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A hipótese do marcador-somático Pascal, muito sabiamente, concluiu que para a mente humana o presente praticamente não existe, os homens vivem a projetar o futuro, baseados em suas experiências passadas. O raciocínio e a decisão respondem por esta incansável tarefa de planejamento. Os termos “raciocinar” e “decidir” implicam normalmente, que quem decide tenha os seguintes conhecimentos: 1. Da situação que requer uma decisão. 2. Das diferentes opções de ação. 3. Das conseqüências de cada uma dessas opções. Esses conhecimentos que residem na memória sob a forma de representações dispositivas, podem “aflorar” à consciência de modo lingüístico ou não. Damásio utiliza a seguinte situação para exemplificar um dos níveis mais básicos desse processo: verifique-se o que acontece quando alguém se desvia bruscamente de um objeto prestes a cair em sua cabeça. Existe uma situação que exige uma decisão imediata (o objeto em queda), existem opções de ação (desviar-se ou não) e cada uma possui conseqüências diversas. No entanto, neste caso, não se recorre ao conhecimento consciente (explícito) nem a uma estratégia consciente de raciocínio. O conhecimento foi consciente pela primeira vez que se aprendeu que um objeto ao cair sobre a cabeça pode ferir, portanto é melhor evitar ser atingido. No entanto, a experiência destas situações, à medida que se cresceu, levou o cérebro a ligar diretamente o estímulo desencadeador a resposta mais vantajosa, de forma a se acionar este mecanismo rápida e automaticamente.[DAM 96] Eis agora um exemplo mais complexo da necessidade de raciocínio e decisão. Alguém é dono de uma empresa e está prestes a fechar um grande acordo comercial com o arquiinimigo do seu melhor amigo. O cérebro de um adulto normal, perante este dilema, cria rapidamente cenários de opções de resposta e cenários das correspondentes conseqüências. Em sua consciência, estes cenários são compostos de múltiplas cenas imaginárias, não propriamente um filme contínuo, mais “flashes” pictóricos de imagens-chave nessas cenas, que saltam de umas para as outras em justaposição rápida. Essa pessoa pode imaginar-se, por exemplo, encontrando-se com seu cliente, sendo visto por seu amigo e consequentemente arriscando sua amizade. Para solucionar este dilema, segundo Damásio a pessoa teria duas opções: o formalismo lógico ou a “hipótese do marcador-somático”. No primeiro, decidindo “friamente” pela razão, teria que analisar formalmente todas opções de decisão possíveis e suas conseqüências penetrando em novos níveis, à medida que as decisões escolhidas desdobram-se em um outro leque de opções possíveis. Esse cálculo, mesmo em uma decisão aparentemente simples necessita da criação contínua de mais e mais cenários e também da criação contínua de narrativas verbais que acompanham estes cenários e são essenciais à inferência lógica. [DAM 96] Damásio conclui que esta forma de raciocínio puramente lógico não funcionaria. Por quê? Porque a pessoa perderia em sua memória as incontáveis variáveis necessárias para as diversas comparações. A atenção e a memória de trabalho humanas possuem uma capacidade restrita. Naturalmente, se forem usadas ferramentas como o computador ou mesmo o lápis e papel para manter sob controle a infinidade de variáveis envolvidas no processo, tornar-se-á esta tarefa mais plausível. Agora, imagine-se alguém utilizando-se deste arsenal lógico a cada decisão, das inúmeras que se tomam todos os dias, no decorrer da vida. No entanto, apesar de todos estes problemas, os cérebros humanos com freqüência são capazes de decidir de maneira satisfatória, em poucos instantes. Que prodigioso mecanismo estaria por trás desta grande capacidade heurística?[1]
