Era Uma Vez Na Jamaica...
Como o ska se tornou o primeiro gênero legitimamente jamaicano ao cruzar os diversos estilos musicais que desembarcaram na ilha
A Jamaica sempre foi um paraíso para turistas. Imagine a cena: belas praias (talvez as melhores de todos o Caribe) e noites propícias a um luau, fartura de frutas tropicais e uma orquestra local tocando sucessos de Count Basie, Glenn Miller e outros mestres de big bands. Músicos como Don Drummond - trombone, ídolo de diversos grandes nomes do jazz americano - e Tommy McCook (saxofone) garantiam seu talento animando festas e hotéis da região de Montego Bay (uma das mais prósperas da Jamaica). Com o surgimento dos sounds systems (espécies de discotecas itinerante, que embalavam os jamaicanos com o melhor do rhythm'n'blues trazido dos EUA), eles decidiram partir para a criação de um ritmo realmente novo.
Não foi preciso inventar muito. Bastou colocar num mesmo caldeirão a experiência jazzística e todos os estilos musicais que há séculos desembarcaram na ilha como o mento (também conhecido como "o calipso jamaicano"), canções trazidas por piratas e a forte percussão, melhor herança e suas raízes africanas. O resultado soou como se Fats Domino tocasse em 45 rotações. Que se apoiava, porém, na presença forte da guitarra - cortesia de Jah Jery, que dizia que sua guitarra fazia "skat, skat". Nascia então o ska.
O novo ritmo embalou a proclamação da independência do país (eles se livraram do jugo inglês em 1962) e formou uma leva de superstars de respeito. Sob a batuta de Drummond e ligados ao Studio One, de Clement "Coxsone" Dodd (um dos primeiros estúdios de gravação a surgir no país), os Skatalites brilharam em composição próprias e gravações ao lado de Bob Marley, Bob Andy e outros.
O ska foi dotado pelos rude boys, como eram chamados os delinqüentes da ilha. Sem emprego e muito menos chance de prosperar na vida (a Jamaica sempre se caracterizou por uma economia catastrófica), eles se contentavam em levar a vida à base de fores doses de ska, Red Sripe (a cerveja jamaicana) e confusões edmundianas (de Edmundo, o boleiro). O estilo de vida dos rude foi glorificado em música como "Simmer Down", de Bob Marley ( The Wailers, e "Johnny Too Bad", dos Slickers.
Para os Skatalites, porém, o importante era produzir. Sob a batuta de Don Drummond (então promovido a diretor do Sudio One), eles brilharam em gravações solo, principalmente reciclando temas gringos- vide a versão da banda para "I Should Have Know Better", dos Beatles. Além disso, tocaram em gravações do Wailers, Ken Boothe e outros canários da ilha.
Um fato iria abalar para sempre a carreira dos Skatalites. Depois de uma discussão áspera com a namorada, Marguerita (uma dançarina de cabaré), Drummond matou a menina a facadas. A polícia chegou e encontrou o trombonista perdido, balbuciando palavras sem nexo e sujo de sangue. Recolhido ao hospício, ele definhou até morrer, em 1969. O grupo optou pela dissolução.
Seus integrantes passaram a trabalhar em outros estúdios de gravação, como o Federal, o Dynamic (de Leslie Kong, descobridor de Jimmy Cliff e Desmond Dekker, cantor de "Israelites") e o treasure Isle, de propriedade de Dukke Reid, considerado o rival número 1 de Coxsone Dodd.
O ska também havia perdido muito de sua popularidade. O grande culpado? O rock steady, ritmo saído dos laboratórios musicais de reid, que amansava os passos do ska. Mais tarde, ele seria readaptado pelo produtor Lee Perry e rebatizado como reggae.
Mesmo de curta duração, o ska foi importante para o desenvolvimento da música jamaicana. Rendeu artistas como Laurel Aitken (teoricamente o primeiro a gravar ska com "Boogie On My Bones"), Derrick Morgan, Prince Buster e outros, O gênero ressurgia glorioso nos anos 70, na Inglaterra, com a geração 2Tone.
2Tone:
Reinício Politicamente correto
Movimeno punk inglês dá nova vida ao ritmo jamaicano
Para Bob Marley, a erra Prometida sempre foi a África. outros
jamaicanos, porém, preferiam apostar na Inglaterra. O país, que dominou a Jamaica até
1962, recebeu um grande número de imigrantes, que para lá mudavam em busca de emprego.
Na bagagem, levavam seus velhos compactos de ska, rock steady e reggae.
