Conheça Gustavo Fonseca ,
o conservacionista brasileiro
responsável por administrar
35 milhões de dólares
na tentativa de salvar espécies
da extinção .
Por Adriana Garcia
Matéria publicada na revista
EXAME em 28/07/99
Você
provavelmente nunca ouviu falar de gustavo Fonseca , zoólogo mineiro
de 41 anos .
Mas Michael Eisner
, presidente da Disney , William Ford , presidente mundial da Ford e Henry
Moore , ex-presidente da Intel , sabem muito bem quem ele é .
Moore acaba de lhe
colocar nas mãos a nada desprezível quantia de 35 milões
de dólares .
Os três superexecutivos
americanos são conselheiros da Conservation International , uma
organização não governamental com sede em Washington
, para onde Fonseca acaba de se mudar .
Lá , ele
vai dirigir um novo centro para estudo da biodiversidade , um conceito
que engloba os organismos vivos e os complexos ecológicos dos quais
fazem parte .
Fonseca vai evitar
a destruição dos 24 pontos de biodiversidade mais ricos e
com maior número de espécies ameaçadas , os chamados
hotspots , que ocupam apenas 2% do território do planeta .
Foi para financiar
esta idéia de Fonseca que Moore colocou a mão no bolso .
" Queremos que esse centro funcione como um alerta para evitar a extinção
de espécies , e não há ninguém mais qualificado
que Gustavo para comandá-lo , disse Moore a EXAME .
Numa reportagem
recente , a revista Fortune descreveu Fonseca como um workaholic especializado
em mamíferos e com um certo ar de quem já passou várias
madrugadas acordado e fumou muitos cigarros .
Gustavo Fonseca
é também um sugeito que consegue caminhar pela mata , sentir
a presença de um animal antes de qualquer um e organizar um jantar
íntimo entre Gordon Moore e o presidente Fernando Henrique Cardoso
em poucos dias .
Mas por que Moore
e outros executivos poderosos se sentiram atraídos pela Conservation
International e pelas idéias de gente como Fonseca ?
" Nós nunca
fomos combativos . Não somos o Greenpeace " , diz o ambientalista
. A CI busca alternativas para propiciar o desenvolvimento sustentável
, que busca chegar a acordos por meio da negociação .
Mata Atlântica
Seus membros são
vistos como cientistas que unem ideologia e prática .
Ciência e
gestão administrativa criam uma estrutura ágil e eficiente
. " A CI reconhece a importância do desenvolvimento econômico
sustentável " , diz o consultor Joel Korn , ex-presidente do Bank
of America no Brasil e membro do conselho da CI .
Com o novo centro
, Fonseca passa agora a buscar soluções globais para conflitos
. Um de seus projetos é aumentar a criação de corredores
verdes , que serviriam como conexão entre reservas ambientais .
Desta forma , os
animais teriam como transitar e poderiam escapar da morte em caso de desastres
naturais , como incêndios , por exemplo . O primeiro desses corredores
foi aberto num trecho de Mata Atântica no sul da Bahia , ao lado
da reserva do Una , graças a recursos de empresas como a Ford ,
a Budweiser ( da americana Anheuser-Busch ) e o Banco Alfa Investimentos
( ex-Banco Real de investimentos ) .
A operacionalização
dessa idéia não foi simples . Para formar um corredor verde
é preciso comprar terra .
Fonseca e dirigentes
do Instituto Sócio-Ambiental do Sul da Bahia convenceram executivos
dessas empresas a adquirir , por 200 000 dólares , 100 hectares
de mata , que se transformaram num parque , bem ao lado da reserva .
O Banco Alfa tem
interesse evidente na área . Ali perto fica um de seus negócios
, o resort Transamérica Ilha de Comandatuba .
Fonseca convenceu
os executivos de que conservar seria uma alternativa rentável porque
os turistas estariam dispostos a pagar um pouco mais para ver aquele pedaço
da floresta preservado .
Por outro lado ,
se o restante da floresta fosse devastado os prejuísos econômicos
seriam de 50 milhões de dólares anuais .
" Para nós
a perda seria muito maior . Nossa vantagem comparativa é estarmos
instalados numa ilha e ter a Mata atlântica como paisagem ", diz
Carlos Nascimento , diretor superintendente do Alfa Investimentos .
vista da mata preservada
a partir da ilha de Comandatuba
Pesca esportiva em área preservada !