O marcador-somático. Mecanismo da heurística humana? “... nossa cultura nos ensina, de modo errôneo, que os pensamentos e sentimentos encontram-se em mundos praticamente separados. Na verdade eles estão sempre entrelaçados.” [MIN 89, p. 163] Volte-se à situação analisada anteriormente. Imagine-se, agora, que, antes de uma pessoa começar a avaliar as diversas possibilidades, acontece algo importante. Quando lhe surge um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, por mais fugaz que seja, ela sente uma sensação visceral desagradável, um “estado de corpo” peculiar. Como esta sensação é corporal, Damásio usou o termo técnico somático(do grego, soma significa corpo); e como este estado “marca”, fica unido a uma imagem, Damásio nomeou-lhe marcador. É importante ressaltar que a acepção genérica do termo somático envolve todas as manifestações das respostas emocionais no corpo, não somente as viscerais. Segundo Damásio, a função do marcador-somático é convergir a atenção da pessoa para o resultado negativo advindo de um determinada ação atuando como um sinal de alarme automático que faz o seguinte alerta: atenção ao perigo de decidir por este curso de ação! Poderá trazer resultados desagradáveis. Este sinal pode fazer com que a pessoa rejeite imediatamente a possibilidade de insistir neste caminho, levando-a a optar por outras alternativas. Este sinal automático protege-a de prejuízos futuros, sem mais hesitações e reduz o leque de opções subseqüentes a um número bem menor. A análise lógica ainda tem o seu lugar, mas somente depois que este processo automático atua reduzindo drasticamente as possibilidades. Resumindo, conforme Damásio os marcadores-somáticos são um caso especial do uso de sentimentos gerados a partir de emoções secundárias. Essas emoções e sentimentos foram ligados (relacionados), pela aprendizagem, a resultados futuros previstos de determinados cenários. Quando um marcador-somático negativo é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona como uma campainha de alarme. Quando, ao contrário, é justaposto um marcador-somático positivo, o resultado é um incentivo. Às vezes o marcador-somático atua de forma velada, sem surgir na consciência. Fato que poderia contribuir à compreensão da “intuição”, já abordada em capítulo próprio. Os marcadores-somáticos não decidem pela pessoa. Ajudam no processo de decisão, destacando algumas opções, tanto favoráveis quanto adversas, excluindo-as rapidamente da análise subseqüente. Pode-se imaginá-lo como um sistema de qualificação automática de previsões, que atua avaliando cenários extremamente diversos de possibilidades de futuro que estão diante da pessoa. Assim, a simbiose entre os chamados processos cognitivos e os processos geralmente designados por “emocionais” torna-se evidente.[DAM 96] Convém salientar que a ótica de abordagem sobre o processo de decisão escolhida por Damásio e Levy é a mesma, isto é, o processo dedutivo dá preferência às sensações e conclusões de experiências passadas, armazenadas na memória a longo prazo, em detrimento da lógica formal. O que faz Damásio é colocar o marcador-somático na posição de um indexador emocional chave, que evoca essas memórias imediata e automaticamente, assim que uma situação ou cenário que se enquadre em determinado padrão ameace esboçar-se. Conforme Damásio, a maior parte dos marcadores-somáticos que se usam na tomada racional de decisões foi provavelmente criada nos cérebros humanos durante o processo de educação e socialização, pela associação de categorias específicas de estímulos a categorias específicas de estados somáticos. Em outras palavras, os marcadores-somáticos baseiam-se nas emoções secundárias já abordadas anteriormente. “Os marcadores-somáticos são, portanto, adquiridos através da experiência, sob o controle de um sistema interno de preferências e sob a influência de um conjunto externo de circunstâncias que incluem não só entidades e fenômenos com os quais o organismo tem de interagir, mas também convenções sociais e regras éticas.” [DAM 96, p. 211) O sistema interno de preferências citado por Damásio consiste de um mecanismo inato de busca da sobrevivência do organismo. Conseguir sobreviver consiste em evitar estados desagradáveis do corpo, buscando estados biológicos funcionalmente equilibrados. O sistema interno de preferências do homem está programado para evitar a dor e buscar o prazer. É provável que a evolução humana tenha estendido este mecanismo para além das situações básicas, instintivas possibilitando às pessoas alcançar objetivos em situações sociais. [DAM 96] As primordiais tendências em evitar a dor e buscar benefícios, como premissas básicas do comportamento humano também aparecem no conceito de avaliação, elucidado por Magda Arnold. Ela definiu a avaliação como a apreciação mental do dano ou benefício potencial de uma situação, e argumentou que a emoção é a “tendência sentida” para qualquer coisa que seja avaliada como boa ou distante de algo que seja caracterizado como mau. Embora o processo em si seja inconsciente, seus efeitos são registrados pela consciência como uma emoção.