Nessa época, a imprensa explicava que o multimedia era um dispositivo fútil, a evitar absolutamente numa empresa. Graças à Microsoft, o multimedia arranca com mais de dez anos de atraso. Não falemos mais dos chips Intel que, com o seu lamentável mecanismo de segmentos acoplado ao não menos lamentável Microsoft Basic limitado a 64 quiloctetos, obrigaram milhões de utilizadores durante longos anos a utilizar apenas um décimo da memória pela qual tinham desembolsado somas bastante consideráveis...

Não, o verdadeiro factor da explosão recente desta indústria é, evidentemente, o enorme sucesso da Internet e da Web, que a Microsoft ignorou durante muito tempo. Obras como Barbarians Led by Bill Gates, escrita por dois ex-programadores da Microsoft, mostram-no bem13. A Microsoft também não tem nada a ver com o aparecimento do modelo aberto da Web que permitiu a sua evolução espectacular. Pelo contrário, são estes mesmos modelos da Web, completados pela interface convivial procurada pelos navegadores, que poderiam eventualmente permitir escapar à «taxa Windows» a quem o desejasse. Tal seria, por exemplo, a vantagem de uma plataforma universal de tipo Java, visto que esta linguagem é suficientemente completa para que um programa escrito em Java possa funcionar em todos os tipos de máquinas, com todos os sistemas operativos que suportam a Java Virtual Machine.

É por isso que a Microsoft tenta simultaneamente «microsoftizar» a Java, o que lhe vale aliás um processo da Sun, e deitar a mão aos modelos da Internet. Infelizmente, esta empresa poderia consegui-lo, porque aquilo que faz a força da Internet constitui também a sua fraqueza: a rede, que funciona com modelos abertos, não é controlada praticamente por ninguém. Por uma vez, não há um grande protagonista, mas sim o sector em peso, que pode defendê-lo com eficácia dos apetites hegemónicos.



E os governos?



Os estados parecem não ter compreendido o que está verdadeiramente em jogo nestas lutas. Pior: parecem ignorar que têm um papel importante a desempenhar no futuro de uma tecnologia que é portadora de tantas promessas para todos nós mas também de tantos perigos, se for desviada e posta ao serviço de interesses particulares. Creio que, daqui em diante, o esforço só pode vir do grande público.




IV


OFENSIVA SOBRE A MASSA CINZENTA



Apesar de a notoriedade da Microsoft ser forte junto do grande público, é quase inexistente ou negativa nos meios académicos e universitários...


A Microsoft tem lucros enormes. É preciso gastá-los em qualquer lado. Ora a empresa era criticada porque era a única do mundo da informática a não investir na investigação e a não ter qualquer gesto para com a educação. Então, com a dupla preocupação de se abrir aos mercados e de retocar os dourados do seu brasão tecnológico, a Microsoft lança em todo mundo uma grande ofensiva de charme junto dos meios científicos, universitários e escolares. Certas operações servem apenas para melhorar a imagem de marca: os donativos às grandes universidades são uma forma de a empresa ganhar prestígio e credibilidade junto destas instituições. Foi o caso do «grande» donativo de 20 milhões de dólares feito à Universidade de Stanford, há uns anos, para que ela construísse um edifício com o nome de Bill Gates. O edifício acabou por custar muito mais caro, mas Gates não deu nem mais um cêntimo, e há salas com o nome de mecenas japoneses! Em Stanford, há quem lamente que, em troca deste dinheiro, a faculdade tenha aceitado facilmente dar uma aura a uma personagem que, no mundo científico, nunca a teve.



Mas a Microsoft não procura agora ganhar o reconhecimento do establishment cientifico?


É preciso dizer que, até aí, os empregados da Microsoft não tinham qualquer credibilidade na comunidade científica. Ao contrário dos investigadores da IBM ou da DEC, até 1995 eu nunca vira ninguém da Microsoft dar uma contribuição significativa a um colóquio de alto nível nos domínios que eu conheço. O objectivo é inverter esta imagem. A Microsoft quer atrair para os seus laboratórios investigadores, matemáticos e informáticos de grande nomeada. A empresa, que não é apreciada nos meios universitários, vê-se obrigada a seduzir os investigadores, propondo-lhes condições de trabalho excepcionais. Não só estes cientistas são extremamente bem pagos como são verdadeiramente livres:

De facto, a Microsoft começou a investir recentemente na investigação, à qual consagra mais de 3 biliões de dólares por ano. A empresa afirma ter criado o laboratório Microsoft Research de Seattle em 1991, mas este só se tornou visível e importante em 1995. Este laboratório emprega actualmente duzentos investigadores, repartidos por doze grupos que trabalham em temas tão diversos como o reconhecimento vocal, a teoria das decisões ou o grafismo a três dimensões. Depois dos Estados Unidos, a Europa. Em 1997, a Microsoft investiu 600 milhões de dólares para abrir em Cambridge, na Grã-Bretanha, um laboratório de investigação muito semelhante ao Computer Lab da Universidade. A empresa investiu também, com os protagonistas do capital de risco local, nos start-up da região. Em Cambridge, a Microsoft Research prevê recrutar quarenta investigadores que trabalharão essencialmente nas redes informáticas, na criptografia e nas linguagens de programação. Existe um projecto semelhante na Índia.

È preciso dizer que, até aí, os empregados da Microsoft não tinham qualquer credibilidade na comunidade científica. Ao contrário dos investigadores da IBM ou da DEC, até 1995 eu nunca vira ninguém da Microsoft dar uma contribuição significativa a um colóquio de alto nível nos domínios que eu conheço. O objectivo é inverter esta imagem. A Microsoft quer atrair para os seus laboratórios investigadores, matemáticos e informáticos de grande nomeada. A empresa que não é apreciada nos meios universitários, vê-se obrigada a seduzir os investigadores, propondo-lhes condições de trabalho excepcionais. Não só estes cientistas são extremamente bem pagos como são verdadeiramente livres: como não se regem por um programa de investigação rigoroso, fazem exactamente o que querem. Aliás, há que realçar que as empresas que possuíam tradicionalmente grandes laboratórios, como a Hewlett-Packard ou a Digital (comprada pela Compaq), começam a ter dificuldade em financiá-los. As pessoas que querem fazer investigação de base com um grande orçamento e um belo salário já não têm grande escolha. A Microsoft pode, pois, abrir as portas dos seus laboratórios à imprensa, assim como aos seus convidados e aos clientes da marca, um pouco como alguém que mostra as suas peças exóticas ou a sua colecção de arte contemporânea aos convidados que quer impressionar.



Mas o recrutamento de pessoas de elevado nível cientifico não pode exercer a prazo, uma influência positiva na qualidade e no carácter inovador dos produtos Microsofi?


E a Microsoft servir-se-á do que sai dos seus laboratórios para inovar? É difícil prever. Mas a sua história tende a provar o contrário. Há alguns anos, a Microsoft desenvolvera o Xenix, um sistema Unix destinado aos PCs. Os seus técnicos possuíam o código e os direitos que teriam permitido aperfeiçoar o seu método de gestão de ficheiros. Nunca se serviram dele. Se observarmos a evolução da Microsoft, o seu êxito nunca esteve ligado nem à qualidade nem à inovação. Para alterar esta situação, seria precisa, sem dúvida, uma verdadeira revolução cultural no seio da empresa. Em todo o caso, para já, estes investimentos não alteram a minha opinião acerca desta empresa. A Microsoft faz compras nos mercados da inteligência e da massa cinzenta, assim como nos mercados da tecnologia e das PMEs inovadoras.

Para que serve isto? Sobretudo para aumentar a credibilidade da empresa, para lhe dar um álibi científico. Porque actualmente precisa dele mais do que nunca. A Microsoft está num verdadeiro ponto de viragem estratégica da sua história. Para seduzir o grande público com a burocrática, bastariam a publicidade e o apoio da imprensa. Mas se entrar nos mercados profissionais mais técnicos como o dos servidores ou o da gestão de bases de dados, o controlo dos satélites e as transacções bancárias, será preciso provar que tem sólidas competências tecnológicas para criar produtos fiáveis.



Desconfia muito dessas iniciativas...


Porque desconfio que, por trás desses investimentos, há uma motivação mais secreta: se os dirigentes da Microsoft pretendem verdadeiramente, como dão a entender, conquistar 100 por cento dos diversos mercados-alvo que já identifiquei, falta-lhes conquistar o único bastião que ainda lhes resiste - visto que a pequena aldeia gaulesa se recusa a submeter-se à lei do Império Romano -, ou seja, a universidade. Porque, para subjugar a universidade, não bastam alguns bons artigos na imprensa especializada. Aqui, tanto na École Normale Supérieure como noutros estabelecimentos de ensino, há estudantes e professores cuja razão de ser é estudar os problemas fundamentais da informática, sem se preocuparem com a imagem de marca desta ou daquela empresa. Aqui, o que interessa é «como» resolver os problemas e não «quanto» dinheiro se pode ganhar «ensalsichando» as soluções para maximizar os lucros.

Isto leva-nos também a comparar materiais e programas de todos os modelos, a abrir todas as capotas, a descascar milhares de linhas de código para compreender o seu funcionamento, os seus defeitos e os problemas que esses defeitos escondem. Em definitivo, isto permite-nos ter uma noção livre e independente da qualidade dos produtos de uns e de outros.


Quer dizer que o fim último desta ofensiva sobre a academia consiste em suprimir o nosso livre arbítrio?


Examinemos bem o quadro completo do jogo de xadrez que está prestes a disputar-se. A Microsoft vende-nos caro produtos medíocres que não queremos, e esta empresa monopolista obriga-nos a pagar uma taxa sobre a informação quando ela muda os seus modelos. Além disso, priva-nos de recursos legais se os produtos não funcionarem como esperamos... Mas, apesar de tudo, resta-nos uma derradeira liberdade: a de reflectir, avaliar, formar com toda a independência a nossa própria opinião comparando diversas soluções. E, por fim, a liberdade de desejar escolher outra coisa. E esta comparação já foi feita em locais onde o que está em jogo não é o dinheiro mas sim o conhecimento. Locais que se chamam escolas e universidades.

Ora esta diligência é extremamente subversiva, porque o essencial dos esforços comerciais da empresa consiste justamente em privar, de forma dissimulada, os consumidores da sua liberdade de escolha, obrigando-os a aceitar essa amálgama totalmente injustificada entre infra-estruturas livres como a Internet e utensílios extraordinários, como os computadores, por um lado... e os produtos Microsoft, por outro. Infelizmente, esta amálgama está a ganhar terreno. Se, na Argentina, você perguntar a um principiante o que é a Internet, arrisca-se a ouvir responder: «Um produto Microsoft».

A capacidade de testar os produtos, de os comparar com outros que funcionam melhor é, de certo modo, a última defesa contra uma «microsoftização» total da informática. Mas se as pessoas foram impedidas de ver outra coisa desde a escola primária, este recurso desaparece. Façamos uma comparação simples: quando comemos, sabemos perfeitamente distinguir um prato medíocre do tipo hamburger de um prato saboroso, como o confit de pato. Se, pelo contrário, você só comeu hamburgers da MacDonald's desde que nasceu, o seu gosto fica pervertido para toda a vida. Você nem sequer sabe o que poderia comer de melhor...


Então é preciso evitar sistematicamente a aproximação entre a universidade e a indústria? Isso parece artificial numa disciplina tão voltada para as aplicações.


De modo nenhum. Sou totalmente favorável à ideia de ultrapassar a separação entre as universidades e os industriais, que já durou muito tempo. Mas isto não quer dizer que a universidade deva vender a alma! É preciso não confundir domínio e cooperação equilibrada... E preciso compreendermos bem os termos da questão. A missão da escola e da universidade é proporcionar aos jovens uma formação durável e de longo prazo, de alto nível. Permitir que eles façam o que não poderão fazer na empresa:

tocar vários instrumentos sem se ligarem a nenhum. Consequentemente, desenvolver essa capacidade de análise crítica que os tornará competentes no seu domínio (seja o da informática, seja outro qualquer). Seria formidável não nos ficarmos pela teoria quando damos um curso de base de dados, de edição de texto, de programas de navegação no Web ou de protocolo de transmissão em rede. Podermos manejar uma grande variedade de produtos comerciais, e não só de programas livres, que são amplamente utilizados na universidade devido à sua gratuitidade.