O novo terreno deu
lugar ao parque , batizado de EcoParque do Una , há um ano e meio
. Ali os visitantes pagam um ingresso de R$ 30,00 para fazer um passeio
de quatro horas acompanhados de um biólogo , e terminam o programa
caminhando a 20 metros do chão em passarelas de madeira suspensas
na mata ( o projeto está disponível no endereço eletrônico
www.conservation.org.br/proj/index.html ) .
Para Fonseca , projetos
como esse não acontecem em maior numero no Brasil porque faltam
incentivos fiscais para essa área .
Nos Estados Unidos
, os investimentos no meio ambiente contam com diversos tipos de isenção
fiscal .
Por aqui ainda não
existe uma lei Rouanet do verde . Esta falha inibe as doações
locais e repele as internacionais .
" Os executivos
americanos questionam se devem investir dinheiro para preservação
no Brasil , já que os próprios brasileiros não parecem
estar muito preocupados com a questão " , diz Fonseca .
Segundo ele , a
maior parte das empresas nacionais começa a lidar com o meio ambiente
de forma reativa : quando são multadas ou processadas .
Por outro lado ,
se os executivos estão dispostos a ajudar , enfrentam a resistência
do conselho para levar seus projetos ambientais adiante. " Nós não
estamos na Noruega . Convencer um conselho de acionistas a investir não
é facil " , diz Nascimento , do Alfa Investimentos .
O caso da Aracruz
Celulose é ilustrativo . De uma postura reativa , a empresa passou
a ver pontos de conexão entre a sua atividade , a preservação
e sua imagem institucional . Hoje , a Aracruz chega a realizar estudos
da vida silvestre em suas reservas . Possui 121 000 hectares de plantações
de eucaliptos e 62 000 de reservas nativas ( 29% da área total ,
ou 9% a mais do minimo estabelecido pelo governo ) .
Agora a Aracruz
quer se aliar às indústrias do setor de celulose para trocar
informações e desenvolver projetos de conservação
em conjunto .
Gustavo Fonseca
pensa que empresas como a Aracruz podem ir além na exploração
sustentável de suas reservas . " Essas áreas são um
laboratório potencial para a produção de produtos
ligados à biotecnologia " diz .
Ecoparque de Una :
passarelas suspensas
A seguir , outras idéias de Gustavo Fonseca sobre empresas , meio ambiente e benefícios que podem ser gerados a partir da combinação de interesses :
Sobre Problemas gritantes :
O maior problema
ambiental do Brasil é o da biodiversidade . Você até
pode ter concerto para o resto : limpar a atmosfera , retirar lixo , ou
seja , dar soluções técnicas a grande parte dos problemas
que enfrentamos hoje e que são causados também por empresas
.
Mas a biodiversidade
tem uma urgência que os outros problemas não têm , porque
uma espécie que se perde agora não se recupera mais .
Não há
solução técnica possível para voltar ao estado
anterior . Temos mais 10 ou 15 anos para reverter esta situação
e fazer com que uma parcela dessa diversidade biológica sobreviva
para as gerações futuras .
Sabe-se que um terço
dos animais e das plantas catalogados estão condenadas a desaparecer
em 20 ou 30 anos .
Se você perguntar
, tecnicamente , se o mundo vai acabar caso o mico - leão - dourado
desapareça amanhã a resposta é não . Mas isso
indica que algo muito sério está acontecendo : imagine um
Boeing supermoderno que tem na sua confecção mais de 200
000 arrebites ; se você tirar 30 , 50 , ou 2 000 deles provavelmente
o avião não vá cair .
Vai chegar um momento
, porém , em que a falta de um mero arrebite vai fazer toda a estrutura
entrar em colapso .
Mico Leão Dourado
Sobre por que as empresas deveriam pensar em meio ambiente :
O meio ambiente é
uma interface poderosa entre a empresa e seus consumidores . Trata-se de
uma estratégia de marketing que agrega valor , e vai além
.
Em muitos países
da Europa e nos Estados Unidos , ser uma empresa que defende o meio ambiente
ajuda a derrubar barreiras comerciais . A Ford mundial , por exemplo ,
busca um retorno de imagem por suas ações ambientais .
Como outras empresas
automobilisticas , ela sabe que é poluidora , mas esta preocupada
em reduzir o impacto ambiental que provoca .
A empresa contribui
com doações e faz pesquisas para diminuir a emissão
de carbono , que aumenta o efeito estufa .
É a Conservation
International que gerencia as ações da Ford para o meio ambiente
no mundo .
A Intel também
tem uma proposta ousada : Nós estamos ligando várias reservas
no mundo por meio da internet com os computadores deles , assim os pesquisadores
podem trocar idéias sobre seus estudos em vários países
. Ao mesmo tempo que divulga seu produto em novos mercados .