[DEL 98] Narra-se a seguir um exemplo dramático, citado por Damásio, das conseqüências que a perda do mecanismo de marcação-somática pode acarretar a um indivíduo normal. Um dos pacientes do Dr. Damásio, com lesão nos córtex pré-frontais, em uma de suas visitas periódicas ao consultório, em um dia de fortes nevascas, foi interrogado quanto ao seu trajeto até o consultório. Narrou que tudo havia corrido bem, nada diferente do habitual, somente teve que ter certos cuidados especiais com a pista congelada e escorregadia. O doente continuou falando de alguns desses cuidados e citou exemplos de caminhões e outros veículos que não os respeitaram e acabaram saindo para fora da pista. Deu inclusive o exemplo de uma mulher, que seguia a sua frente, que entrara no gelo, derrapara e em pânico, ao invés de sair cautelosamente, freara e precipitara-se numa vala. Um segundo após, aparentemente nada afetado por esta visão terrível, o doente atravessou a mesma zona de gelo e seguiu calmamente seu caminho. Narrou o acontecimento com a mesma tranqüilidade com que obviamente presenciara o acidente. Neste acontecimento em particular, a falta de um marcador-somático normal auxiliou o paciente. Qualquer pessoa normal teria que ter recorrido a decisão deliberada para conter o pânico e não acionar os freios. Altera-se o cenário para o dia seguinte, quando o mesmo paciente foi interrogado sobre qual a melhor data para a próxima consulta, entre duas opções possíveis, ambas no mês seguinte, com apenas alguns dias de diferença. O doente puxou de sua agenda e começou a consultar o calendário. O comportamento que se seguiu, observado por vários investigadores, é impressionante. Durante quase meia hora, o doente enumerou razões a favor e contra cada uma das datas: compromissos anteriormente assumidos, proximidade de outros compromissos, possíveis condições meteorológicas, praticamente tudo que se pudesse imaginar de uma simples data. Talvez o comportamento que se obteria em uma análise puramente lógica das probabilidades, tipo de tarefa que um computador realizaria. Sem a presença mínima de bom senso. Com a mesma calma que passara por cima do gelo e narrara o episódio, o doente envolvia agora os presentes em uma análise infindável de custos e benefícios, em uma lista e numa comparação infrutífera de opções e conseqüências possíveis. A equipe que o atendia relatou que foi necessária grande disciplina para escutar toda aquela ladainha sem dar um murro na mesa e mandá-lo calar-se. No entanto acabaram por dizer-lhe calmamente que viesse na segunda data. Sua resposta foi da mesma forma calma e pronta. Limitou-se a dizer “Está bem”. Recolocou a agenda no bolso e foi-se embora. [DAM 96] Esse comportamento exemplifica perfeitamente os limites da razão pura e da ausência de bom senso (qualidade que um dos precursores da Inteligência Artificial, Marvin Minsky, tem tentado incessantemente levar ao cérebro artificial). O marcador-somático teria auxiliado o doente de diversas formas. Para começar, teria melhorado o enquadramento geral do problema. Nenhuma pessoa normal teria perdido tanto tempo com aquela questão, um dispositivo de marcação-somática automático teria alertado da natureza inútil da tarefa. Em outro nível, antevendo a inutilidade da abordagem, simplesmente a pessoa escolheria aleatoriamente ou talvez tivesse transferido a decisão para quem fez a pergunta, dizendo que não tinha a menor importância, ela que escolhesse. Resumindo, perceberia que era uma perda de tempo, marcaria a situação com um determinado peso de negatividade, imaginaria o comportamento dos outros observando e se sentiria embaraçada. Segundo Damásio, tudo leva a crer que o doente consegue formar algumas destas “imagens” internas, mas sem a função do marcador-somático não consegue consultá-las ou considerá-las. O tipo e a quantidade de marcação-somática aplicada são