Sarapatel dos Estetas |
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Érico
Vieira Leão Pereira
Divinópolis
- M.G..
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Crônicas |
Quem se recorda das propriedades xamânicas do tabaco, sua função ritualística, evocativa -- transcendente(?). E quem poderia supor que de privilégio sacerdotal o fumo se tornaria luxo aristocrático e, por fim, vício banal? Eis que o bom selvagem se transforma num bárbaro de pulmões enegrecidos -- e aqui estamos nós, aqui estou eu, ainda imerso em visões antasmagóricas. Não sou o Marlboro Man, não vivo nas pradarias, não habito o paraíso fácil de quem não morre nem nunca morrerá de câncer de pulmão. Cultivo um hábito decadente que pode me levar a morte, mas afirmo que saber cultivar um vício é uma virtude, é uma arte. É um privilégio. Nada de niilismo indolente aqui. Não. Sei que o cigarro é um veneno, mas é um santo veneno, um veneno enviado por deuses que não existem mais -- amém! (uma névoa sinistra escoa da caixa aberta de Pandora, e ali os deuses aguardam, silenciosos). Poder escolher um vício -- um vício mortal -- é, repito, um privilégio. Não é uma opção pelo esquecimento: é uma opção pela ambigüidade, pelo mundo difuso da névoa; é uma opção pela verdade inconstante da vida. Ora, e o que há por detrás da fumaça? Multidões de não-fumantes indignados com sua intoxicação involuntária, compulsória. Cada um com seu vício própriom respeitável, incurável; cada um com seu próprio meio de fuga. Sendo que não há para onde fugir: as pradarias estão em chamas, e a última fronteira foi conquistada e demarcada já há muito, muito tempo. Confinados em nosso pequeno mundo, ascendemos em espirais de fumaça, o planeta em combustão lenta e programada, os céus se enegrecendo aos poucos, como meus pulmões. Quando acendo um cigarro, não posso deixar de sorrir, ainda que seja um meio sorriso. ... e meu sorriso na névoa cinza como uma meia-lua, como o sorriso do gato de Chelshire... |