Infelizmente, quase todas as empresas querem «vender», de uma forma ou de outra, os seus produtos aos estabelecimentos de ensino, seja facturando-os, seja garantindo que eles serão os únicos utilizados nos cursos. Ora as universidades não podem pagar milhares de escudos por cada pessoa que experimenta por pouco tempo o Windows NT ou qualquer outro sistema. E os professores não estão dispostos a fazer publicidade disfarçada ensinando aos seus alunos, de forma exclusiva, como funciona o Word, o Excel, o Windows NT, o Sybase ou o Oracle...

O que estes industriais poderiam fazer, aliás no seu próprio interesse, seria ajudarem as universidades a avaliar seriamente os seus produtos, a compará-los entre si de uma forma científica e equitativa. Mas este acesso sem inibições da universidade aos produtos não devia ser pago. No caso do software, em que o custo de uma cópia suplementar é nulo, os editores poderiam muito bem oferecer os programas.

O problema, como já compreendemos, é que este tipo de exercício se revelaria contraproducente para empresas como a Microsoft. Porque ele destruiria para sempre o mito que envolve o seu nome. E porque haveria o risco de se formarem gerações de decisores informados. Suficientemente informados, em todo o caso, para denunciarem, como eu faço aqui, o embuste do seu discurso promocional.



Falemos um pouco da Microsoft face aos meios educativos. O Gr@ine da Multimédia, desenvolvido em parceria com a Hewlett Packard, dotou doze escolas primárias francesas de microcomputadores com CD-Rom. O painel educativo do Compétence 2000 propõe-se ensinar Informática aos estudantes do ensino superior e aos professores principiantes dos institutos de formação dos mestres. Como avalia estas iniciativas?


Não como presentes de um filantropo indulgente. É preciso saber que, com estas operações, a Microsoft ganha em todas as frentes. Trata-se, na realidade, de matar vários coelhos de uma cajadada.

Primeiro, a empresa melhora a sua imagem cívica. Segundo, faz dos nossos filhos prescritores de produtos Microsoft, hoje... e futuros compradores, amanhã. Terceiro, toma posição nos mercados, como o da educação, que se tornarão colossais. Quarto, erradica o livre arbítrio precisamente onde ele devia criar raízes.

O primeiro objectivo foi desde já atingido. Graças à docilidade dos jornalistas, a Microsoft ganhou uma campanha gratuita na imprensa, onde a empresa surge como um mecenas generoso que oferece à escola instrumentos que lhe permitem adaptar-se à sociedade da informação. A Microsoft doa setenta e cinco mil contos no quadro da operação Gr@ine da Multimédia. A Microsoft oferece novecentos mil contos com o Compétence 2000, lê-se nos jornais. De facto, ao contrário do que a empresa habilmente faz crer, não se trata de presentes... ou então eles são muito baratos!

No caso do Gr@ine da Multimédia, quando a Hewlett Packard oferece microcomputadores, isso custa-lhe dinheiro. Não os 450 contos que você paga por um PC Pavillion, mas talvez metade. Em contrapartida, quando a Microsoft oferece programas (e com o Compétence 2000 nem sequer é o caso, visto que é preciso comprar um exemplar!), isso não custa à empresa mais do que umas centenas de escudos por CD-Rom. Então o presente corresponde apenas à poupança efectuada pelo estabelecimento de ensino (algumas centenas ou milhares de escudos que custa a licença do programa para cada posto em que está instalado)... Trata-se, na realidade, de um ausência de ganho em relação a uma situação de venda normal. Onde está a filantropia? O valor de um presente é o que isso custa a quem oferece; não o cálculo teórico daquilo que ele vale no mercado... No entanto, este sistema de cálculo é que é aplicado em todas as operações Microsoft nos Estados Unidos, em França, na Suíça ou na África do Sul.

Aliás, um verdadeiro presente - «sem fio», como dizem os americanos - teria consistido em deixar a escolha ao critério daqueles que a recebem. Andrew Carnegie, um grande filantropo americano do início do século, não fundou a Carnegie Mellon University oferecendo toneladas de aço que saíam das fábricas da Carnegie Steel Company. Não, ele ofereceu dinheiro com o qual a universidade foi livre de construir os seus edifícios no material da sua escolha: tijolo, madeira ou betão, como lhe apetecesse. E conduziu-se da mesma forma com o seu projecto de bibliotecas públicas. Em contrapartida, os «presentes» da Microsoft são uma maneira suplementar de apanhar os seus beneficiários na rede dos seus modelos. Se a empresa pretende verdadeiramente mostrar-se generosa, que dê dinheiro com o qual cada um poderá comprar o que lhe apetecer; incluindo computadores Macintosh e programas Netscape...



Mas, para instituições que têm orçamentos apertados, é muito difícil recusar donativos de equipamento ou de programas.


Não. É um falso problema. Porque, sobretudo no ensino, existem, outras soluções muito menos dispendiosas do que estes presentes envenenados: aquelas que se baseiam no software livre (ver v capítulo). Além disso, mesmo que, numa primeira fase, os industriais façam propostas sedutoras para tomarem posição no mercado, nada prova que eles não tentem em seguida aumentar os preços. E o método ultraclássico dos dealers da droga, que fornecem a primeira dose gratuita. Aliás, há precedentes. Em Dezembro de 1987, a Microsoft anunciou a supressão das «licenças de site» no Japão e empreendeu acções similares em todo o mundo.1 Este tipo de licença autorizava as universidades a pagarem os programas na proporção do seu uso real, e não em função do número de computadores nos quais estavam instalados. Estas alterações vão impor custos adicionais consideráveis, que os Japoneses vão ser obrigados a assumir, pois não existem outros concorrentes para os quais se possam voltar.

A outra vantagem das soluções à base de software livre é podermos usar material pretensamente ultrapassado em vez de máquinas caras indispensáveis para fazerem funcionar o Windows! A este respeito, o exemplo da Suíça é esclarecedor. Em Outubro de 1997, o ministro das Finanças suíço anunciou que fizera um acordo com a Microsoft cujo esquema era o seguinte:

a administração suíça punha à disposição das faculdades dois mil e quinhentos computadores de que já não se servia; e a Microsoft oferecia outras tantas licenças de utilização do Windows 95 e do Internet Explorer, assim como a formação de seiscentos educadores na utilização dos computadores. O que significa que, a um custo real inferior ao de uma campanha publicitária, a Microsoft estava prestes a criar a sua hegemonia na informáticas das faculdades (e consequentemente das empresas suíças, quando os alunos que só conhecessem o Microsoft Office chegassem ao mercado de trabalho).

Esta iniciativa acabou por fracassar. Porquê? Porque os velhos PCs da administração suíça, equipados na sua maioria com microprocessadores antigos - 468-, eram totalmente incapazes de fazer funcionar correctamente o Windows 95, que, como já vimos, era extremamente guloso em termos de potência. Se você quiser aceitar os «presentes» do monopolista do software, é obrigada a gastar uma fortuna em equipamento! Gostaria muito que os Suíços aproveitassem a ocasião para instalar programas livres, como o Linux ou o FreeBSD, em todas essas máquinas, de outro modo inutilizáveis.



Em França, a Educação Nacional de Claude Allègre parece-me mais atenta ao risco de controlo dos industriais. Apesar de ter assinado acordos-quadros com os fabricantes de material e os editores de software, teve o cuidado de não favorecer este ou aquele.


Isso não impede a Microsoft de abordar os estabelecimentos de ensino com propostas quase ditatoriais. O caso Compétence 2000 ilustra perfeitamente a má-fé da empresa: aproveitando-se do facto de ter assinado um acordo-quadro muito geral, a Microsoft apresentou aos estabelecimentos de ensino superior uma oferta muito desequilibrada em sua vantagem, em Março de 1998. Ora, ao contrário do que pretenderam verbalmente certos delegados comerciais da Microsoft, esta proposta nunca teve o aval do Ministério da Educação Nacional. E com razão! Basta ler atentamente o «Programa de Formação e Certificação Microsoft para Estudantes», que foi enviado aos IUTs e às universidades. Percebe-se que «novas tecnologias» significa exactamente «as novas tecnologias da Microsoft» (Guia do Programa, página 2). Percebe-se igualmente que o ensino das Novas Tecnologias só poderá ser ministrado por professores «certificados pela Microsoft» em «suportes de cursos Microsoft», dos quais é formalmente proibido «suprimir passagens», e cujo custo módico se eleva a 350 francos franceses livres de impostos por módulo e por aluno. Como contrapartida destas obrigações, o editor de software não se compromete a nada..., visto que «a Microsoft não garante que os Suportes de Cursos Microsoft estejam aptos a responder a necessidades ou a utilizações específicas, nem que possam atingir determinados resultados»! Com a compra do suporte de curso, a Microsoft envia-nos generosamente um cupão para uma primeira passagem gratuita do exame Microsoft. Mas além disso, os exames custam aos alunos a quantia de 530 francos franceses livres de impostos. Por uma questão de decência, passo para o fim do contrato, que obriga os estabelecimentos de ensino beneficiários destas larguezas a respeitar uma imensidão de condições limitadoras, apesar de não obrigar a nada estes falsos filantropos. Certos juristas poderão também explicar-lhe que é totalmente ilegal impor a esses estabelecimentos de ensino a «certificação» dos seus professores. Em suma, a Microsoft joga nesta história a «estratégia do cuco», que vai pôr os ovos no ninho dos outros! Convido-a a descobrir pelos seus próprios meios esta pérola na Web2.

Mas debrucemo-nos por instantes sobre estes cursos «de alto nível» que a Microsoft queria ver florir nos nossos estabelecimentos de ensino superior. O exame limita-se a uma série de perguntas de opção múltipla - algumas das quais são formuladas em inglês - do género: «Qual a quantidade de espaço que é necessária no disco para instalar a versão completa do cliente Exchange Server para Windows NT ou Windows 95?» Respostas possíveis: 8, 16, 22, ou 32 megaoctetos. Vê-se até que ponto este género de conhecimento aprofundado e altamente perene pode ajudar a nossa juventude na aprendizagem das ciências informáticas!

Na realidade, é evidente que se trata, para a Microsoft, nada mais nada menos, de formar mais jovens com o seu programa de certificação MCO, o mais depressa possível, na escola, para garantir que as necessidades do mercado serão satisfeitas por pessoas formadas nos «seus» produtos. Quanto ao conteúdo deste ensino, você poderá constatá-lo se telecarregar os exames em branco3: uma formação técnica contínua em conhecimentos que se tornam desactualizados quando surge a versão seguinte do programa. É o tipo de aprendizagem que deveria ser financiada pelas empresas privadas às quais interessa. Em todo o caso, este tipo de «formação Kleenex» não corresponde em nada à vocação dos estabelecimentos de ensino superior, que deveriam manter-se neutros em relação aos modelos industriais e transmitir aos alunos um saber que lhes fosse útil a longo prazo, aumentando o seu valor no mercado de emprego.

O cúmulo é que a Microsoft, que está claramente na posição de granjear clientes, tem a desfaçatez de inverter a relação de forças, tentando impor um máximo de limitações às universidades. E além disso, a empresa ainda queria que lhe agradecêssemos por nos ajudar a colmatar o nosso «atraso»!



Foram muitos os estabelecimentos de ensino que assinaram esse tipo de protocolo com a Microsoft?


Não. Foram muito poucos os que o assinaram. O risco de ver trezentas universidades cair nesta armadilha está eliminado, graças a uma reacção pronta do Ministério da Educação Nacional. Alertado por vários universitários que estavam admirados por ter recebido tal documento, o director de tecnologia do ministério escreveu uma carta aos directores do IUT, aos presidentes do conselho directivo das universidades e aos reitores das academias, a pô-los de sobreaviso. «A empresa Microsoft não pode em caso nenhum valer-se de um acordo assinado com o Ministério da Educação Nacional relativo a este programa específico», explicava na sua missiva. O que em linguagem burocrática significa mais ou menos: desconfiem, não assinem.