fatores extremamente subjetivos. Um ótimo exemplo disto é o caso do maestro Herbert von Karajan[HARRER apud DAM 96]. Os psicólogos acompanharam seus padrões de respostas autônomas em três situações distintas: enquanto aterrava seu avião particular no aeroporto de Salzburgo, enquanto dirigia a orquestra no estúdio de gravação e enquanto escutava a fita gravada. O seu ritmo cardíaco atingiu valores mais elevados na gravação (maiores inclusive que em esforço físico real mais exigente). Enquanto escutava a fita, obteve índices parecidos. Durante a aterragem do avião, comportou-se maravilhosamente bem, mesmo quando, ao tocar o solo com o avião, lhe disseram para fazer uma decolagem de emergência, seu ritmo cardíaco aumentou um pouco, mas ainda manteve-se bastante inferior ao ritmo apresentado durante os exercícios musicais. Seu coração estava com a música. Damásio defende também, a expansão dos marcadores para além dos domínios pessoal e social, alcançando outros níveis do conhecimento. Damásio baseia-se no mecanismo evolucionário de selecionar soluções que dão certo, estendendo seu alcance para outras finalidades (como o exemplo do hipocampo citado no capítulo “Onde as memórias se formam”, prim. par.) Raramente se desenvolvem novos mecanismos partindo do zero. Assim, esse “marcador geral”, mais abrangente, colocaria sob foco da atenção determinados componentes em detrimento de outros, aplicando mais uma vez essa heurística aos mais diversos campos do conhecimento. Esse mecanismo entra em sintonia com o “dispositivo marcador geral” proposto por Tim Shallice.[DAM 96] A rede neural dos marcadores-somáticos Damásio acredita que os marcadores-somáticos estejam localizados no córtices pré-frontais, parte integrante dos córtices de associação, a grande vantagem do homem sobre os outros mamíferos, mesmo sobre os mais evoluídos como o chimpanzé, que possui o córtex associativo várias vezes menor que o humano. O córtex associativo é assim denominado porque serve de interface entre áreas sensoriais diferentes e não está alocado a tarefas específicas, como o córtex motor. Supõe-se que, dentre outras, estejam destinadas ao córtex associativo as seguintes tarefas: memória a longo prazo, emoções secundárias e demais processos cognitivos, além da integração entre várias outras áreas cerebrais. O córtex pré-frontal está ricamente conectado
com outras regiões do cérebro, recebendo sinais de todas as regiões
sensoriais onde se formam as imagens que compõem o pensamento humano. “Poder-se-ia
dizer que os córtices pré-frontais
recebem mensagens de todo o pessoal do Serviço de Padrões e
Medidas.”[DAM 96, p. 213] Esta estrutura cerebral tão nobre é a maior vantagem que o ser humano adquiriu no processo evolutivo. Os córtices pré-frontais recebem os sinais sobre o conhecimento factual, já existente ou sendo adquirido, relacionado com o mundo exterior; sobre as preferências biológicas reguladoras inatas; sobre o estado de corpo, anterior e atual, à medida que é constantemente alterado por esse conhecimento e por essas preferências. [DAM 96] Os córtices pré-frontais representam categorizações das situações de interação do organismo, isto é, redes neurais pré-frontais estabelecem representações dispositivas para certas combinações de coisas e eventos, na experiência individual de cada pessoa, classificando-as, atribuindo-lhes um peso de acordo com a relevância pessoal dessas coisas e eventos. Essa classificação é extremamente subjetiva, ligada aos interesses pessoais.[DAM 96] Assim, a paisagem de um crepúsculo fantástico pode gerar numa pessoa melancolia ou tranqüilidade, ao passo que em outra pessoa não existe nenhum tipo de emoção associada a essa cena. Dessa maneira, se for pedido para alguém recordar crepúsculos, essas representações dispositivas, localizadas nos córtices pré-frontais, têm a chave para esta categoria de entidades e pode reconstruir, no espaço imaginário de sua mente várias cenas de crepúsculo. Se for pedido para que alguém recorde crepúsculos no mar ou na serra, evocará as entidades dessas categorias específicas, podendo conceituar um tipo ou outro. Além disso, poderá recorrer aos atributos emocionais dessas lembranças e dizer de qual tipo essa pessoa gosta mais. Essas