PELÉ, MARADONA E A FIFA

Antonio Sebastião de Lima, advogado, juiz de direito aposentado, professor de direito constitucional

 

 

Em filme baseado em fato real, um médico reclamava danos morais porque fora difamado por um escritor judeu, como nazista.  O tribunal inglês deu ganho de causa ao médico e fixou o valor da indenização em alguns centavos. A vitória foi pior do que a derrota. A honra do médico foi estimada em valor ínfimo. Assim como esse julgamento, há homenagens que aviltam ao invés de enaltecer. Nenhuma pessoa de bem gosta de ser equiparada a outra de caráter mal formado, ou de ser colocada no mesmo contexto. Nenhuma pessoa de bem sente-se confortável recebendo condecorações igualmente concedidas a pessoas desqualificadas no campo social, profissional, moral ou intelectual. A outorga de medalhas e diplomas de mérito a um general brioso e a um contraventor, pela mesma instituição, deixa o militar em situação embaraçosa. Ao colocar Pelé e Maradona como sujeitos das mesmas homenagens, a FIFA rebaixou o primeiro e enalteceu o segundo. Em situação humilhante ficou o Brasil, que tem na pessoa de Pelé, o seu maior símbolo de excelência profissional.

          Na galeria dos grandes jogadores de futebol do século XX, considerando-se o aspecto técnico, a produtividade e a criatividade do meio do campo até a área adversária, sem entrar em questões éticas e jurídicas, Maradona ocupa um lugar modesto. A sua grande virtude, nesse particular, foi a de ter imitado Rivelino, sem, contudo, superá-lo. Ninguém, neste século, driblou melhor e de modo mais original e desconcertante, do que Garrincha. As jogadas de Maradona eram as de um atleta de bom nível técnico, como as dos mineiros Tostão, Dirceu Lopes, Reinaldo e Ronaldo carioca. A garra e a determinação de Maradona quando jogava pela seleção argentina, geravam a ilusória impressão de que ele era dotado de um nível técnico superior. Na área adversária, em matéria de oportunismo e eficiência, Romário é superior a Maradona. O maior feito do argentino, nesse particular, resumiu-se a uma “cabeçada” com a mão. Em cabeçadas fortes e habilidosas, Baltazar foi inigualável. Na construção de jogadas e precisão nos passes, Gerson e Romário deixam o argentino na rabeira. Melhores do que o argentino, foram o húngaro Puskas, os franceses Fontaine e Platini e o alemão Beckenbauer. O holandês Cruiff  situa-se no mesmo nível do argentino, embora com menor brilho nas jogadas. Maradona necessitava, mas, não conseguiu, superar todos esses jogadores brasileiros e estrangeiros, para aproximar-se do pedestal de: 1) Leônidas da Silva, o diamante negro, que maravilhou o mundo com a excelência do seu futebol. Genial inventor da “bicicleta”, jogada feita no ar, com as costas paralelas ao solo, movimentando as duas pernas para com uma delas chutar a bola em direção contrária (para trás), Leônidas reinou soberano como o melhor jogador de todos os tempos, até o advento da era Pelé; 2) Zizinho, o grande mestre da arte de jogar futebol; 3)  Didi, de insuperável elegância no trato da bola e exemplar compostura em campo, sem prejuízo da eficiência. Genial inventor da “folha seca”, modo de chutar que fazia a bola mudar de rumo e perder altura, repentinamente, num determinado ponto da sua trajetória, enganando o goleiro adversário, Didi foi o maestro da seleção de 1958; 4) Pelé, que conquistou o reconhecimento e a admiração do mundo, exibindo virtudes que lhe valeram o título de maior atleta do século. 

Tal como Leônidas, Pelé assombrou o mundo com as suas jogadas geniais. Disciplinado, esforçado, excelente nos dribles, nos passes, na criatividade, no oportunismo, nas cabeçadas, com igual destreza nos dois pés, aguerrido e com apetite para fazer gol, atingiu marca extraordinária, até agora insuperada. Além disso, sabe-se que Pelé jamais usou ou traficou cocaína, nunca atirou com arma de fogo contra jornalistas, nem cultivou o hábito de promover escândalos. Ao colocar Pelé e Maradona no mesmo pedestal, a FIFA revelou-se tão mafiosa quanto a organização do boxe nos EUA. Pesquisa via Internet não é meio idôneo para proceder a esse tipo de escolha. Há necessidade de uma pesquisa histórica, nos livros, jornais, revistas e filmes da época, e de uma pesquisa de campo entre as pessoas ainda vivas, que testemunharam os jogos nos continentes americano e europeu, nas duas metades do século XX. Cumpre lembrar, todavia, que o reconhecimento de Pelé como o maior jogador de futebol deste século é um fato consensual público e notório no mundo contemporâneo, apesar das recentes e torpes manobras para ofuscar essa evidência.

 

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