Os imigrantes passaram a morar em guetos, onde dividiam informações
sobre música com a juventude local. Operários ingleses com suas botas - para aguentar o
trabalho duro - e cabeças raspadas dançavam ao som do melhor cancioneiro caribenho, em
versões britânicas dos sound systens da terra de bob Marley e Peter Tosh.
O "estrago" causado por essa miscigenação musical foi
percebido com mais clareza nos anos 70, com a a parição do punk rock. Bandas como The
Clash sempre arriscaram um ska e/ou um reggae em seus discos e os jamaicanos viviam em
harmonia com o pessoal de cabelo espetado. Foi então que Jerry Dammers, um inglês de
Conventry, teve a idéia de sua vida: casou o andamento frenético do ska com a
agresividade do punk rock. A parte lírica seria reforçada com pregações contra o
racismo e o desemprego, que então assombravam a Inglaterra.
Jerry montou os Coventry Automatics e, em seguida, formou os Specials. As gravadoras não se interessavam por aquele tipo de música? Não tem problema, Dammerstomou o "faça você mesmo" punk como palavra de ordem e fundou o 2Tone (traduzindo, dois tons). O selo se especializou em gravar artistas de ska. O primeiro contratado foi o Selecter, banda liderada pela cantora Pauline Black. depois viriam Madness, The Beat e muitos outros.
Specials e Selecter trilharam caminhos semelhantes. O primeiro fez
versões de grandes clássicos do ska em seus dois álbuns iniciais. temperaram tudo com
composições próprias. assim nasceram discos como Specials (1979), More Specials (1980),
em que regravações de "Rudy A Messagem To You" (de Daddy Livingstone)
conviveram lado a lado com músicas de caegoria, como "Ghost Town", "Racist
Friend" e "Night Club".
O Selecter e sua carismática vocalista Pauline Black revelavam uma
soronidade única que colocou a banda pau a pau com outros grupos da época - "In My
Radio", primeiro single de Selecter, chegou a ser bem executado na parada
"normal" inglesa. Outro grande destaque do selo foi Rico Rodriguez, mestr do
trombone e ex-aluno de Don Drummond. Ele deixou seu registro na 2Tone em inúmeros discos
de artistas da casa e gravou os álbuns That Man Is Forward e Jama.
Depois da
entressafra...3rd Wave!
Como o ska produzido nos EUA invadiu as paradas de sucesso
Esgotado na Inglaterra, o ska tomou outra migratória: na metade dos
anos 80, foi de mala e cuia para os EUA. Destacou-se em bandas como o esquizofrênico
Fishbone (que revitalizou algumas das qualidades do 2Tone), o Bom Skala Bim, mas
principalmente se encontrou com o Toasters e sua gravadora, a Moon Ska Records. O selo de
Bucket é a grande "mãe" dessa geração.
Nos EUA, onde devemos ter algumas centenas de bandas dos mais variados estilos de ska (acredite, eles vão do jazzístico ao metal), a Moon Ska Records se encarrega de apresentar ao mundo a nova face do gênero. Não muito preocupada com a política - como na 2Tone -, mas apenas empertubar o novo ska e mosrar suas diversas correntes rítmicas, a Moon entra para o grande hall dos selosdo gênero. Significa para os anos 90 o que o Studio One e o 2Tone foram para décadas passadas. A Moon é a casa de grande asros do gênero: além de Toasters, he Adjusers, Porkers e Skavoovie, também abrigou nomes da caegoria de No Dubt (responsável pela invasão do gênero nas paradas americanas) e Dance Hall Crashers. Hepcat, Slackers e Pietasters também passaram pela Moon e hoje estão na Hellcat, cujo dono é TimArmstrong (do Rancid).
A Moon, porém, merece todos os louros. Seu catálogo já passa dos 100
nomes e inclui até veteranos made in Jamaica - caso de Laurel Aitken, Tricida &
Supersonics, Tommy McCook e Lloyd Brevett (dos Skstalites), além dos Bands Manners (da
geração 2Tone).
Mas certamente o que tem dado notoridade à terceira onda são as
bandas das "influenciadas pelo ska". Encaixam-se nesse contexto as bem-sucedidas
das Sublimes, Smash Mount, Goldfinger e sugar Ray, uma turma que trocou a militância ska
por temas mais pop e adicionou ao gênero boas doses de rock pesado. O ritmo é apenas um
reforço para invadir as paradas.
por Bruno Lancellotti - Revista Showbizz ed.154