memórias, categorizadas e priorizadas de acordo com a subjetividade, constituem a base para a produção de cenários ricos em resultados futuros, os quais são necessários para a elaboração de previsões e planejamento. António Damásio argumenta que, em casos normais, com o decorrer da vida do indivíduo, no decorrer das interações sociais, com a categorização de situações repetidas, diminui a necessidade associar estados somáticos para cada caso de tomada de decisão. O cérebro entraria em um nível de autonomia econômica. Assim, as estratégias de decisão começariam a depender em parte, de “símbolos” de estados somáticos. [DAM 96] “Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do Universo – o único caminho é o da intuição.”[EISTEN apud CLA 97] Damásio defende que o sinal de um estado de corpo ou símbolo
correspondente pode ser acionado, mas não constituir foco da atenção
(consciência). Assim, diversas decisões diárias que se tomam podem envolver o
papel dos marcadores-somáticos sem
que se tome conhecimento deste processo, que ocorreria em um nível adjacente ou background. A identificação de resultados potencialmente negativos em determinadas situações levaria a inibição de circuitos cerebrais de aproximação, localizados no âmago do cérebro. O que, aumentando a tendência de afastamento, se não evitasse uma ação desastrosa, pelo menos traria um ganho de tempo que permitiria à consciência agir, escolhendo a melhor opção. Esse mecanismo, segundo Damásio, seria a base daquilo que se chama de intuição, a tomada de uma decisão sem o raciocínio consciente. Segundo alguns autores, a intuição seria uma espécie de processo rodando em um plano inconsciente da mente, coletando informações de diversos módulos de processamento sensorial do cérebro. Estas informações extrapolariam aquelas captadas pela consciência, e seriam organizadas, associadas e arquivadas sem a sua participação. Quando a necessidade de uso desta informação se apresentasse, principalmente em situações críticas, elas seriam remetidas à consciência. No entanto estas mensagens nem sempre são aceitas. Não há evidências lógicas para dar apoio à mensagem intuitiva no momento em que ela é recebida pela consciência, sua influência normalmente é exercida através de um sentimento inexplicável de estímulo ou aversão.[CLA 97] Veja-se abaixo uma transcrição de uma citação do matemático Henri Poincaré acerca do assunto: “Como disse, inventar é escolher; mas talvez essa palavra não seja a melhor. Faz-nos pensar num comprador diante do qual foi exposta uma grande quantidade de amostras e que as examina, uma após a outra, para fazer a escolha. Aqui, as amostras seriam tantas que uma vida inteira não chegaria para as examinar. Mas a realidade é outra. As combinações estéreis nem se quer se apresentam à mente do inventor. Nunca surgem no campo de sua consciência combinações que não sejam úteis, exceto algumas que ele rejeita mas que, de certo modo, possuem algumas características das combinações úteis. Processa-se tudo como se o inventor fosse um examinador de segundo grau que apenas teria de interrogar os candidatos que tivessem passado num exame prévio.” [POINCARÉ, apud DAM 96, p. 221] O mais interessante neste relato é sua procedência, a área de ciências exatas, normalmente um tanto avessa a reconhecimento de métodos de decisão alheios à lógica formal. Note-se também, mais uma vez, a presença dessa fantástica heurística que simplesmente afasta miríades de opções inviáveis, que abordadas unicamente pelo raciocínio formal exigiriam um tempo de análise indisponível. Observe-se que, uma vez aceitando o marcador-somático como hipótese viável nos processos de tomada de decisão consciente, pode-se num segundo passo inferir que a intuição é ainda um nível maior de automação do processo de decisão, no qual nem o foco da consciência seria necessário. Esse nível de automação seria atingido após uma repetição sistemática na categorização de entidades, normalmente com grande envolvimento do interesse pessoal do indivíduo.[1] É interessante que se faça uma breve pausa neste instante para perceber a convergência das conclusões de Antônio Damásio e Pierre Levy (citadas no capítulo “O Uso de esquemas da Memória de Longo prazo na tomada de Decisões” ). |