Voltar à página do curso
Feusp-2008     EDF-119 História da Educação Medieval
Aula 10-06



Leituras Importantes para a Prova: Do livro De Mathematica de Isidoro de Sevilha...:

Cap. 2 "Cassiodoro e a cultura que se refugia nos mosteiros" pp. 17 a 32  (on line)

Cap. 3.2   "O ensino de Matemática..." pp. 26 a 32

*******************************************************************

  Os Monges
"Tudo se finge primeiro; germina autêntico é depois" (Guimarães Rosa "Sobre a escova e a dúvida" in Tutaméia)
"Para conseguir [algo] de Deus é necessário que o exterior se una ao interior, i.e., é necessário pôr-se de joelhos, rezar com os lábios, etc. a fim de que o homem orgulhoso, que não quis se submeter a Deus, seja  submetido à criatura. Esperar socorro desse exterior é ser supersticioso; não querer ajuntá-lo ao interior é ser soberbo"
"Il faut que l'extérieur soit joint a l'intérieur pour obtenir de Dieu; c'est-à-dire que l'on se  mette à genoux, prier des lèvres, etc. afin que l'homme orgueilleux, qui n'a voulu se soumettre à Dieu, soit maintenant soumis à la créature. Attendre de cet extérieur le secours est être superstitieux, ne vouloir pas le joindre à l'intérieur est être superbe" (Pascal, Pensées, No. 250)


Regra de São Bento link

Cassiano e sua "reportagem" sobre os Padres do deserto
Cassiodoro e o mosteiro de Vivarium
 

Gilberto Gil e a Regra de São Bento
No ano 529, São Bento funda o Mosteiro de Monte Cassino. A Regra de São Bento, prescrevendo humildade, desprendimento e silêncio, pode facilmente (por exemplo, com os trechos abaixo selecionados) ser posta em paralelo com a magnífica canção "Se eu quiser falar com Deus"
 
 
Se eu quiser falar com 
Deus (Gil)   ouvir
Regra de São Bento
Se eu quiser falar com Deus Tu, pois quem quer que sejas, que te apressas para a Pátria, realiza com o auxílio de Cristo esta mínima Regra de iniciação aqui escrita e então, por fim, chegarás, com a proteção de Deus aos maiores cumes da doutrina e das virtudes de que falamos acima (RSB cap. 73) 
Tenho que ficar a sós, 
Tenho que apagar a luz, 
Tenho que calar a voz 
Façamos o que diz o Profeta (Sl 38): "Guardarei os meus caminhos para que não peque com a minha língua: pus um guarda à minha boca: emudeci, humilhei-me e calei mesmo as coisas boas" (cap. 6)
Tenho que encontrar a paz 
Tenho que folgar os nós dos 
sapatos, da gravata, dos desejos, 
dos receios 
É-nos proibido fazer a própria vontade, visto que nos diz a Escritura: "Afasta-te de tuas próprias vontades" (Eclo 18,30). Aprendamos, pois, a não fazer a própria vontade. E diz o Salmo (13, 1): "Corromperam-se e tornaram-se abomináveis em seus prazeres" (Cap. 7)
Tenho que esquecer a data, 
Tenho que perder a conta, 
Tenho que ter as mãos vazias, 
Ter a alma e o corpo nus 
Particularmente este vício deve ser cortado do mosteiro pela raiz:  ninguém ouse possuir coisa alguma como própria, nada absolutamente: nem livro, nem tabuinhas, nem estilete, nem absolutamente nada (cap. 32).
Se eu quiser falar com Deus, 
Tenho que aceitar a dor, tenho que comer o pão que o diabo amassou 
Tenho que virar um cão, tenho que 
lamber o chão dos palácios, dos castelos suntuosos dos meus sonhos. Tenho que me ver tristonho, tenho que me achar medonho
Que o monge esteja contente com o que há de mais vil e com a situação mais extrema e em tudo que lhe seja ordenado fazer se considere indigno operário, dizendo-se a si mesmo como o Profeta (Sl 31,5): "Fui reduzido a nada e não o sabia; tornei-me como um burrinho diante de Vós, porém sempre estou convosco. (cap. 7)
E, apesar de um mal tamanho, 
alegrar meu coração 
Tendo subido todos esses degraus da humildade, o monge atingirá aquele amor de Deus e, por esse amor, realizará tudo encontrando alegria nas virtudes (Cap. 7)
Se eu quiser falar com Deus, 
Tenho que me aventurar, tenho que subir aos céus sem cordas para segurar, Tenho que dizer adeus 
Dar as costas caminhar decidido 
Pela estrada que ao findar vai dar 
em nada nada, nada, nada, nada do 
que eu pensava encontrar 
Eis aí os instrumentos da arte espiritual: se forem postos em prática por nós, seremos recompensados pelo Senhor com aquele prêmio que Ele mesmo nos prometeu: 
"o que nem olho viu, nem ouvido ouviu e que Deus preparou para os que o amam (I Cor. 2, 9)" (Cap. 4)

