Pescando com mordomia
Texto e fotos : Rogerio Pedroni
Uma pescaria em meio a floresta amazônica, sempre é na verdade uma aventura onde acabamos por aprender um pouco mais sobre os segredos que envolvem os rios, lagos e peixes da região! Desta vez, a convite do amigo e parceiro de pesca Manuel Guiu, tive o prazer de pescar com um grupo de pescadores bastante eclético em experiência, a bordo do barco hotel "Miss Bebel" que sairia de Manaus no dia 12 de fevereiro de 2000 rumo a um afluente do rio Branco, no estado de Roraima.
A animação começou com os tradicionais preparativos, com a compra e reposição dos equipamentos detonados na ultima pescaria feita no rio Iriri no Pará e na orientação aos amigos que seriam nossos companheiros nesta nova aventura, que pela primeira vez iriam se aventurar na pesca dos Tucunarés amazônicos. A expectativa destes amigos me preocupava um pouco, pois sabia estarmos para pescar numa época onde os rios na região de Manaus estavam cheios e mesmo indo para o estado de Roraima onde nesta época, é verão e os rios estão secos, tinha uma idéia das dificuldades que deveríamos encontrar para encontrar os gigantes tão esperados pelos novatos.
Pescar estes sonhados troféus, sem duvida alguma, é o objetivo de qualquer pescador, mas na verdade estes são a exceção. Devemos pensar que quando nos dispomos a realizar estas pescarias, que devemos nos deparar com muitos tucunarés de porte pequeno e médio e aproveitar para nos divertirmos com eles, pois no momento certo acabamos por esbarrar no esperado troféu.


 Seguimos no dia combinado para o aeroporto, onde deveríamos encontrar já embarcados os amigos cariocas que completariam o grupo. Minha maior curiosidade estava no fato de que nunca tinha pescado no conforto de um barco hotel, estava acostumado a armar rede na mata e amargar o calor da região sem a mordomia de uma cabine com ar condicionado. Recentes relatos de amigos insatisfeitos com estes serviços me deixaram um pouco apreensivo com o que eu iria encontrar. Chegamos a Manaus em meio a inúmeras brincadeiras e uma viagem tranqüila, e não tardou para que o ônibus que deveria transportar o grupo estacionasse em frente a área de desembarque do aeroporto e tivéssemos nossas bagagens acomodadas no bagageiro seguindo para a marina onde estava ancorado o barco.
Deveríamos esperar ainda algumas horas para iniciar a navegação, pois faltava ainda um pescador que vinha de Minas Gerais e estava perdido entre inúmeras conecções devendo ainda demorar a chegar. Navegamos por toda a noite e só chegamos ao destino no dia seguinte por volta das 13:00 hs., sendo que durante a navegação tivemos tempo de sobra para preparar toda a tralha de pesca, passando as linhas nas carretilhas, amassando as farpas das garatéias e ajeitando as iscas nas caixas. Quando enfim embarcamos nas voadeiras o cenário embora parecesse ideal aos amigos inexperientes, não era lá muito animador aos meus olhos!
O rio Xeruini é um afluente do rio Branco e estávamos a cerca de duas horas acima deste grande rio de águas barrentas onde apesar de muito seco acaba com seu maior volume de água represando o inicio dos seus afluentes. O nível das águas neste ponto do Xeruini era ainda muito alto e certamente os Tucunas estariam no meio da mata alagada (Cacaia). Junto com o Wagner, meu parceiro neste primeiro dia e com um piloteiro do Miss Bebel, começamos a trabalhar as iscas artificiais junto as prováveis estruturas que abrigariam os peixes sem obter no entanto nenhum sucesso. Comecei a trabalhar uma isca de hélice na tentativa de chamar a atenção dos tucunarés e seduzi-los a sair da mata para abocanhar a barulhenta isca, e de novo nada de peixe.

