A FALÊNCIA DO SISTEMA JUDICIÁRIO

Antonio Sebastião de Lima, advogado, juiz de direito aposentado, professor de direito constitucional 

 

As reclamações sobre a falta de eficiência do Poder Judiciário vem de longa data, e não se limitam ao Brasil. Os povos ianque e europeus criticam seus respectivos sistemas judiciários, taxando-os, entre outras coisas, de ultrapassados. Há uma razão comum para esse protesto geral e quase universal: a atividade judicante é conservadora por natureza, pois, a missão do juiz é a de guardar, interpretar e dar eficácia ao ordenamento jurídico em vigor. Por isso mesmo, o trabalho jurisdicional dos juízes e tribunais está vinculado: 1) à legalidade imposta pelo Legislativo e Executivo; 2) aos precedentes judiciais firmados por uma corte suprema cujos membros são escolhidos pelo chefe de governo e com este  afinados política e ideologicamente; 3) aos costumes inscritos na ordem jurídica pelos detentores do poder econômico; 4) aos princípios gerais de direito, muitas vezes, declarados nos códigos, porém, poucas vezes, aplicados diretamente ao caso concreto. A função conservadora do Judiciário visa a garantir certa estabilidade às relações jurídicas e tranqüilidade aos jurisdicionados. Por isso mesmo, a capacidade de adaptação desse Poder às mudanças no comportamento das pessoas e nas relações sociais e econômicas, está aquém do exigido pela velocidade dos acontecimentos em alguns setores da civilização ocidental.

Em países da Europa continental e da América Latina, onde a lei ocupa a primazia no ordenamento jurídico e se constitui no primeiro dever de obediência do magistrado, restam pouco espaço para a construção judicial e muito espaço para as decisões que desagradam as classes média e pobre. Em países como o Brasil, onde a lei não só ocupa uma posição de supremacia, como, também, é extensa, casuística, desprovida de valores éticos e serve de instrumento aos interesses de uma escória política e econômica ironicamente chamada de “elite”, a revolta contra o sistema judiciário, ainda que silente pela falta de tradição democrática nesses rincões, assume proporções maiores. Revolta represada que em determinado momento histórico  poderá romper o dique e desmoralizar as instituições judiciárias, na pior das hipóteses, e instituir um novo sistema judiciário, na melhor das hipóteses.

Concorre com esse fator básico da injustiça, da hipocrisia e da rapinagem institucionalizadas, o excesso de zelo em relação à segurança jurídica, que conduz a um formalismo abusivo e estéril, porém, altamente favorável aos estelionatários e safados de toda espécie que militam no setor público e na sociedade civil, a partir do mais alto escalão da República. O processo é uma garantia constitucional das partes e um método de investigação judicial para atingir a evidência, declarar e aplicar o direito com justiça. O formalismo processual é produto da evolução do direito e uma exigência histórica dos povos civilizados. Condenável é o excesso de formalismo a que chegamos, gerado por um evolucionismo cerebrino, sem base na experiência e na necessidade dos jurisdicionados, fundado na vaidade e no preciosismo de doutrinadores e nos interesses corporativistas da magistratura, do ministério público e dos advogados. Os legisladores e doutrinadores não são os únicos responsáveis por tal excesso, como, também, os tribunais, juízes e serventuários, que inventam normas de procedimento fora das leis processuais e criam toda sorte de dificuldades para a atuação das partes e dos seus patronos (exigem, por exemplo, “boletos” de computador como condição para atendimento direto e pessoal, mudam constantemente os formulários, alteram as formas de recolhimento de custas e taxas, cujos valores só podem ser pagos por uma minoria, indeferem recursos por ninharias, como a falta de uma simples certidão cartorária, sem dar ensejo de emenda no prazo legal, ou porque a inconstitucionalidade é “reflexa”, e assim por diante).

A crise moral, social e econômica do Brasil, gerou um enorme contingente de necessitados. Como poucos são os defensores públicos e enorme a demanda, os carentes passam por situações humilhantes e desesperadoras. A demora na solução dos casos dessa população, pode começar na obtenção de um lugar na fila de espera da defensoria pública.

 

 

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