Sarapatel dos Estetas
 
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Me arruma um cigarro, porra!
 
Marcos Xavier
Belo Horizonte - M.G..
 
 
Contos Valeska aproximou-se da janela para observar aquela estranha noite que se apoderava de seu íntimo. Sentia que ela havia caído funesta e poderosamente. Não havia raios, nem uivos assustadores. Havia, sim, um silêncio sinistro em meio ao negror completo, provocado pelo black-out da CEMIG. Um horror interno a impedia de dormir e já eram duas da manhã. Apesar de resistir, temendo que os espectros imaginários que lhe dominavam a mente realmente estivessem povoando aquele maldito quarto, Valeska finalmente se deita, encolhendo-se num canto da cama. 

Eis que, então, um pequeno ruído parece vir da janela. O horror que já sentia intensificou-se... seus olhos se recusaram a abrir. Um novo ruído, para seu pavor, definiu-se... era a janela que se abria lentamente... Uma repentina coragem torna seus olhos aptos a lançarem-se em direção ao terror; agora já não podia mais esconder-se: antes estar atenta e tentar se defender... 

Valeska, então, mal acreditou no que viu: através da tênue luz da lua, pôde distinguir duas horrendas mãos, dotadas de enormes unhas, a abrir sua janela, ao passo que uma forte ventania adentrava, sacudindo a cortina... O horror a paralisara e, antes que pudesse gritar, sentiu-se morbidamente atraída pela criatura que adentrava seu quarto. O vulto negro que se aproximava exercia-lhe um estranho domínio. Seu pavor dava lugar a um estranho êxtase, um ímpeto de a ele se entregar... Quando o vampiro, então, a tomou nos braços, Valeska contorceu-se de prazer. Seus corpos entrelaçaram-se sobre o leito, o calor de seu corpo a aquecer os músculos gelados do apavorante sedutor. 

Não se sabe bem por que, a consciência da delicada vítima começou a vir-lhe, em latejos. Naquele momento, começava a perceber que realizava a maior fantasia arquetípica da mulher ocidental! Estava ali, provando daquele amor bestial, prazer e adrenalina em ação, êxtase total... 

Junto àquela sensação exultante, entretanto, emergiu-lhe também a sensação do perigo iminente: sua vida poderia durar apenas mais alguns minutos, ou mesmo segundos... Armando-se, então, de todo o seu potencial sedutor, Valeska passou a dominar o parceiro que, dominado pelo prazer, não resistiu. Pondo-se sobre o adorável demônio, fê-lo arquear-se para trás, de modo que seus monstruosos caninos ficassem numa posição vulnerável. Começou a morder-lhe o pescoço e, continuadamente, atingiu seu peito, enquanto estendia o braço até a gaveta do criado mudo. Para sua sorte, ainda estava ali o boticão que ganhara de presente quando formou-se em Odontologia: uma brincadeira do Professor Petrônio era agora sua salvação! 

Enlouqueceu aquela criatura o mais que pôde, até que, com a precisão que lhe era costumeira no consultório, arrancou-lhe, num só golpe, o canino esquerdo. Entorpecido que estava com o prazer que a mulher lhe provocava, o vampiro apenas gemeu, atônito, oportunidade em que um novo golpe arrancou-lhe o canino direito. Esse momento coincidiu com o explosivo orgasmo de ambos. 

Minutos depois, o desarmado monstro, ao perceber o que havia acontecido, tomou-se de um desespero convulsivo... um tremor contínuo tomou conta de seu corpo e o suor começou a brotar-lhe na testa. Passou, então a esbravejar em direção à amante, que nada pôde fazer, pois não entendia mesmo uma palavra de romeno... 

A animal começou, então, a amuar e, depois de algum silêncio, balbuciou um par de palavras que Valeska novamente não entendeu. Pelos gestos exagerados e impacientes, entretanto, percebeu que era algo como: 

-- Me arruma um cigarro, porra!

 
  
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