Os responsáveis pela educação nacional não estão menos preocupados com a falta de preparação das academias e das colectividades locais, face à ofensiva comercial agressiva de vários industriais da informática. Parece ser necessária uma melhor formação em deontologia educativa e no papel do ensino público. Em certas academias, a Microsoft parece já ter conseguido impor uma certa hegemonia. Recebo muitos correios electrónicos que pormenorizam esta táctica. Neste ou naquele liceu, as informações de carácter geral sobre o modo de ligação à Internet indicam que, em primeiro lugar, é necessário você inscrever-se no Wanadoo (o serviço da France Télécom equipado com o Microsoft Network) e depois lançar o Internet Explorer... sem mencionar outro fornecedor ou outro programa.

Pelo seu lado, em Junho de 1998, a Academia d'AixMarseille enviou às empresas de informática um apelo à parceria com vista ao fornecimento de serviços e à instalação em rede dos seus estabelecimentos de ensino. Mas aconselha fortemente os candidatos a seguirem para isso os seus conselhos académicos, em termos de equipamento e de programa, centrados... no servi-dor de rede local Windows NT. A oferta alternativa da empresa de Avignon Opal 1, que propõe soluções menos caras com funcionalidades comprovadas já instaladas em dois estabelecimentos de ensino privado), tem poucas hipóteses de ser considerada. Porquê? Porque em vez de seguir o modelo Microsoft baseia-se no software livre Linux.

A Opal 1 evoca, por acaso, uma aberração que aumenta as suas dificuldades: de acordo com as indicações do ministério, esta PME propõe soluções de locação financeira. Ora, os liceus têm um bom orçamento para investimentos, atribuído pela região, com o qual podem fazer aquisições, mas o seu orçamento de tesouraria varia muito de ano para ano e, portanto, não lhes é possível alugar computadores. Todas estas incoerências fazem o jogo da Microsoft, em detrimento dos estabelecimentos de ensino, que teriam vantagem em adoptar soluções mais eficazes e

mais baratas.



Existe uma ofensiva comparável da Microsoft aos estabelecimentos de ensino de outros países?


Já vimos o caso precursor da Suíça. Foi proposto um programa semelhante ao Compétence 2000 à Universidade de Buenos Aires, na Argentina (e felizmente rejeitado). Alguns dos meus colegas referiram-se a pressões para obrigá-los a aceitar o programa, comparáveis às exercidas pela BSA sobre a Antel no Uruguai. Nos Estados Unidos, esta conquista está mais avançada, porque é mais antiga. Apresentemos alguns exemplos. A Universidade do Estado da Califórnia (CSU) apoiou em 1997 a criação de uma sociedade de responsabilidade limitada, a CETI, pela Microsoft, GTE Fujitsu e Hughes Electronics. Em troca de um investimento de algumas centenas de milhões de dólares em dez anos na infra-estrutura da rede, a CETI teria o privilégio de escolher os computadores e os programas preconizados pelos vinte e três campus universitários da CSU, que abrangem um total de trezentos e cinquenta mil estudantes e professores. Isto é surpreendente? A proposta da CETI menciona exclusivamente o Windows 95, o Windows NT e o Microsoft Office. Não só a CETI teria exercido uma influência decisiva na formação dos decisores da amanhã, através da criação de cursos especializados de informática «própria», como teria igualmente arrecadado vários biliões de dólares de lucro em dez anos. Este golpe de mestre comercial, para o qual todas as decisões haviam sido tomadas às escondidas pela direcção, foi justamente evitado graças à mobilização excepcional dos alunos e dos professores da CSU, secundada por organismos como a NetAction.


Em contrapartida, outras universidades menos conhecidas, e menos ricas, já estão «microsoftizadas». Assim, o site da Business School da Universidade Pública do Estado de Idaho5 propõe cursos de design de sites Web. Bela iniciativa! O problema é que, se formos visitar o seu site, descobrimos que esses cursos «se centram na tecnologia Microsoft» e que são «patrocinados» pela Microsoft. A página principal do site comporta diversos ícones de publicidade para o Internet Explorer e para o BackOffice. A lista dos utensílios recomendados para os cursos só inclui programas Microsoft, cada um dos quais corresponde a um módulo específico. Por último, recomenda-se a leitura de dois livros: um generalista e o outro, editado pela Microsoft Press, sobre as tecnologias OLE e Active X (cujas terríveis deficiências em termos de segurança já referimos). Em contrapartida, não há vestígios de livros sobre os protocolos-tipo da Web, como o HTML e o TCP/IP ou sobre as linguagens mais utilizadas, como a Perl ou a Java. Eis o cursos que formarão gestores convencidos de que a Internet é uma inovação da Microsoft!

Para melhor penetrar nos campus, a Microsoft desenvolveu uma pequena rede de correspondentes nos Estados Unidos: um Braintrust com uma dezena de personalidades escolhidas com o maior cuidado, os «Microsoft Scholars». O editor de programas, que paga 1800 contos por ano a estes conselheiros, conta, em troca, ser esclarecido sobre a melhor maneira de trabalhar com o meio educativo. Estes Scholars são pessoas que passam a maior parte do seu tempo a reflectir ou a dar conferências sobre o modo como as tecnologias de informação são utilizadas nos estabelecimentos de ensino superior. E um grande número destas personalidades -como Steven Gilbert, um consultor de tecnologia filiado na Association for Higher Education, ou Kenneth Green, que publica um relatório anual sobre a informática nos campus - exercem uma influência directa nas compras de equipamento informático dos campus. Nos Estados Unidos, alguns vêem aqui um grande conflito de interesses. E possível mantermo-nos imparciais para com quem nos paga, por muito simbólica que seja a quantia4?



Além do poder económico e financeiro, uma parte da força da Microsoft assenta na sua capacidade para manter uma imagem de marca muito positiva. De tal modo que, na mente das pessoas, a Microsoft seja sinónimo de software último grito em termos de modernidade. Por que razão é que quer a imprensa especializada quer a imprensa generalista se mostram tão prontas, em França, a veicular o que lhe parece ser um mito?


Creio que a razão é muito simples: somos apenas seres humanos. E ninguém está verdadeiramente habituado à rapidez fulgurante a que as coisas evoluem no domínio da informática. Os jornalistas não têm tempo de analisar os produtos em pormenor. E quando o fazem em laboratório, limitam-se quase sempre a produtos comerciais bastante homogéneos que recebem das empresas e que comparam entre si. Não fazem o trabalho de análise necessário para revelar verdadeiras soluções alternativas. Será por ignorância ou por falta de arautos? Durante muitos anos, a imprensa especializada quase passou em silêncio o fenómeno do software livre, que é apesar de tudo o coração da Internet.

A outra razão, que pude verificar pessoalmente, é que escrever artigos de divulgação acessíveis exige muito tempo e energia. A tentação de reproduzir tal e qual um dossier de imprensa bem feito, fornecido por este ou por aquele editor de programas, pode ser muito forte. Daí o interesse de estabelecer eventuais acordos de cooperação entre universidades e jornais informáticos. Já era tempo que os jornalistas tentassem obter informações de qualidade junto das universidades e dos investigadores, e que estes se dessem aos trabalho de lhas fornecer.

A imprensa generalista revela os mesmos defeitos. Quando a Microsoft anuncia que vai investir 900 mil contos na formação em França, isso exige tempo, reflexão e conhecimentos para desconfiar de que, por trás desses números, se esconde dinheiro virtual. Em seguida, é preciso efectuar uma verdadeira investigação para recuperar o protocolo de acordo enviado às universidades... que a Microsoft teve o cuidado de não incluir no seu dossier de imprensa. Por fim, é preciso tempo para ler com atenção este documento volumoso. E se há quando muito um jornalista para escrever artigos que levantem problemas à empresa de Redmond, o impenitente tem algumas hipóteses de ver surgir um «tutor» na agência Waggner-Edstrom, que se ocupa das relações públicas da Microsoft. Ou, em casos graves, na própria Microsoft, como revela um artigo recente publicado no San Jose Mercury News.

Sublinhemos também que a Microsoft, que antes não sentia muito essa necessidade, tornou-se uma virtuosa do lobby e da comunicação, desde que teve problemas com o anti-trust. O que faz o líder mundial do software quando a controvérsia invade a sua hegemonia? Arvora-se em defensor das artes, da cultura e da educação. Na Microsoft, a construção da imagem transformou-se, nestes últimos anos, numa arma estratégica que absorveu investimentos importantes. Para contrariar o anti-trust americano, a Microsoft paga 800 dólares por hora a cerca de noventa advogados, especialistas em grupos de pressão e consultores.

Mas, quando a Internet abunda em fóruns do tipo alt.destroy.microsoft ou de sites como stopgates.com ou enemy.org5, também urge dourar o seu brasão junto da opinião pública! Bill Gates, que até então nunca tinha praticado caridade, começou há pouco tempo a cruzar a América, anunciando a criação da Gates Library Foundation, que vai financiar o equipamento informático de dezasseis mil bibliotecas municipais nos bairros desfavorecidos6. Por outro lado, a Microsoft organiza viagens a Seattle para jornalistas, homens políticos ou personalidades diversas de todos os países. Todas as suas filiais internacionais organizam com frequência viagens de imprensa faustosas, durante as quais comunicam a sua visão da indústria e fazem passar informações sobre os produtos mais recentes. No decurso destes acontecimentos gera-se assim uma certa conivência entre os redactores dos media e os gestores da Microsoft. Como é que essas publicações poderiam depois criticar severamente esses arautos generosos que os fazem viver?






V


A REVOLTA DOS ESCRAVOS



Se o acompanharmos até ao limite do seu raciocínio, onde está a saída? O consumidor ainda pode optar? Existem hoje soluções alternativas, sobretudo na Europa, onde se estigmatiza sempre o «atraso» na matéria?


Elas existem, são muito interessantes do ponto de vista económico, tecnológico e social, mas são desconhecidas. Antes de fazer o inventário, permita-me sublinhar até que ponto esse célebre «atraso» europeu na adopção das tecnologias da informação pode, pelo contrário, transformar-se numa vantagem formidável. Estamos pouco equipados? Tanto melhor. Isso significa que as grandes escolhas estão à nossa frente, e que ainda é tempo de evitar a série de armadilhas que nos preparam certos industriais. «Perder um comboio» é uma hipótese, se se tratar de um comboio que vai descarrilar! Ainda podemos optar por facultar aos nossos filhos o acesso a uma informática livre, aberta, segura e eficaz, com custos mínimos. Além disso, esta via seria fortemente geradora de empregos.


Voltemos às alternativas. Para compreendermos bem o que elas são exactamente, é preciso ter uma noção exacta dos diversos tipos de opções que se nos oferecem quando pretendemos dotar-nos de um sistema informático. Distingamos quatro eixos fundamentais: o material, o sistema operativo, os programas aplicáveis e os modelos para os formatos de ficheiros e protocolos de comunicação. Contrariando certos preconceitos, estes eixos são fundamentais. Ou seja, a escolha de um deles não determina forçosamente a escolha dos outros. Vejamos esta situação em pormenor.

- Material: trata-se de escolher um tipo de máquina. Podemos comprar um dos mil e um modelos de PC com um chip Intel (com todos os belos problemas de configuração), um Macintosh (com um chip PowerPC ou G3), um posto de trabalho Sun (com chips Sparc), Hewlett Packard (com chips HPPA) ou Digital (com um chip Alpha); ou ainda uma máquina Silicon Graphics, IBM, etc.