Wagner já cansado de trabalhar iscas grandes resolveu curtir a paisagem magnífica que se descortinava a cada curva de igarapé e trabalhar uma isca de meia água pequena sem se incomodar com a gozação a respeito da frágil isca que não resistiria ao ataque de meio tucunaré, e não demorou muito para fisgar sua primeira piranha e como uma criança na Disneylândia comemorava e pedia foto do seu troféu de mais ou menos um quilo! Só no final da tarde batendo uma ponta de praia tive meu esforço recompensado com o ataque de um tucunaré paca de mais ou menos 1,5 Kg que explodiu na isca de hélice com violência e salvou o dia com sua valentia.
Retornando ao barco hotel ficamos sabendo que o dono da embarcação havia decidido subir o rio mais algumas horas, para que pudéssemos encontrar uma situação de pesca mais favorável. No dia seguinte já estávamos no novo pesqueiro que embora ainda tivesse com o nível do rio alto era o limite onde poderia chegar o grande barco hotel sem comprometer a navegação na volta. Novamente com o Wagner seguimos na voadeira por mais 1,5 horas rio acima onde começamos a encontrar lagos um pouco mais secos e os Tucunarés não demoraram a aparecer! Foi o começo da festa, com varias ações de tucunas pesando de 1,5 a 3,0 Kg, fui brindado com o troféu do dia que pesava exatos 4,0 Kg segundo a balança do amigo Wagner.
Nos dias que se seguiram tive o prazer de ver meu parceiro fisgar e comemorar a cada tucunaré borboleta que explodia em sua isca, todos pequenos é verdade, sempre em torno de 2 Kg, lembro que esta espécie não atinge grandes proporções, mas tem a força de um Açu de 3,0 Kg. O bichinho é valente! Nos outros barcos a situação foi semelhante em toda a pescaria, cabendo aos amigos que contavam com os guias nativos da região (apenas três guias eram nativos) alguma vantagem para localizar lagos centrais onde sempre a probabilidade de fisgar um troféu é maior. Digo "alguma" vantagem, pois percebemos que embora conhecedores da região os guias nativos pareciam sonegar informação sobre estes lagos centrais e se por um lado de vez em quando se "lembravam" de um bom pesqueiro tinham a desvantagem de não parecerem comprometidos com o sucesso da pescaria, o que nos demais guias era uma preocupação constante.

Nenhum problema para quem se acostumou a descobrir sozinho os mais produtivos pontos de um rio, e comemorar além do sucesso de fisgar bons troféus, o aprendizado na identificação dos melhores pontos de pesca. Mas é algo preocupante para o pescador novato que acredita estar contratando um serviço que colocará sua isca na boca do maior peixe fisgado pelo grupo!
Ao final pude tirar minhas conclusões sobre ter ou não mordomias de barco hotel pescando na Amazônia: a viagem correu tranqüila e confortável, cabendo aos pescadores apenas a preocupação com seu equipamento e na localização dos peixes, sem nenhum contratempo maior que fosse de responsabilidade da equipe do barco hotel. Apesar de oferecer algumas restrições quanto aos locais de acesso pelo porte do barco, inibindo a descoberta de locais realmente intocados pelo homem, o conforto faz com que a pescaria não seja cansativa (fisicamente) alem de proporcionar uma segurança e comodidade sem iguais se comparada aos acampamentos.
Foram fisgados Tucunarés pesando 7 Kg, o que acredito ser um peixe de respeito que não deixa margem para reclamações sobre a qualidade do local escolhido para a pesca. O serviço oferecido pelo Miss Bebel correspondeu a minhas expectativas, e como de costume indico este serviço aos meus amigos, pois nesta experiência que tive tudo saiu perfeito. Lembro aos amigos que não ganho nada para promover esta ou aquela estrutura de pesca indicando apenas serviços com os quais saí satisfeito. A opção de viajar sem este conforto pode se traduzir em aventuras emocionantes e talvez estabelecer acampamento em locais intocados, mas devemos pensar que isto nem sempre é verdade, pois depende de uma organização difícil e um planejamento muito mais trabalhoso!
Tudo é experiência adquirida, o importante é tirar de cada pescaria um novo aprendizado, uma nova historia e a paz que recarrega nossas baterias físicas e mentais tão esgotadas com a realidade do mundo moderno!