Quarta-feira, 27 de Junho de 2001
Desafio na arquibancada

Torcedores ignoram lei talibã e vibram com futebol

CABUL - Cinqüenta mil torcedores lotaram ontem o estádio central de Cabul, capital do Afeganistão, para assistir a uma partida decisiva entre dois times de futebol locais. Torcedores gritavam, xingavam e aplaudiam os gols. Câmeras de tevê filmavam a disputa. Nada mais natural, não tivesse sido este um ato de desafio às rígidas normas de conduta impostas pelo regime extremista islâmico dos talibãs.

Segundo as determinações do Ministério do Vício e da Virtude, tudo o que os torcedores podem fazer, aconteça uma falta, um gol ou um erro do juiz, é berrar a plenos pulmões Allah uh akbar, ''Deus é grande'', em árabe. Nada de xingamentos, aplausos ou assovios. Por tudo isso, a final de ontem no arruinado gramado principal de Cabul teve um sabor especial de contestação.

Desrespeitando todas as estritas determinações do mulá Mohamed Omar, líder supremo do regime, os afegãos fizeram a festa, transformando as arquibancadas em uma algazarra digna de Maracanã. Segundo o presidente da federação de futebol local, o número de pagantes foi recorde absoluto desde 1996, quando os Talibãs tomaram o poder e estabeleceram rígidas regras de conduta.

Comemoração - ''Estou realmente surpreso por ver as pessoas aplaudindo, gritando e assoviando'', disse um torcedor sem tirar os olhos da partida. Nos alambrados do estádio, os mujahideens (guerreiros santos) observavam impassíveis a algazarra. Jornalistas estrangeiros acompanharam a partida até certa altura, quando foram obrigados a desligar seus equipamentos e deixar o estádio repleto exclusivamente de homens.

O regime é notório por sua rigidez. Representantes do governo afirmam que todas as determinações seguem apenas as diretrizes estabelecidas no Corão, livro sagrado do Islã, e na Shariah, a lei islâmica. Mas nenhum outro país muçulmano proíbe que seus cidadãos soltem pipas ou obriga jogadores de futebol a cobrir completamente o corpo, como se viu ontem durante a partida. Cinema, televisão e música também foram banidos. As penas são violentas: ladrões têm as mãos amputadas, adúlteras são apedrejadas e homossexuais são mortos.

As mulheres vivem uma situação dramática no Afeganistão. Antes da chegada dos talibãs, elas podiam cursar universidades, seguir carreira em qualquer profissão e vestir-se como bem entendessem. Hoje são impedidas de sair às ruas sem a companhia de um homem e devem obrigatoriamente usar a burqa, um pesado manto que cobre o corpo inteiro.

Herança - O regime provocou uma forte indignaçao internacional quando destruiu parte da herança histórica do país. Duas enormes estátuas de Buda esculpidas numa montanha entre os séculos 3 e 6 foram demolidas em março. Milhares de relíquias do passado budista do país foram destruídas sob o argumento de que seriam exemplos de idolatria intolerável para o regime. Apenas dois meses depois da destruiçao dos budas, os hindus do país foram obrigados a amarrar uma fita amarela no braço para sinalizar sua religião.

Anterior Próxima

ENVIAR MATÉRIA| IMPRIMIR                                                                                                   

EXPEDIENTE
Copyright© 1995, 2000, Jornal do Brasil, Primeiro Jornal Brasileiro na Internet

Envie esta notícia para um amigo