- Sistema operativo: depois de comprarmos o material, somos livres de escolher qual o sistema operativo a instalar na máquina. Porque a Microsoft não é a única empresa do mundo a propô-lo. Mesmo que existam fortes possibilidades de já nos terem facturado o Windows 98 ou o Windows NT, que já vem instalado no PC, isso não significa que devamos renunciar a instalar um produto que nos convém mais. Existem outros, que deram as suas provas. Num PC, por exemplo, podemos escolher entre sistemas livres, como o Linux e o FreeBSD, e sistemas próprios, como o OpenStep ou o NewDeal (que permite converter velhos 286 em postos para alunos), o SCO Unix, o Solaris. No universo Macintosh, existe o Mac OS e o Rhapsody, superiores aos Windows em convivialidade e tecnicamente imbatíveis para um certo número de aplicações gráficas. O grande público talvez não saiba que a maioria das redacções da imprensa «informática» (mesmo aquelas que só falam de PCs) trabalha em Macintosh. Além disso, a maior parte da imprensa escrita é composta com o auxílio do Macintosh e de programas como o Quark Xpress. O Linux também funciona muito bem num Macintosh, graças ao suporte fornecido pela Apple aos técnicos que desenvolvem o Linux.

- Aplicações. Agora, você tem uma máquina e um sistema operativo. Mas, a menos que tenha optado por um sistema da família do Linux ou do FreeBSD, não tem nada de muito útil para trabalhar. Não tem compiladores C ou Pascal, não tem editores de texto, não tem servidor Web, não tem servidor do News, não tem servidor de mensagens electrónicas. Quando muito, tem um navegador Web e um pequeno utensílio para ler o seu correio electrónico. Faltam-lhe aplicações, como o Microsoft Word, o WordPerfect, o ApplixWords ou o Starwriter, etc., para editar texto, ou o Apache, o Netscape Commerce Server, o IIS para montar um site Web, ou o Sendmail, o Lotus Domino ou o Microsoft Exchange para o correio electrónico. Também aí, os melhores produtos não são forçosamente aqueles de que mais ouvimos falar. E, às vezes, os melhores produtos são mesmo... gratuitos.

- Por fim, para os formatos de ficheiros e também para os protocolos de comunicação, constatamos que existe uma clivagem entre protocolos e formatos próprios fechados (o «klingoniano» da Microsoft), e os protocolos e formatos documentados, livres e abertos. E talvez esta escolha seja simultaneamente a mais importante e a mais fácil de fazer. Porque, mesmo que você seja uma cliente fervorosa da Microsoft, e que se sinta orgulhosa por ter gasto uma fortuna nas versões sucessivas do Windows, Office, Exchange, etc., para estar na ponta daquilo a que eu chamo tecnologia, ainda é livre de escolher o formato de ficheiro que vai utilizar para guardar os seus dados e os protocolos de comunicação que vai adoptar para se ligar com o resto do mundo.

Com efeito, o Microsoft Word permite agora que os seus ficheiros sejam guardados em HTML, a linguagem da Web. Com um simples gesto, você pode enviar aos seus colegas ficheiros em HTML que toda a gente poderá ler, e não em versão «klingoniana» x.y, que exige que o seu interlocutor tenha optado também por pagar a taxa Microsoft.

Da mesma maneira, a França, a Comunidade Europeia e as entidades públicas em geral devem fornecer todas as informações públicas num formato acessível a todos. Porque havia de ser preciso comprar este ou aquele programa próprio para ler um texto de leis ou o regulamento de um concurso? Mais uma vez, esses formatos existem, apresentam a informação correctamente e são acessíveis, mesmo a quem trabalha em Word. No entanto, apesar de muitas cartas de protesto da parte de inúmeros cientistas (entre os quais este vosso servo), encontram-se com frequência nos site~ oficiais da União Europeia - como http://www.cordis.lu - documentos legíveis apenas na versão mais recente do Microsoft Word. Contra toda a lógica, e contra o interesse de todos.

É sem dúvida o aspecto simultaneamente mais desconhecido e mais importante de toda a questão, porque é precisamente através do desvio de modelos abertos e da introdução de modelos próprios que a Microsoft procura substituir pelos seus próprios produtos inúmeras aplicações livres e muitas vezes gratuitas que constituem o cerne da Internet.



Você é, como muitos universitários, um militante do software livre. O que é o software livre?



Um software livre é um programa ou um conjunto de programas informáticos fornecidos com o seu «código de origem», ou seja, com a totalidade de linhas de código que os compõem, assim como com as informações necessárias para a sua manutenção. De facto, é preciso saber que os programas, tal como as sinfonias musicais, são escritos em forma de partituras informáticas, chamadas código de origem. Em seguida, os programas, tal como os discos, são distribuidos sob a forma de uma versão «exequível», de um registo dessa partitura. As editoras comerciais como a Microsoft vendem versões exequíveis do Windows, mas têm o cuidado de não revelar o seu código de origem. Na realidade, esta comparação é apenas parcial. Se você comprou um CD de Bach, é possível reconstituir a sua partitura, enquanto que, no caso dos complexos programas actuais, esta tarefa é praticamente impossível.

Concebidos num espírito de partilha por milhares de programadores em todo o mundo, os programas livres são, pelo contrário, propriedade colectiva de toda a humanidade. Isto significa que eles são livremente alteráveis e redistribuíveis, desde que essa propriedade seja mantida. Assim, todos podem aperfeiçoar um programa livre, ainda que só uma pequena parte das suas descobertas seja lançada para o pote comum. Mas isto não quer dizer que estes programas sejam do «domínio público». Precisamente para evitar que um programa livre seja açambarcado por empresas sem escrúpulos, que em seguida o venderiam no código de origem, foram criadas licenças específicas como a Gnu Public Licence (GPL) ou a Berkeley Public Licence. Estas licenças estabelecem uma propriedade intelectual do programa e fixam as regras segundo as quais ele pode ser distribuído. Trata-

-se de regras que são exactamente o oposto das que se encontram no Windows... Cada um tem o direito de modificar o programa e de o distribuir a quem quiser, com a condição de lhe entregar também o código de origem, nas mesmas condições.

Contudo, atenção! A expressão inglesa <free software», cuja tradução é programa livre, é ambígua na língua de origem, e mistura duas noções muito distintas. «Free» em inglês quer dizer livre, mas também gratuito. Ora os programas livres não são forçosamente gratuitos. E os programas gratuitos não são necessariamente livres. Alguns exemplos podem contribuir para esclarecer esta situação. A maioria dos programas denominados «freeware» (e não «free software») que encontramos em numerosos sites Web é gratuita, mas não é livre, visto que não temos acesso ao código de origem necessário para abrir a capota e desmontar o motor... Nesta categoria, encontraremos por exemplo o Acrobat Viewer da Adobe, e o Internet Explorer (se fingiram que não viram o artifício contabilístico que explicámos).


Pelo contrário, o Linux é um programa livre, porque todo o seu código de origem nos é dado, e se o telecarregarmos na Web, ele até é gratuito. Mas também é possível comprar «distribuições» comerciais do Linux (como o SlackWare, o RedHat, o SuSE, o OpenLinux, etc.). Nesse caso, pagamos o valor acrescentado correspondente à comercialização - gravação do CD-Rom e distribuição aos retalhistas - e quase sempre serviços suplementares, como instalação, assistência técnica ou desenvolvimento de soluções específicas. No entanto, depois de comprarmos a cópia, nenhuma BSA vem atrás de nós para verificar se pagámos tantas licenças como cópias instaladas. O meu CD da Linux, que me custou algumas centenas de escudos, já serviu para equipar vinte máquinas, dentro da legalidade total.



Quais são as vantagens desses programas livres?


Para o utilizador, os programas livres apresentam um sem-número de vantagens. Em geral, têm melhores prestações e uma maior robustez do que os seus equivalentes comerciais, porque a possibilidade de aceder ao código de origem simplifica muito a correcção de erros e o desenvolvimento de soluções específicas. Estão disponíveis a um preço módico ou nulo, e podem ser copiados gratuitamente para um número ilimitado de máquinas. Os programas livres, cujo design é frugal, podem funcionar em velhas máquinas do tipo PC 486 e até mesmo em PCs 386, que o clã Windows-Intel condenou à obsolescência. Ao contrário do Windows ou do Mac OS, um sistema operativo como o Linux é bastante resistente aos erros de manipulação dos principiantes. Porque só as pessoas autorizadas podem aceder às componentes vitais do sistema. Melhor: uma só máquina pode ser partilhada por vários utilizadores, e cada um tem espaço próprio no disco duro e direitos de acesso bem precisos.

Por último e acima de tudo, o acesso aos códigos de origem destes programas constitui a única verdadeira garantia de perenidade e de independência dos utilizadores face aos editores. O programa livre inscreve-se, assim, no conceito mais vasto de uma informática aberta, ou seja, que organiza a interoperacionalidade dos produtos, graças à publicação das interfaces técnicas de cada um. Um programa livre é um pouco como um bom motor de automóvel facilmente acessível que nós podemos reparar ou aperfeiçoar em caso de necessidade. O motor Microsoft, pelo contrário, está duplamente fechado e só o «garagista» Microsoft é que está habilitado a abrir a capota. Além disso, mesmo que este motor funcione bem, somos obrigados a substitui-lo a bom preço, sempre que a «gasolineira» Microsoft altera a composição do combustível!

Por fim, não se esqueça que, nos programas, reconstituir a partitura através da música é quase impossível, de tal modo que, se, por acaso, após uma catástrofe natural (um tremor de terra, uma explosão) ou «virtual» (um «ecrã azul como a morte» um pouco mais grave do que é habitual), uma empresa comercial perder a sua partitura, que se encontra ciosamente guardada num cofre forte, mais nenhuma nova música virá dessa empresa! Pelo contrário, o programa livre é duplicado em toda a parte, em milhões de cópias, com a sua partitura. O que há de mais resistente às catástrofes naturais, virtuais ou comerciais do que os buy out?



Mas como é que essa comunidade de criadores desinteressados se formou? E quais os principais programas nascidos desse modo?


O conceito de programa livre é muito antigo. Mas se quisermos escolher um acontecimento que, na sua história, assinalou uma tomada de consciência importante, ele foi sem dúvida, no início dos anos 80, a iniciativa do americano Richard Stallman. Investigador no Massachusetts Institute of Technology (MIT) de Boston, Stallman criara o Emacs, um dos editores de texto mais sofisticados, muito divulgado no mundo universitário. Stallman é um dos fundadores da Free Software Foundation. O objectivo declarado desta instituição era produzir um sistema operativo inteiramente livre chamado GNU, cujo acrónimo recorrente é Not Unix. Foi também esta fundação que criou a GNU Public Licence, responsável pela protecção jurídica deste modelo. O GNU, cujo logotipo é um gnu, lançou os alicerces que permitiram a um jovem finlandês criar o sistema operativo Linux, que é hoje o mais conhecido dos programas livres.

A história do nascimento do Linux ilustra o papel espectacular desempenhado desde o início da década pela rede Internet, simultaneamente um local de criação colectiva, um veículo de transmissão dos programas e um instrumento de assistência técnica. Foi em 1991. Os pais de Linus Torvalds, um estudante da Universidade de Helsínquia, acabavam de lhe oferecer um computador pessoal último grito, um PC 386. Mas os dois sistemas operativos que nele podiam funcionar - o DOS e o Windows 3 -não garantiam nem o nível de prestação nem a segurança do sistema Unix, mais caro, que ele utilizava nas máquinas potentes da sua faculdade. Então, com o entusiasmo próprio dos seus vinte e um anos, este programador ímpar baseou-se nos utensílios GNU para escrever o programa Linux, cujo nome resulta da contracção de Linus e Unix.

À medida que o seu trabalho prosseguia, Linus Torvalds introduzia o código de origem que escrevia em linha, para que ele fosse concluído e aperfeiçoado pelos melhores programadores do mundo. Este programa livre, hoje disponível tanto em PC como em Macintosh e em muitas outras famílias de computadores, depressa alcançou prestígio. O Linux voou a bordo da nave espacial americana, realizou efeitos especiais no filme Titanic e gere a separação do correio do sistema postal americano. Também está presente em inúmeros projectos industriais1, incluindo a fortaleza da marinha americana em San Diego, onde parece desenvencilhar-se muito melhor do que o Windows NT, que, como já vimos, não resulta. Em suma, o Linux já conquistou cerca de 8 milhões de pessoas, e o número dos seus utilizadores aumenta 100 por cento ao ano.