 

Texto de João Cassiano (ca. 400) - Collationes


           Ia. CONFERÊNCIA DOS PADRES DO DESERTO
     O Abade Moisés e o Escopo e o Fim do Monge (condensado da tradução de D. Timóteo
     Amoroso Anastácio). Extraído de:  http://geocities.yahoo.com.br/padresdodeserto/casian1.htm

     Diálogo entre o Abade Moisés e os monges Cassiano e Germano

     CASSIANO: No deserto de Scete moravam os mais ilustres Pais de monges e de toda a
     perfeição. Entre todas aquelas exímias flores, rescendia de modo mais suave, tanto pela
     ascese quanto pela contemplação, o abade Moisés. Desejoso de ser formado à sua escola, fui
     à sua procura no deserto, em companhia do santo abade Germano. Com este, desde os
     primeiros exercícios da milícia espiritual, vivi em tão estreita companhia, tanto no mosteiro
     como no deserto, que todos diziam, para significar a nossa amizade e comum propósito, que
     éramos um só espírito e uma só alma em dois corpos. Juntos, rogamos com muitas lágrimas
     ao mesmo abade uma conversa de edificação. Bem conhecíamos o seu rigor e sabíamos que
     não consentia em abrir as portas da perfeição senão àqueles que a desejavam com fé e a
     procuravam de coração contrito. Pois não devia acontecer que a mostrasse a quem não a
     queria ou que só mornamente a desejasse, expondo, assim, a indignos, que as acolheriam
     com fastio, aquelas realidades necessárias que só devem ser reveladas a quem tem sede de
     perfeição, pois, do contrário, pareceria ele incorrer no vício de vanglória ou mesmo no crime
     de traição. Cansado de nossos rogos, ele, afinal, começou a falar.

    MOISÉS: Toda arte e toda a   disciplina tem um escopo, ou fim particular, e um "telos", isto é,  um fim
    próprio. É fixando  neste os olhos, que o zeloso pretendente de qualquer arte sustenta, sem perturbação
    e de boa vontade, todos os trabalhos, perigos e prejuízos. O lavrador, p. ex., arrostando os
     raios ardentes do sol ou geadas e neves, infatigavelmente rasga a terra e com o vai-e- vem
     do arado amanha as glebas bravias. Assim fazendo, ele conserva o seu escopo, que é purgar
     a terra de todas as sarças e libertá-las de ervas daninhas, até que a torne, pelo seu trabalho,
     fina e solta como areia. Ele não espera conseguir de outro modo o seu fim, que consiste em
     searas copiosas e colheitas abundantes, para que possa, daí em diante, levar uma vida
     segura ou aumentar o seu patrimônio. De bom grado, esvazia o celeiro cheio de grãos e com
     instante trabalho os semeia nos sulcos amolecidos. Contemplando as futuras searas, ele não
     sente a diminuição de agora. Também os que vivem do comércio, não temem os azares do
     mar nem se apavoram com qualquer perigo, quando, alçados pela esperança do vôo ligeiro,
     são provocados ao lucro, que é o seu fim. O mesmo acontece com os que se inflamam com a
     ambição da carreira militar, ao divisar ao longe o seu fim, que são as honras e o poder. São
     insensíveis aos perigos e às mortes das campanhas e não se deixam abater pelos
     sofrimentos e riscos atuais, nem pelas aflições e guerras do momento, pois ambicionam a
     dignidade, que é o fim que se propõem. Assim também, a nossa profissão. Ela tem
     igualmente o seu escopo e o seu fim próprio. Por este fazemos todos os trabalhos, sem
     cansaço e até com alegria. Para obtê-lo, não nos fatiga a privação dos jejuns, achamos
     prazer na lassidão das vigílias, não nos enfastia a contínua leitura e meditação das Escrituras,
     nem nos deixamos assustar pelo trabalho incessante, pela nudez e privação de tudo, nem
     pelo horror desta vastíssima solidão. É, sem dúvida, por causa deste mesmo fim, que
     abandonastes o afeto dos pais e desprezastes a pátria e as delícias do mundo, atravessando
     tantas regiões para chegar até nós, homens rústicos e ignorantes, que vivemos na aspereza
     deste ermo.

