Não vamos
falar dos gramados, das tardes ensolaradas de domingo, dos dribles desconcertantes,
dos craques que fazem da bola
sua escrava e, ao mesmo
tempo, amantes indescritíveis, uma paixão que parece consumir
à ambos, ou seja, não vou falar da glória
do futebol. Não!
O gol não será o alvo de nossas vistas inebriadas.
Portanto, convido o senhor
que está lendo esta coluna enquanto o jogo prossegue logo ali adiante,
um tanto quanto enfadonho, no
qual um craque qualquer
não está em sua noite mais inspirada e ele e a bola parecem
inimigos mortais. Convido o senhor a baixar
um pouco mais o olhar e
observar o banco de reservas.
Viu?! Pois é, lá
está ele impassível e sereno, "deitado em berço esplêndido",
mas ao mesmo tempo é um lugar obscuro. O futebol
tem dessas coisas ele faz
com que lugares deixem de existir mesmo que estejamos de frente para ele.
Veja, quase nunca o vemos.
Raramente uma bondosa rede
de televisão mostra a escalação do banco de reservas,
mesmo o nome do técnico vem junto ao dos
titulares. O que para mim
parece coisa de maníaco: "Ô Fulano, diz aí o escrete
do banco da Copa de 70!", definitivamente um
absurdo. Um lugar do qual
os homens comuns só se lembram das existência do técnico
(o qual insistem em xingar durante o jogo:
"BURRO! BURRO!"). Sim,
porque o técnico assim como um bom jogador não pode errar.
As noites pouco inspiradas a que me
referia acima são
mortais. Aliás, este é um dos pecados que não se pode
cometer no futebol: o de ser mortal. Não! Não,
companheiro, o jogador
tem que se igualar à um Hércules, um Aquiles. Isso! no mínimo
um semi-deus.
Mas o que eu quero dizer
é justamente o contrário, isto é, daqueles que vivem
no Hades do futebol. Ali, tão perto da glória, da fama,
da fortuna: o banco de
reservas...
Bem, depois desta introdução
vamos então a partida, isto é, ao banco. Entram todos os
jogadores e os titulares logo se diferenciam
dos reservas pelo assédio
dos repórteres. Então vemos uma pequena massa que se dirige
mansa, com um sorriso no canto dos
lábios. Sentam-se
e se aconchegam em meio as toalhas e as bolsas de água. Alguém
ensaia um sambinha e é dado o início à
partida. O técnico
lança um olhar furioso para o banco e ele imediatamente se calam,
mas o silêncio dura pouco tempo, afinal, não
é este um jogo de
decisão. Alguém solta uma piadinha e todos riem. Bem, mas
o jogo permanece monótono, com poucos lances.
Depois dos trinta minutos
do primeiro tempo os que ainda não dormiram lutam contra o sono
tentando prestar atenção ao jogos.
Graças à Deus,
o juiz apita o final do primeiro tempo e os jogadores se levantam com as
costas doendo e a sensação de não terem
bunda. O meio-campo, que
aliás é reserva do craque pensa: "Se o Fulano não
machucar rápido não vou agüentar o sono." Lança
um
olhar de fúria para
as costas do craque, que caminha lentamente, impedido pelos microfones
e câmeras. O reserva passa a seu
lado e ainda escuta: "...
nós vamos me...". Seu cérebro se fecha. Chega finalmente
ao túnel.
Segundo tempo, vamos para
o desenlace de mais uma "peleja" (principalmente para que está assistindo)
do esporte bretão. Aquela
leve dorzinha nas costas
volta quando todos sentam. O técnico, num momento de delírio,
pergunta para o banco: "Alguém tem um
cigarro aí?...",
enquanto todos lhe respondem com um olhar confuso: "Deixa p'ra lá...".
Trinta minutos; o panorama da partida é o
seguinte: o placar é
0X0, ninguém pressiona ninguém, a torcida começa a
ir embora. Então o técnico da altura de seu tédio
e com a
garganta estourando de
dor, lança um olhar significativo para o banco e todos saem desesperados:
é hora do aquecimento. A
qualquer momento poder
ser dada a chance a qualquer um. Um momento fugaz de glória: "Entrei
só para ganhar o bicho... mas
quem sabem marcar o único
gol da partida..."
De repente, o juiz apita
e o craque está lá, se contorcendo de dor no chão.
Os olhos do meio-campo brilham, o técnico olha para o
banco com uma pergunta
no olhar: "Quem entra?...", o meio-campo acolhe aquele olhar respondendo:
"Eu!...". Realmente o craque
não terá
condições de continuar. O coração do meio-campo
palpita querendo explodir em seu peito. Um voz. Ele fecha os olhos e
pensa ouvir seu nome. Mas
algo está errado. Abre os olhos e vê o zagueiro caminhando
em direção ao técnico. "É melhor manter o
resultado, afinal estamos
jogando fora de casa, não vale a pena arriscar."
O jogador recebe as instruções,
assina a sumula, enquanto os outros reservas caminham para o banco lentamente.
O zagueiro
caminha até a beirada
do campo remoendo as instruções, o suficiente para repeti-las
aos repórteres e esquecê-las no momento em
que dá os três
pulinhos para dar sorte, enquanto entra no campo.
Termina a partida. Os jogadores
tentam justificar a má atuação aos repórteres.
Os poucos torcedores que se dignificaram em
permanecer no estádio
entoam um corinho: "TIMINHO! TIMINHO!".
O senhor depois de ler isto
ao final da partida vai se levantar com a cabeça vazia. Bem, amanhã
será outro dia, só para abusar do
lugar-comum. Quem sabe
no próximo jogo...