Antes do Linux, a maioria dos informáticos estava convencida de que escrever um programa de qualidade exigia uma abordagem privada e centralizada. Eles consideravam, para retomarmos a expressão do informático Eric Raymond2, que, para criar um programa tão complexo como um sistema operativo, só funcionava o sistema da «catedral», com um arquitecto autoritário e um pequeno grupo de programadores dóceis. E eis que um jovem finlandês, orquestrando à distância uma profusão de veteranos da informática, prova com mestria a superioridade do modelo do «bazar» fervilhante e desordenado!

No entanto, a história exemplar de Linux não deve mascarar a multiplicidade dos programas livres existentes. O programa para servidor Web Apache (50 por cento do mercado mundial), o Navigator da Netscape, o programa de transporte de correio electrónico Sendmail e o servidor de nomes de sites Internet Bind, para citar apenas os mais conhecidos, são todos líderes nos seus respectivos nichos de mercado. De uma forma mais geral, os programas livres são as traves mestras da Internet. Sem eles, a rede não teria conhecido este desenvolvimento. E se os suprimissem, ela deixaria de funcionar.



A aventura do software livre parece bem viva nos Estados Unidos e no Norte da Europa. O que se passa em França?


Não nos iludamos: toda a Europa, e a França em particular, têm contribuído largamente para o desenvolvimento do software livre, apesar de os militantes deste tipo de movimento não fazerem muito barulho nos media. Bastariam alguns exemplos para nos convencermos de que a França não está na cauda do desenvolvimento do software livre. O Institut National de la Recherche en Informatique et en Automatique (INRIA) desenvolveu vinte programas livres; a biblioteca dos «thread Posix» da Linux (um trabalho enorme) foi concebida por um brilhante investigador do INRIA nos seus tempos livres; as extensões multilingues para o servidor Web Apache foram escritas por um aluno da École Normale Supéneure, certos drivers para cartão vídeo foram criados por investigadores de grandes escolas...

Onde a França e os países da União Europeia estão efectivamente na cauda é no reconhecimento oficial da importância deste fenómeno. A França começa apenas a abrir-se um pouco a estas ideias alternativas. A primeira Festa da Internet, na Primavera de 1998, foi a ocasião para um movimento formidável nascido de uma forma descentralizada nos quatro cantos do país. Um pequeno grupo de personalidades de França e do Quebeque, muitas das quais ligadas à investigação e ao ensino, resolveu então criar a Associação Francófona dos Utilizadores de Linux e dos Programas Livres, ou AFUL, a que eu pertenço.

Presidida por Stéfane Fermigier, um jovem professor de Matemáticas da Universidade de Paris VII-Jussieum, a associação conta actualmente com uma centena de membros individuais e uma dezena de empresas, entre as quais várias PMEs francesas e duas multinacionais, a Netscape France e a Pick Systems. A sua missão consiste em promover uma informática eficiente, acessível e independente. O seu objectivo é informar as empresas, o governo, as administrações e os responsáveis pela educação sobre a existência de soluções informáticas pouco dispendiosas, abertas e perenes, por oposição às soluções fechadas ou próprias que certos industriais tentam vender-lhes. O Ministério da Educação Nacional analisa aliás o modo como poderia utilizar o Linux e os programas livres nos estabelecimentos de ensino.



Os custos módicos e o domínio absoluto do software livre parecem torná-lo uma solução ideal para o mundo da educação. No entanto, o sistema que alguns se propõem utilizar para instalar a infra-estrutura da rede para as escolas e as universidades é o Windows NT..


Com efeito, vimos que as soluções baseadas na plataforma Windows-Intel, dispendiosas quer em software quer em material, não ofereciam verdadeiramente garantias de segurança nem os níveis de eficácia desejados, e não falo só dos Windows 95 ou 98, mas sobretudo do Windows NT. Infelizmente, o marketing poderoso usado pela Microsoft conseguiu convencer numerosos decisores a ignorarem estes aspectos negativos. E no entanto, grandes gabinetes de estudos internacionais, como o Gartner Group, o Standish Group ou o Aberdeen Group3, começam a publicar estudos que contradizem abertamente os argumentos da Microsoft, e expõem os riscos e os custos enormes que se escondem atrás de todas as operações de substituição de servidores Unix por servidores WindowsNT4.

Analisemos o caso de um servidor de correio electrónico. Enquanto que o programa Sendmail, gratuito e livre, faz funcionar a Internet há décadas, a solução Microsoft Exchange Server para a gestão do correio electrónico custa 900 contos (para cinquenta clientes) e não passa à escala. O que quer dizer que, se você tiver 5 milhões de utilizadores e não cinquenta, as prestações caem a pique, como revela paradoxalmente o caso do Hotmail. O Hotmail é o servidor que oferece um endereço electrónico gratuito a mais de 9 milhões de utilizadores, e que foi adquirido pela Microsoft em Dezembro de 1997. Pois bem, a Microsoft quis obrigar o Hotmail a instalar o Windows NT nos seus servidores, que utilizam uma mistura de Sun Solaris e de FreeBSD como sistema operativo, e o Apache 1.2.1 como software. Mas a gestão de 9 milhões de utilizadores revelou-se uma tarefa demasiado árdua para a NT, e o Hotmail foi obrigado a instalar de novo o Solaris5!

Outro exemplo. O Windows NT não é totalmente compatível com os modelos da Internet que são utilizados para a manutenção à distância. É preciso saber que, numa estação Unix (seja ela Linux, SCO, Solaris, IRIX, AIX, HPUX ou outra qualquer), é possível, sem comprar mais nada, fazer a gestão administrativa de um servidor sem estar fisicamente em frente do ecrã, graças a protocolos como o telnet e o rsh, e a linguagens de comando altamente flexíveis. Até é possível, se o servidor for forte e estiver pouco sobrecarregado num dado momento, utilizá-lo para executar aplicações gráficas à distância, com o rato, como se estivéssemos diante do ecrã. Isso não existe no universo do Windows NT. A única coisa que vem com o servidor é o software para operar como servidor Web, e o necessário para partilhar ficheiros e impressoras. Também é por isso que é tão fácil substituir um servidor NT por um servidor Linux equipado com o programa livre Samba.

Por fim, na École Normale Supérieure, são poucos os vestígios de «uptime», o tempo decorrido entre dois arranques sucessivos de uma máquina, e já temos três ou quatro postos de trabalho que funcionam continuamente há mais de um ano, o que é perfeitamente normal no mundo Unix. Pelo contrário, com o NT, a mínima alteração de configuração da rede necessita de um novo arranque, e as avarias são frequentes.



Mas até lá, você fala do Unix em geral, que é tradicional-mente considerado como um sistema de alto nível, caro... e que não está ao alcance das administrações públicas.


Espere. Há muito tempo, o Unix estava de facto reservado àqueles que podiam dar-se ao luxo de o ter, e infelizmente certas políticas de preços, como a de uma empresa de base de dados que vende o mesmo programa cinco vezes mais caro para o Unix do que para o Windows NT, contribuíram para prolongar esta situação. Mas a grande novidade que os programas livres representam alterou radicalmente tudo isso. O Linux, o FreeBSD ou qualquer outra versão livre do Unix não custa nem mais um tostão (ou custa o mesmo) do que um CD, e portanto as vantagens do sistema Unix estão hoje ao alcance de todas as bolsas.

Pense um pouco nas acusações, recenseadas pela AFUL, que os professores fazem às soluções Windows-Intel: o material com mais de dois anos não pode ser utilizado com sistemas operativos recentes; duas versões sucessivas de um mesmo programa nem sempre são interoperacionais, os sistemas estão vulgarmente infestados de vírus e degradam-se, pois todos eles podem afectar o disco duro...

Na sua maioria, estes inconvenientes podem ser eliminados com soluções à base de programas livres. Os custos são reduzidos, porque o programa é quase gratuito, qualquer que seja o número de cópias utilizadas, e o material pode ser mais antigo. Estas soluções são fiáveis, estáveis e de uma grande resistência às agressões intencionais ou acidentais, de origem humana ou «viral».

O uso e a manutenção dos sistemas operativos são mais flexíveis. Quanto aos programas de aplicação, podem ser adaptados para se ajustarem perfeitamente às necessidades pedagógicas.

Melhor: o acesso ao código de origem dos programas e ao conhecimento das suas interfaces constitui um recurso pedagógico incalculável. É, em todo o caso, o que decorre das instalações já efectuadas, seja no liceu Carnot em Dijon, no liceu Henri-IV em Paris, no liceu francês de Berlim ou em inúmeros campus de universidades ou de grandes escolas.



Apesar de a sua boa prestação ser reconhecida, o Linux parece ser complicado de instalar e até de utilizar Ele está de facto ao alcance do grande público?


Talvez o Linux ainda não esteja maduro para ser utilizado pelo grande público, e se eu andasse pelas ruas a gritar bem alto «o Linux é a resposta a todos os vossos males» estaria a ser tão desonesto como aqueles delegados comerciais que lhe dizem que «o Windows é a única verdadeira solução». Com efeito, este sistema operativo assemelha-se para já a um motor Ferrari instalado numa carroçaria velha e pouco atraente, do género Simca 1000... enquanto que o Windows esconde um motor que explode de cem em cem quilómetros sob uma carroçaria reluzente e à moda.



Tudo depende, portanto, do tipo de público a que nos referimos. Quais são as suas recomendações?


Pessoalmente, tenho o hábito de identificar três grandes tipos de público: o público especialista, o grande público organizado e o grande público individual. Separemos as coisas.

- Público especialista. Trata-se dos utilizadores de informática que dispõem de conhecimentos informáticos próprios, como as grandes empresas, os centros de investigação, as universidades, etc. Para eles, a carroçaria rústica tem pouca importância; o motor é que tem de ser bom, e, neste caso, prepara-se cuidadosamente a carroçaria em casa, tirando partido das disponibilidade do código de origem. Para este tipo de público, não há dúvida que o Linux ou o FreeBSD (ou qualquer outra versão livre do Unix, ou mesmo, no limite, um Unix comercial) são as soluções de escolha.

- No outro extremo do espectro, vem o grande público a nível individual. Trata-se do utilizador abandonado a si próprio. Ou seja, este consumidor não percebe muito de informática, e às vezes nem mesmo sabe se precisa dela, mas quer tentar. Para imprimir um postal ou escrever um curriculum vitae e jogar ao «Doom ou ao «Quake». Para essas pessoas, que compram quase sempre nas grandes superfícies, o Linux tal como é hoje não é solução, assim como os produtos armadilhados Wintel também não são... como eles descobrirão quando sofrerem a primeira avaria ou desinstalarem o primeiro CD-Rom de baseball. Os que quiserem jogar a sério, devem pensar seriamente em comprar uma consola de jogos (PlayStation, Nintendo ou Sega), que, por uma parte do custo de um PC, garante a ausência de problemas.

Mas para aqueles que pretendem mesmo um computador, creio que seria uma solução mais acertada virarem-se para uma máquina Apple, enquanto esperam pela carroçaria do Linux. Mesmo que o motor não se compare ao de um Unix, está mais bem rodado que os dos PCs Intel, e a interface é muito agradável. O único problema, que era o custo inicial6mais alto, parece resolvido com a comercialização de modelos bastante acessíveis, como o iMac.

- Entre os dois, encontra-se aquilo a que eu chamo o grande público organizado. São pessoas que têm a mesma falta de conhecimentos informáticos do grande público, mas que podem obter apoio qualificado através das instituições de que dependem. E o caso dos profissionais, como os médicos, os advogados, os tipógrafos, etc., que têm associações profissionais poderosas, capazes (mesmo que não o façam) de conseguir para os seus membros um apoio qualificado e propor-lhes soluções do tipo chave na mão. Neste caso, quer o utilizador escolha Mac, Linux ou outra coisa, o que ele verá é que a sua aplicação funciona (ou não funciona, se ele escolheu mal), sem a preocupação de instalar ou desinstalar seja o que for.