[...]

     GERMANO: Como é que pensamentos supérfluos, mesmo contra a nossa
     vontade e até mesmo sem sabermos, se insinuam em nós de modo tão sutil e escondido, que
     temos não pequena dificuldade não só para os repelir, mas também para os conhecer e descobrir?
     Pode a mente ver-se, um dia, livre deles e não ser mais atacada por ilusões desta  espécie?

     MOISÉS: É impossível, sem dúvida, que a mente não seja perturbada por
     pensamentos. Mas a quem se empenha, é possível os acolher ou rejeitar. Se, de um lado, o
     seu nascimento não depende inteiramente de nós, já a sua aprovação e acolhida está em
     nossas mãos. E se dizemos ser impossível à mente não ser assaltada por pensamentos, nem
     por isso se deve tudo atribuir às suas investidas ou aos espíritos malignos que nos tentam
     sugeri-los. Se assim não fosse, nem sobraria ao homem o livre arbítrio, nem nos restaria o
     empenho da nossa própria correção. Eu digo, ao contrário, que depende de nós, em grande
     parte, melhorar a qualidade dos nossos pensamentos, e influir na sua formação em nossos
     corações, se santos e espirituais ou carnais e terrenos. É a este fim, portanto, que se
     prendem a leitura freqüente e a constante meditação das Escrituras: proporcionar a memória
     das coisas espirituais. Este o motivo do canto repetido dos Salmos: alimentarmos a continua
     compunção, e afinarmos de tal modo a mente, que ela perca o sabor das coisas terrenas e
     possa contemplar as celestes. Se, voltando atrás, e levados por uma sorrateira negligência,
     cessarmos tais exercícios, é inevitável que a mente obscurecida pela impureza dos vícios se
     incline logo para o lado da carne e aí se precipite. Este exercício do coração bem se pode
     comparar à mó que as águas dum canal, tombando, fazem rodar com rapidez. Sempre a dar
     voltas ao impulso das águas, ela não pode, de nenhum modo, cessar o seu trabalho.
     Entretanto, está no poder daquele que se acha à testa do moinho, escolher o que vai moer, se
     o trigo, a cevada ou o joio. O que é fora de dúvida, é que só mói aquilo que o responsável tiver
     fornecido. Ora, o mesmo acontece com a alma. Posta em movimento pelas torrentes de
     tentações que a investem de todos os lados através dos choques da vida presente, ela não
     poderá ficar vazia da maré dos pensamentos. A seu zelo e diligência cabe ver quais deve
     admitir ou procurar. Se, pois, como dissemos, recorremos à meditação assídua da Escrituras
     e levantamos a nossa memória à lembranças das coisas espirituais, ao desejo da perfeição e
     à esperança da futura bem aventurança, é inevitável que os pensamentos daí nascidos sejam
     espirituais e farão que nossa mente se detenha naquilo que meditamos. Se, pelo contrário,
     vencidos pela preguiça ou pela negligência, nos deixamos invadir pelos vícios e conversas
     ociosas, ou nos embaraçamos com cuidados mundanos e preocupações supérfluas, a espécie
     de cizânia que daí nasce sobrecarregará o nosso coração com um trabalho nocivo. E segundo
     a sentença do nosso Salvador, onde estiver o tesouro das nossas obras e de nossa intenção,
     lá permanecerá necessariamente o nosso coração (Mt. 6, 21).