É o tipo
de ação que vai pegar no futuro .
Sobre a visão de curto prazo :
A maior parte do
empresariado brasileiro ainda encherga a causa ambiental com uma posura
defensiva .
Os executivos pensam
que qualquer iniciativa é uma dor de cabeça a mais para administrar
e vai resultar em mais regulamentos , impedimentos e gastos .
Eles ainda não
perceberam que uma ação ambiental pode beneficiar o desempenho
da empresa , melhorar os níveis de eficiência e ajudá-la
a ganhar mercado .
Não sei se
isso é algo intrínseco ao empresariado brasileiro ou se tem
mais a ver com a natureza da economia , que muda a toda hora e impede o
planejamento de longo prazo . Na área ambiental tudo é a
longo prazo .
Sobre empresas modelares :
Há várias
empresas preocupadas com questões ecológicas no país
.
Um dos primeiros
bancos a dedicar atenção a isso foi o Unibanco , que incentiva
um grande número de projetos no Brasil e também trabalha
essas questões dentro do próprio banco , promovendo a reciclagem
de materiais e incentivando o envolvimento dos funcionários em trabalhos
comunitários .
O Boticário
, no Paraná , é pioneiro tanto fora quanto dentro da empresa
, isso é muito importante porque , quando você envolve os
funcionários nessas atividades , acaba ajudando a resolver problemas
internos .
Sobre a letargia federal :
Desde que Fernando
hemrique Cardoso assumiu a presidência , a devastação
só aumentou no Brasil .
A primeira gestão
do governo FHC foi desastrosa na área ambiental . Não houve
uma preocupação em tratar a questão com o devido mérito
e as instituições da área foram debilitadas financeira
e politicamente ; foram quatro anos perdidos .
Neste segundo mandato
, o ministério do meio ambiente tem pelo menos uma equipe mais habilitada
.
Sobre a negociação eficaz :
Eu tenho minha visão
sobre como o mundo deve ser .
E tenho hoje consciência
de que ela não vai se realizar enquanto eu viver ; isso não
faz com que eu reduza as minhas expectativas .
Como ambientalista
, eu só ampliei o elenco de atores que devem estar reunidos para
chegar a soluções que façam sentido para todas as
partes envolvidas , Eu acho que nunca haverá uma solução
ideal para os problemas .
Fala-se muito das
relações ganha-ganha , em teoria é tudo muito bonito
, mas na prática sempre alguém vai sair perdendo .
O importante é
que todos entendam o que estão trocando . Quando todos sabem qual
é a moeda que está sendo negociada , as decisões são
mais racionais e vão na direção correta .
Sobre a importância de ir a campo :
Quando você
está numa posição de liderança , se não
for a campo e experimentar em primeira mão o que está acontecendo
, passa a não entender mais nada .
A experiência
de campo , para o ambientalista , é que dá a perspectiva
para o trabalho , não adianta ler 50 livros sobre uma realidade
se você não a conhece de perto .
Mesmo com muitas
reuniões e compromissos burocráticos , fasso um esforço
grande para ter essa oportunidade , é verdade que aqui em Washington
há um distanciamento do dia -a-dia em campo .
É perigoso
: você tende a conceber idéias impossíveis de implementar
.
Apresentação
da Conservation International ( http://www.conservation.org.br
)
A Conservation International (CI) é uma organização privada, sem fins lucrativos, dedicada à conservação e uso sustentado da biodiversidade. Atuando no Brasil desde 1988, a CI busca estratégias que promovam o desenvolvimento de alternativas econômicas sustentáveis, compatíveis com a proteção dos ecossistemas naturais, sempre levando em consideração as realidades locais e as necessidades particulares das comunidades. Em 1990, o Programa do Brasil se transformou em uma entidade nacional autônoma, denominada Instituto Conservation International do Brasil S/C (CI do Brasil).
Quatro programas englobam os diversos projetos da CI do Brasil: Economia da Conservação; Biologia da Conservação; Políticas de Conservação; e Planejamento e Capacitação em Conservação. Os diferentes projetos têm sido desenvolvidos nos grandes biomas brasileiros: Mata Atlântica, Amazônia e Cerrado/Pantanal.
A CI do Brasil tem se destacado pela colaboração e parceria com organizações não-governamentais locais e regionais, instituições de pesquisa, órgãos governamentais e a iniciativa privada na condução de seus projetos.
Em 1997, a CI do
Brasil foi reconhecida como Entidade de Utilidade Pública Federal,
por meio de Decreto do Presidente da República, datado de 16 de
setembro de 1997.