É muito especificamente o caso da administração pública, e nomeadamente das escolas. Tal como as empresas, elas têm uma preocupação de robustez e de elevada fiabilidade, e - e nisto diferem do público isolado - poderiam beneficiar, com poucos custos para o Estado, de conhecimentos informáticos de ponta disponíveis nas universidades. Esta poderia ser a oportunidade de usar soluções eficazes e económicas à base do Linux e ressuscitar antigas máquinas com sistemas como o NewDeal. Em vez de se gastarem fortunas nas máquinas ultra-sofisticadas exigidas pelo Windows, ou em suporte telefónico internacional para soluções próprias, poderia utilizar-se o dinheiro que está destinado à informatização das escolas em tarefas valorizadoras, como o apoio à instalação de redes não próprias, o desenvolvimento de soluções específicas, etc.

Por outro lado, seria muito fácil equipar as nossas escolas sem gastar quase nada. Graças à estrutura administrativa dos Domaines, é possível fazer o inventário dos equipamentos ainda capazes de funcionar, mas que foram postos de lado pela corrida louca em que nos deixámos levar por computadores cada vez mais rápidos. Sei que existem vastas jazidas de velhos Mac, de velhos PCs e de antigos postos de trabalho a ganhar poeira nas caves das admi­nistrações, à espera de voltarem à luz do dia...

Por último, trabalha-se activamente para aumentar a convivialidade do Linux. A primeira versão estável da interface KDE saiu em Julho de 1998 (http://www.kde.org), e o projecto GNUstep está a fazer grandes progressos. O GNUstep é uma implementação livre do OpenStep, um sistema comercial excepcional que ainda hoje utilizo com muita frequência. É o bebé da NeXT, a segunda firma de Steve Jobs, o mítico fundador da Apple e novo presidente interino, com a qual a NeXT se fundiu. O OpenStep passou a chamar-se Rhapsody e depois MacOsX. A grande vantagem do OpenStep é que, apesar de manter as vantagens de um verdadeiro sistema Unix debaixo da capota, facilita o desenvolvimento rápido de aplicações conviviais. A sua disponibilidade em forma livre como o GNUstep poderia ser o elemento que falta ao puzzle que dará ao Linux, ao FreeBSD e a todas as outras versões do Unix livre uma carroçaria digna do seu motor. É por isso que eu penso que ela faz parte dos projectos aos quais a Comunidade devia estar atenta.



Isso resolveria também o problema da dificuldade de instalação?




Essa é uma questão diferente. O Windows, por exemplo, não é um sistema tão fácil de instalar, como se pretende fazer crer. Basta ver a lista de problemas detectados pelos utilizadores do Windows 98. Mas estas dificuldades são mascaradas pelo facto de os distribuidores o «pré-instalarem», ou seja, de assumirem o trabalho complexo de configuração em vez de nós. Mas nenhum construtor de material destinado ao grande público pré-instala o Linux. E aqueles que gostariam de comparar o Windows com o Linux estão muito limitados, porque o trabalho de instalação é visível no caso do Linux, mas não no caso do Windows. Além disso, com a chegada do Windows 98, já não há espaço livre como dantes para instalar o Linux, e é preciso uma grande experiência para instalar o Linux sem arrasar o Windows.

Foi justamente por isto que eu lancei a ideia de realizar um CD-Rom de demonstração do Linux que neutralize este obstáculo. Queremos distribuir um CD-Rom que permita lançar o Linux sem o instalar no disco duro, de uma forma simples e fácil, como se lançaria uma aplicação Windows. Alguns alunos da ENS, que fazem parte do Linux Consult, já ultrapassaram a maior parte dos problemas técnicos, e tenho a certeza que o projecto estará concluído dentro de pouco tempo. Deste modo, poderemos comparar, e se o que virmos nos agradar, compete-nos fazer pressão sobre os construtores, para que eles instalem o Linux a par ou em vez do Windows.



Qual é o peso económico desses programas livres? Eles desempenham um papel importante no universo informático?


Estudos sérios avaliaram precisamente as vantagens económicas e estratégicas que uma empresa pode colher da escolha de soluções livres7. E podemos encontrar vários exemplos de empresas na Europa, que puseram esta teoria em prática com êxito, exportando-a em seguida para o outro lado do Atlântico8. Certos grandes bancos nova-iorquinos confiam no Linux para velar por milhões de dólares. O Linux gere entrepostos da L'Oréal, controla as bombas e as caixas registadoras de estações de serviço Schlumberger, segue o funcionamento de ascensores Fujitech, equipa redes de empresa da Ikéa e os computadores leves da Corel. Grupos tão conhecidos como a Mercedes-Benz, Sony, Philips, Alcatel ou Cisco utilizam o Linux. Certas empresas escolhem este sistema operativo livre como solução Internet/lntranet em vez de um Unix comercial ou do WindowsNT; outras utilizam-no para gerir a sua rede de empresa em substituição do Novell Netware ou do WindowsNT. Outras ainda equipam os seus servidores de cálculo e de aplicações ou os seus postos burocráticos.

Um número crescente de industriais introduzem-no nos seus produtos, quer se trate de ascensores, de pólos Internet ou de robots. E por exemplo o caso da empresa francesa Lectra Systémes, líder mundial das máquinas de corte têxtil informatizado. Desde 1995 que a Lectra propõe soluções industriais na plataforma Linux, porque, segundo Pierre Ficheux, responsável pelos desenvolvimentos do sistema de empresa, ele revelou-se «simultaneamente robusto, eficiente e barato», durante os testes.

No entanto, as empresas que utilizam o Linux nem sempre estão dispostas a divulgá-lo. Porque o facto de o programa livre ser quase gratuito ainda assusta a maioria dos gestores, que nao perdem tempo a pensar nas verdadeiras vantagens que ele pode trazer. Ou porque os responsáveis destas empresas ignoram a existência deste programa livre. Muitas vezes são os informáticos de base, a quem é entregue uma missão ambiciosa e um orçamento reduzido, que plebiscitam o Linux... por vezes às escondidas da sua direcção. Com efeito, se lhe derem um orçamento apertado e lhe impuserem que utilize uma solução «à moda da Microsoft», você consegue desenvencilhar-se se usar servidores Linux equipados com Samba: o seu patrão só verá o Windows NT, mas você economiza 120 contos em cada máquina!

Assim vai a vida na empresa. Se alguma coisa não correr bem, mais vale você proteger-se votando na Microsoft. Aliás, o responsável do projecto Titanic sabia que estava a pôr em jogo o seu posto de trabalho ao escolher o Linux, mas o resultado demonstrou que valeu a pena a aposta.

Felizmente, esta mentalidade está prestes a mudar. Em 1998 registaram-se dois fenómenos que passaram despercebidos ao grande público, mas que talvez sejam indicadores de uma revolução. Primeiro, para resistir aos tiros de morteiro da Microsoft, a Netscape fez um programa livre do seu produto-guia, o programa navegador Navigator, que então passou a chamar-se Mozilla. Segundo, o gigante IBM, inquieto com a escalada em potência do Windows NT no nicho dos servidores Web, resolveu adoptar e promover o servidor Apache, um programa livre de grande qualidade, que detém já 50 por cento deste mercado. Por outras palavras, duas estrelas do mundo informático - um start up de Silicon Valley e o monstro sagrado da indústria - validaram o modelo do software livre com as suas escolhas estratégicas.

Não é certo que o Linux enterre um dia o Windows. Mas talvez o modelo de criação e de divulgação do software livre seja o do futuro... Porque não existe nenhuma empresa suficientemente rica, nem mesmo a Microsoft, que possa lutar contra os talentos conjugados dos melhores programadores do mundo. Sobretudo se o fruto dos seus trabalhos for depois endossado por pesos-pesados da indústria.



Mas qual é a motivação desses programadores? É possível ganhar dinheiro com o software livre?


A razão exacta da qualidade dos programas livres é o facto de o motor do seu desenvolvimento não ser o dinheiro que é possível realizar com a sua venda, mas o desejo de escrever programas que depois serão utilizados por muita gente. Por outro lado, a disponibilidade do código de origem põe também em jogo o orgulho do programador, que sabe que vai ser avaliado pelos seus pares. E, para um informático, há poucas satisfações pessoais tão grandes como a de ter contribuído para escrever um programa que é apreciado, utilizado, retomado e aperfeiçoado durante dez anos por milhões de utilizadores, graças apenas ao seu próprio mérito.

Ao mesmo tempo, a técnica adquirida ao escrever um programa livre tem um valor comercial indubitável. Que melhor cartão de visita, quando se procura trabalho qualificado em informática, do que uma contribuição significativa para um projecto livre respeitado por todos? Como vê, o autor de um programa livre pode ganhar muito dinheiro, mesmo sem vender directamente o seu programa.



Um sistema operativo não pode ganhar terreno sem um ambiente favoráveL A força da Microsoft concentra-se nas inúmeras empresas de engenharia informática que suportam os seus modelos e nas dezenas de milhares de editores que criam aplicações para o Windows. O Linux não está muito limitado a este nível?


É evidente que o Linux não dispõe ainda de um apoio industrial e comercial tão desenvolvido como o do modelo Windows-Intel. Mas refutamos desde já o argumento capcioso segundo o qual o Linux não é credível, porque nada garante a sua perenidade. A história da indústria informática demonstrou que a perenidade de um tipo de hardware ou de software nunca está garantida seja pelo que for: nem pela importância da sua base instalada, nem pela riqueza da empresa que o promove, nem aliás pela excelência técnica do produto! Pergunte aos primeiros assinantes do Microsoft Network... O que o Linux tem de bom é que os utilizadores têm pelo menos as coisas na mão.

Em todo o caso, a distribuição do Linux começa a estruturar-se. Empresas como a Red Hat ou a Caldera propõem o programa em grande superfície sob a forma de CD-Rom, acompanhado de

um manual e de ferramentas utilitárias de base. Custa-lhe entre 7500$00 e 9000$00 para um número ilimitado de computadores... comparado com as várias dezenas de contos por máquina

a pagar pelo programa equivalente com a assinatura Microsoft. Também não é verdade que não existam aplicações que fun­cionem com o Linux. Graças a editores como a Corel ou a Netscape que fizeram esta escolha, há hoje uma vasta panóplia de aplicações disponíveis. E seguir-se-ão muitos outros editores. Além disso, a Internet abunda em sites nos quais se podem telecarregar programas livres ou comerciais para o Linux, que cobrem a maior parte das necessidades das empresas: tratamento de texto, folhas de cálculo, groupware, navegadores, bases de dados9. Existem até programas livres como o GIMP, que rivalizam com o célebre Adob Photoshop.

As sequências burocráticas Star Office da Star Division ou ApplixWare da Applix, por exemplo, pouco deixam a desejar ao Microsoft Office. Apesar de certas necessidades específicas serem asseguradas apenas por aplicações em Windows, é muito possível fazê-las funcionar em rede com máquinas Linux que «copiam» o Windows graças a programas livres como o DOSEmu ou o Wabi, ou a programas comerciais como o Ntrigue ou o WinCenter. Também é possível guardar para esse efeito um PC Wintel a um canto.

Quanto ao serviço e à manutenção comercial em plataforma Linux, é verdade que se encontram numa fase embrionária, mas existem. Como testemunham empresas como a Pick System ou a François Alcôve, cuja lista de clientes abrange laboratórios públicos (CNRS, CEA) e grandes empresas (L'Oréal, Philips, Alcatel). Além dos suportes comerciais das empresas de distribuição e do serviço de manutenção destas SSII, os adeptos do Linux podem sempre contar com a solidariedade lendária da comunidade de utilizadores, através de newsgroups da Internet como comp.os.linux.hardware, comp.os.linux.setup ou os seus primos franceses fr.comp.os.linux. Aliás, o Linux recebeu o prémio da revista americana Infoworld pela qualidade do seu apoio aos utilizadores. A Microsoft não pode dizer o mesmo.



Qual a atitude que os governos adoptaram para já face à informática livre?


A cegueira dos nossos dirigentes políticos acerca destas questões espanta-me sempre. Para alguns, a informática continua a ser um assunto técnico na moda, mas pouco interessante, como se se tratasse apenas de escolher a marca de um programa de tratamento de texto! E os que compreenderam verdadeiramente o que está em jogo na sociedade da informação deixam-se muitas vezes cegar pela propaganda dos vendedores de programas.

Em primeiro lugar, pense nas economias consideráveis que os governos nacionais podiam fazer se escolhessem o software livre para seu próprio uso. Para ter uma melhor noção das apostas financeiras, considere o caso de uma universidade da região parisiense que comprou recentemente quinze microcomputadores para neles instalar o Linux. Não se sabe exactamente quanto é que os fabricantes de computadores pagam pelo Windows 95, mas podemos admitir que são 15 contos. Assumindo que o construtor não tem qualquer margem neste programa (o que eu duvido), esta universidade desembolsou quinze vezes 15 contos, ou seja 225 contos por um produto que ela não queria. Trata-se mais precisamente de um presente de 225 contos que o Estado francês deu à Microsoft. Se estendermos este exemplo a todos os estabelecimentos de ensino comparáveis na Europa, e mesmo a todas as administrações, constataremos que os nossos governos gastam centenas de milhares de contos para subvencionar uma empresa americana, cujas filiais europeias são essencialmente canais de distribuição, e que não está propriamente à beira da bancarrota. Além desta questão do dinheiro, há a nossa independência e os nossos empregos, como sublinhou o recente Relatório Baquiast, «Propositions sur les apports d'Internet à la modernisation du fonctionnement de l'État», que lembra muito justamente esta situação.

Trata-se mesmo de uma ocasião única para reduzir um pouco o monopólio tecnológico detido por multinacionais sem escrúpulos e para fornecer às nossas empresas e às nossas escolas uma vantagem estratégica muito importante.



Face ao que está em jogo, o que deveria fazer a Europa?


Parece-me urgente que a Europa desenvolva uma política activa e independente no domínio da informática e do tratamento da informação em geral. Ela possui os meios técnicos necessários, pois não nos esqueçamos que temos na Europa competências comparáveis ou superiores, em muitos domínios, às que existem do outro lado do Atlântico. Os laboratórios informáticos europeus estão, por exemplo, na vanguarda do desenvolvimento destes métodos formais de verificação do software, que permitiram levar a bom termo tantos projectos, o último dos quais é o segundo lançamento do foguetão Ariane 5.

O que falta para já é uma real vontade política. Ela poderia, por exemplo, manifestar-se com a criação de uma agência europeia para o software livre e para os modelos abertos. Esta poderia ser formada por cientistas que partilhassem a ambição de auxiliar os esforços de cooperação dos internautas com o objectivo de construir uma plataforma aberta de qualidade para sistemas informáticos interoperacionais. Através desta agência, a União Europeia poderia dar uma ajuda a todos estes desenvolvimentos à volta dos programas livres e dos modelos abertos. Algumas dezenas de milhares de contos (o que é insignificante à escala dos orçamentos europeus) poderiam permitir que se concluíssem rapidamente projectos estratégicos como a interface GNUstep já referida, que fosse favorecido o desenvolvimento de uma infra-estrutura para a troca de informações no seio da Comunidade e que fosse criada uma rede de alto nível, que poderia catalisar o desenvolvimento de uma informática moderna, livre, aberta e dinâmica.

Só este tipo de iniciativa permitiria que a Europa dominasse melhor as suas indústrias da informação, ou seja, o seu destino, favorecendo o desenvolvimento de empregos de valor acrescentado nestes sectores. Sinto náuseas quando vejo a Microsoft a dar-nos lições sobre o tema: reprimam mais severamente a pirataria dos programas, que isso criará empregos na informática! Desde quando é que o desenvolvimento de programas Microsoft - inteiramente realizado em Seattle - cria empregos na Europa? E antes de dar lições sobre a pirataria, seria bom que a Microsoft começasse por reembolsar as licenças Windows que impôs a tantos utilizadores que não o queriam.

A escolha de um sistema aberto e livre pode, pelo contrário, suprimir a taxa sobre a informação cobrada pela Microsoft, tornar as nossas empresas mais competitivas e favorecer o emprego. Porque essas centenas de milhares de contos que não entram nos bolsos da Microsoft ou das suas congéneres poderiam ser afectadas à actividade produtiva e financiar contratos de manutenção com empresas locais de serviços informáticos que adaptariam os equipamentos às necessidades específicas da empresa. Isto pode criar uma verdadeira porta de saída, um espaço de crescimento e de empregos qualificados para engenheiros que serão responsáveis pela qualidade dos seus produtos... e não só para comerciais que tentam vender um produto sobre o qual não têm qualquer controlo, e cujos lucros vão para Seattle.

Aliás, é preciso dizer bem alto que não existe conflito de interesses entre a Europa e os Estados Unidos a este respeito. As apostas numa informação aberta e o risco de ver um monopólio privado estender os seus tentáculos a todas as malhas da cadeia de informação são os mesmos para todos, independentemente da localização geográfica da sede do monopolista. Trata-se de um desafio que diz respeito a toda a humanidade.

Infelizmente, a avaliar pelos sinais enviados pela esfera política, o sobressalto não virá daí. A tomada de consciência colectiva virá sobretudo da opinião pública, da comunidade dos internautas, dos cidadãos em geral. Destes milhões de utilizadores de informática que até aqui foram marginalizados, manipulados e desprezados pela Microsoft. Talvez um dia eles se fartem de ser tratados como vacas leiteiras e como cobaias, que se calam e pagam por programas fechados. E então será a revolta dos escravos...



Poder-se-ia dizer que a nossa passividade face à Microsoft releva, sem que disso tenhamos consciência, de uma verdadeira opção da sociedade?


Sem dúvida. A aventura do Linux, por exemplo, lembra-me três palavras que lhe são familiares: liberdade, igualdade e fraternidade. A da Microsoft, como você terá compreendido, configura uma sociedade mais próxima, a meus olhos, do tríptico escravidão, opacidade e feudalismo... A informática e os computadores dão-nos hoje a possibilidade de revolucionar a nossa maneira de viver no dia-a-dia. Mas esta oportunidade é um pouco a do albergue espanhol: encontraremos nessa sociedade da informação aquilo que para lá levarmos. Se continuarmos a deixar que seja a Microsoft a construí-la, arriscamo-nos a que ela pareça um pesadelo. Compete-nos, pois, escolher se essa revolução deve conduzir a uma Idade Média tecnológica obscura, dominada por um punhado de senhores feudais que se apropriam da escrita e de todos os meios de transmissão da informação para cobrar impostos, sempre que alguém comunica. Ou se queremos chegar a um mundo aberto e moderno, democrático e descentralizado, onde o fluxo livre da informação nos permitirá tirar partido das enormes potencialidades da cooperação sem barreiras e da partilha do conhecimento.






NOTAS



1 CAPÍTULO


  1. Intel vs. Intergraph: Intergraph CEO details Intel charges, june 11, 1998. Consultável em http://www.news.com/News/Item/0,423092,00.html?st.ne.ni.rel

  2. The Wall Street Journal, 16 de Janeiro de 1998, página B1 e http://www.intel.com/intel/showcase/index.htm?iid={intelhome=showcase}.

  3. O. Casey Corr, «Cybersnoops on the Loose; Web-site Surfers Beware: Software "Cookies" Gathering Personal Data», The Seattle Times, 8 de Outubro de 1998. Ver também: «How About a cookie?» http://www.aci.acer.com.tw/acercare/techtalk/4/cookie.html, e Web cookies http://www.microtimes.com/175/webcookies.html, que dão uma visão mais idílica.

  4. Ver Richard Kain, «Microsoft'97 Is Just Another Standard Oil'97?», Los Angeles Times, 8 de Agosto de 1997, secção «Metro», página 9

  5. Ver um extracto muito significativo desta avaliação em http://www.essential.org/antitrust/ibm/ibm1984ec.html.

  6. Ver Jules Abels, Rockefeller Billions, 1965.



II CAPÍTULO


  1. Ver Richard M. Stallman, «The Right To Read», in Communications of the ACM, vol. 40, n.0 2, Fevereiro de 1997. No Web http://www.gnu.org.people/rms.html.

  2. Prima a tecla F5 e depois bata X97:L97, depois Enter, depois Tab e dê um clique no assistente para as cartas, sem deixar de premir o Ctr1 e o Shift.

  3. FAA Overhauls AAS, Halts MLS, Airport Report Express, 6 de Junho de 1994, http://www.airportnet.org/DEPTS/publicat/express/1994htm/6-6-94.htm.

  4. Padgett Peterson, «Ruminations on MS security», in Risks Digest 19.67, 14 de Abril de 1998. http://catless.ncl.ac.uk/RISKS/19.67.hmtl.

  5. Ver ActiveX-Conceptional Failure of Security,
    http://www.iks-jena.de/mitarb/lutz/security/activex.en.html.

  6. A lista completa de mensagens de utilizadores anónimos está disponível em http://www.vcnet.com/bms/wingripe.shtml.



III CAPÍTULO


  1. «Microsoft inspected in Japan», de Paul Festa, 13 de Janeiro de 1998, http://www.news.com/News/Item/0,4,18042,00.html?ndh.idirect.

  2. Ver a carta da SPA sobre a Concorrência a Joel Klein, Assistant Attorney General. http://www.spa.org/gvmnt/tos/completter.htm.

  3. Ver por exemplo «Windows 98 Disable Competitors' Software», de Brian Livingston, 14 de Julho de 1998, em CNN Interactive
    http://cnn.com/TECH/computing/9807/14/livingston.idg/index.hmtl?st.ne.fd.mnaw.

  4. «Caldera says M'soft may pull licenses», de Wi1l Rodger, Inter@ctive Week, april

    27,1998, http://www.zdnet.com/intweek/dai1y/980427h.html.

  5. Ver Salt Lake Tribune, disponível em
    http://www.sltrib.com/1998/jul/07291998/utah/45304.htm.

  6. Ver The Economist, 13 de Junho de 1998, página 24.

  7. Ver «Minimal NT Server/Workstation Differences»,
    http://software.ora.com/News/ms_internet_andrews.html.

  8. The (nearly) Whole Microsoft Catalog,http://www.vcnet.corn/bms/departments/catalog.html.

  9. Investments+Acquisitions, http://www.microsoft.com/msft/invest.htm.

  10. Schulmann Andrew, LA Law. The Stac case judged February 23, 1994, in Los Angeles, http://www.dap.csiro.au/Interest/LA-Law.html.

  11. The Java Office, 27 de Maio de 1997, http://www.zdnet.com/products/content/pcmg/1610/pcmg0005.html.

  12. Ver: «Borland and the Microsoft Suit»,http://www.inprise.com/about/mssuit.html.

  13. Jennifer Edstrom e Marlin Eller, Barbarians Led By Bill Gates, Henry HoIt & Co,

    1998.


IV CAPÍTULO


  1. «Microsoft Licensing Plan Denounced By Tokyo», KeyServer User Group December 18, 1997, http://www.quality.co.jp/ksug. Ver também «Microsoft profits from license changes» http://www.news.com/News/Item/0,4,26061,00.html.

  2. Programa de formação e certificação Microsoft para os estudantes. http://www.microsoft.com/france/form_cert/train/maat.htm e http://www.microsoft.com/france/form_cert/download/EDUC_GUIDE.zip. Mas, atenção! O segundo é um ficheiro Microsoft Word comprimido e legível apenas num PC Windows.

  3. Microsoft «Personal Exam Prep (PEP) Tests», http://www.microsoft.com/france/form_cert/download/pepmcse.exe.

  4. 6 «Microsoft Campus Brain Trust: 10,000$ a Year for providing "Input"», in The Chronicle for Higher Education, 24 de Abril de 1998. Ver também: «Microsoft Pays $200 for Mentioning Its Tools», The Chronicle for Higher Education, 24 de Abril de 1998.

  5. Certos sites, como o http://www.fortunecity.com/underworld/dukenukem/204/, comportam mesmo um pequeno jogo que permite «entalar» Bill Gates!

  6. Antes de pensar que Bill Gates teve um assomo de filantropia comparável ao de Andrew Carnegie, que abandonou a sua empresa para se dedicar totalmente à Carnegie Library Foundation, o leitor deverá apurar se se trata de dinheiro real... ou de «ausência de ganho», como no caso do Compétence 2000.


V CAPÍTULO


  1. Em http://www.m-tech.ab.ca/llinux-biz é fornecida uma ampla lista de aplicações.

  2. Ver o seu artigo, «La cathédrale et le bazar», disponível em: http://www.redhat.com/redhat/cathedral-bazar.

  3. Gartner Group: A HREF="http://www.gartner.com/pub1ic/static/datapro/industry/indnews6.html"> http://www.gartner.com/pub1ic/static/datapro/industry/indnews6.html. Standish Group: «NT and UNIX»: Irresistible Force vs. Immovable Object», january 1998, http://www.standishgroup.com/syst.html. Aberdeen Group: http://www.aberdeen.com.

    Ver «The Hidden Cost of NT», Martin J. Garvey, Jnformation week, http://www.informationweek.com/692/92iuhid.htm

    Ver «Solaris calls Hotmail shots for Microsoft», disponível em
    http://www.kirch.net/unix-nt/hotmail.htm. E também
    http://www.linux-center.org/articles/9807/NT.html

    Em contrapartida, o custo total que tem em conta a duração da vida da máquina, o custo de manutenção, etc., é muito mais baixo para um Mac do que para um PC WinTel.

    Ver http://www.smets.com, assim como Bernard Lang, «Des logiciels libres à la disposition de tous», Le Monde diplomatique, Janeiro de 1998. Também consul tável em
    http://www.monde-diplomatique.fr/md/l998/01/LANG/9761.html. Ver igualmente Bernard Lang e Jean Claude Guédon, «Linux, mini-os contra maxi exploitation».
    Libération, 7 de novembro de 1997. Também disponível como
    http://www.pauillac.tbinaria.fr/~lang/ecrits/libe/www.liberation.com/multi/tribune/art/tri971107.html

    Ver http://mercury.chem.pitt.edu/~angel/LinuxFocus/English/November1997/article9.html, assim como Freeware usage em http://pauillac.inria.fr/~lang/hotlist/free/use.




GLOSSÁRIO



Aplicação: Programa dedicado a uma actividade específica (gestão, jogo, tratamento de texto, etc.)


Betamax: Formato de registo e de leitura de imagens em cassetes magnéticas de 1/2 chip, criado pela Sony em 1975. Foi suplantado pelo formato VHS no início dos anos 80.


Bit: Abreviatura de Blnary digiT. Unidade elementar de informação que pode ter dois valores, 0 ou 1. Serve de unidade de medida da capacidade de certos componentes dos computadores, aparelhos electrónicos ou suportes de armazenagem.


Browser: ver Navegador.


Bug: Erro de programação num software.


Byte: Unidade de informação correspondente a um octeto, ou seja, 8 bits.


CD-Rom (Compact Disc-Read Only Memory): Extensão do CD audio, do qual possui todas as características físicas. Este disco compacto, que pode incluir dados de qualquer natureza, foi concebido para a informática: pode ser consultado num computador equipado com um leitor (interno ou externo) adaptado. A princípio utilizado pelos profissionais como memória auxiliar do computador, o CD-Rom é actualmente um suporte de edição destinado ao grande público.


Chip: Termo familiar para designar os circuitos integrados (memórias, processadores, etc.)


Ciberespaço ou cibermundo: Tradução da palavra inglesa cyberspace, inventada pelo escritor americano de ficção científica William Gibson, no seu romance Neuromancer. Por extensão, designa o universo de comunicação que se encontra para além do terminal do utilizador (computador, telefone ou televisor inteligente).


Clicar: Exercer uma pressão num aparelho de captação e de transmissão de ordens (rato, esfera, telecomando). O «dique» sobre um icone é o modo como o utilizador transmite ordens simples (abrir ou fechar um ficheiro, etc.) ao computador dotado de uma interface gráfica, ou GUI.


Cliente: Numa arquitectura de rede, diz-se do computador que recebe as informações, por oposição ao servidor, que as emite.


Consola: equipamento que, ligado ao televisor, permite executar programas multirnedia. As consolas de jogos vídeo utilizam chips de 8, 16, 32 ou 64 bits, por ordem crescente de potência.


Cookie: Conjunto de dados que, uma vez recolhidos sem conhecimento do internauta por um servidor Internet, permitem que este o identifique e reconstitua o histórico das deslocações desse indivíduo na Web.


Correio electrónico: Mensagem trocada entre dois computadores, ligados por modem a uma rede de telecomunicações (tipicamente Internet). Pode incluir eventualmente dados multirnedia.


Disco duro: Unidade de armazenagem permanente de alta capacidade dos computadores.


E-mail (electronic mail): ver Correio Electrónico.


Em linha (online): Diz-se das redes ou serviços cujo acesso se faz através de um terminal (computador, descodificador para posto de televisão, agenda electrónica) ligado a uma rede.


GUI (Graphical User Interface): interface gráfica.


Hacker: Tradicionalmente, um programador de alto nível que sabe abrir e manipular sistemas informáticos complexos. Infelizmente, esta palavra às vezes também é utilizada para designar piratas.


Hardware: Anglicismo que designa materiais, aparelhos, máquinas, etc. Por oposição a aplicações, programas e software.


Hipertexto: Texto enriquecido com referências a outros documentos (eventualmente multimedia). Em geral, lê-se com um programa navegador que indica as palavras de referência com o auxílio de cores, sublinhando-as, ou com outro artifício gráfico qualquer. A todo o instante, o utilizador pode obter complementos de informação, dando apenas um dique sobre essas palavras de referência. Isto permite organizar vários encaminhamentos lógicos na informação.


Hotline: Serviço de assistência técnica por telefone.


Icone (pictograma): Representação gráfica na qual se pode clicar - nas interfaces de utilização conviviais - para seleccionar um ficheiro, abri-lo, arrumá-lo, lançar uma aplicação, etc.


Interface: A interface de utilização é a parte de uma aplicação que está consagrada ao diálogo com o seu utilizador. É ela que gere a interactividade entre o homem e a máquina.


Internauta: Utilizador da Internet.


Internet: Rede informática mundial, formada por mais de trinta mil sub-redes ligadas, de todas as dimensões, e que abrangeria cerca de sessenta milhões de utilizadores. É possível usar a Internet para vários tipos de actividades: trocar correio electrónico, participar nos quinze mil fóruns de discussão da Usenet, ou fazer surf no vasto mundo World Wide Web.


Java: Linguagem de programação, promovida pela Sun MicroSystems, que permite escrever aplicações capazes de funcionar depois em todos os computadores, qualquer que seja a sua arquitectura.


Linux: Sistema operativo derivado da família Unix. Criado em 1991 pelo jovem finlandês Linus Torvalds, o Linux é o símbolo do software livre.



Memória: Dispositivo ou suporte que permite conservar e restituir informações. Há «memórias vivas» - RAM ou Random Access Memory -, que permitem ler e escrever informações indefinidamente, e «memórias mortas» - ROM ou Read Only Memory - que não podem reescrever-se. Um computador caracteriza-se, nomeadamente, pela dimensão da sua «memória central» (a memória viva por onde transitam as informações a tratar) e pela da sua «memória auxiliar» ou do «disco duro».


Microprocessador: Processador cujos elementos são miniaturizados em circuitos integrados. O processador central de um computador é um pouco o «motor» da máquina: executa as instruções dos programas instalados na memória central e nomeadamente aqueles que constituem o sistema operativo.


MIT (Massachusetts Institute of Technology): Universidade e centro de investigação tecnológica de prestígio em Cambridge, nos arredores de Boston (estado de Massachusetts).


Multimedia: Técnica de comunicação que tende a reunir num único suporte um conjunto de meios de comunicação numerados: texto, gráficos, fotografia, vídeo, som e dados informáticos, para os difundir simultaneamente e de forma interactiva. O desenvolvimento do multimedia é possível graças à numeração dos dados.


Navegador (ou browser): programa que permite que os utilizadores «naveguem» de forma convivial na Intemet.


Net: Abreviatura de Internet.


Numérico: Que tem um código em séries de bits, ou seja, de 0 e de 1. É a numeração dos dados - a sua tradução em bits - que permite misturá-los e tratá-los; daqui a emergência do multimedia.


Octeto: Unidade de medida que vale 8 bits.


PC (personal computer): Esta expressão, que a principio significava computador pessoal, designa hoje exclusivamente os microcomputadores IBM e compatíveis.


Pirata: Palavra utilizada para designar uma pessoa que força ilegalmente os códigos de segurança dos sistemas informáticos, electrónicos e/ou de telecomunicações. Muitas vezes, chama-se pirata ao indivíduo que efectua uma cópia ilegal de um programa, apesar de vários especialistas, entre os quais Richar Stallman, considerarem que se trata de um abuso de linguagem totalmente injustificado.


Posto de trabalho: Computador de grande potência de cálculo utilizado por profissionais, por oposição aos microcomputadores ou computadores pessoais destinados ao grande público. Os postos gráficos destinam-se ao trabalho gráfico (PAO, CAO, imagens a 3 dimensões, etc.)


Rato: Equipamento periférico de um computador que permite interagir com uma interface gráfica. O rato inclui uma esfera que permite posicionar o cursor no ecrá e um ou vários botões que se primem para desencadear uma acção.


Rebooter (reboot): Fazer arrancar um computador, muitas vezes porque ele se avariou.


Sistema operativo: Camada de sofftware que gere o material e apresenta às aplicações uma interface de alto nível com as diversas componentes do computador.


Software: Conjunto das informações e criações intelectuais que não relevam do «material». Em informática, os programas, as aplicações, os processos relevam do software. Por extensão, tudo o que é conteúdo (livro, filme, disco, CD-Rom), por oposição ao material (hard~vare).


Software livre (free software): Programa quase sempre criado graças aos esforços colectivos de centenas de programadores de todo o mundo, e postos gratuitamente à disposição da colectividade. Estes programas estão abrangidos por uma licença não comercial que impede a sua recuperação com fins mercantilistas.


Start-up: É assim que se chama nos Estados Unidos às jovens PMEs tecnológicas que se encontram numa fase de crescimento muito forte.


Unix: Sistema operativo, de multifunções e multiusos, desenvolvido inicial-mente pela Bell Labs, em 1969. Existe hoje em muitas famílias de Unix, comerciais ou livres.


Vaporware: Prática comercial que consiste em anunciar o próximo lançamento no mercado de um programa ou de um material que ainda não existe, para prejudicar os produtos concorrentes.


VHS (Video Home System): Formato de registo vídeo em banda magnética, lançado pela JVC e pela Matsushita em 1976 e que suplantou o formato Betamax da Sony. Hoje em dia, todos os gravadores e cassetes vídeo destinados ao grande público têm este formato.


Vírus: Programa informático parasita, capaz de se reproduzir e de alterar, por vezes de forma irreversível, o funcionamento de outros programas. Os vírus são transmissíveis através da leitura de disquetes ou de CD-Rom contaminados, assim como por comunicação em linha.


Windows: Sottware de interface de utilização gráfica desenvolvido pela Microsoft para completar o sistema operativo MS-DOS.


Wintel: Termo habitualmente utilizado para designar as máquinas equipadas com um sistema operativo Windows e um chip Intel.


World Wide Web (abreviaturas: Web ou WWW): Sub-rede multimedia

extremamente popular da Internet, que é possível explorar com um navegador de uma forma muito convivial, graças a ligações hipertexto