BOLETIM DE HISTÓRIA DEMOGRÁFICA
Ano XV, no. 49, maio de 2008
SUMÁRIO
O elemento distintivo deste número de nosso BHD está presente nas expressivas notícias concernentes a novos lançamentos de livros pertinentes à nossa área de especialização. Correlatamente, são vários os novos textos publicados em revistas ou correspondentes a comunicações apresentadas em distintos encontros de entidades que albergam estudos demo-econômicos como os nossos. Tais evidências ensejam o chamamento o qual temos repisado, qual seja a solicitação a que os colegas nos municiem com notícias sobre sua produção científica enviando-nos as referências completas e o resumo de seus trabalhos efetuados na área da história demográfica de sorte a que possamos mantermo-nos em dia com a sempre estimulante produção desenvolvida em nosso campo.
MARQUES,
Fernando Luiz Tavares. A presença indígena em engenhos coloniais do estuário
amazônico: possibilidades de uma abordagem arqueológica. Comunicação
apresentada no II Seminário de História do Açúcar: Trabalho, População
e Cotidiano. Itu (SP), novembro de 2007.
RESUMO. Estudos arqueológicos realizados no estuário amazônico têm
identificado cerca de quarenta sítios de engenhos de cana-de-açúcar oriundos
do período colonial. Em meio à cultura material coletada em alguns destes
sítios nas proximidades de Belém também foram encontrados vestígios
cerâmicos com marcantes características da cultura nativa. Estes fragmentos
são relativos a utensílios de cozinha, e compreendem restos de bordas, corpo e
base de tigelas, pratos etc. Estes dados são compatíveis com documentação
histórica referente à presença de indígenas nestes sítios. A descoberta
destas evidências materiais possibilita discussões sobre a caracterização da
força de trabalho destes empreendimentos durante o período colonial.
AMANTINO,
Márcia. As condições físicas e de saúde dos escravos fugitivos anunciados
no Jornal do Commercio (RJ) em 1850. Historia, Ciências, Saúde - Manguinhos,
Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, 2007. Acesso em: 20/01/2008. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702007000400015&lng=pt&nrm=iso
RESUMO. Examina as condições de saúde de uma população de escravos fugidos,
com base em anúncios publicados no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro
durante o ano de 1850. Para tanto, analisa as características físicas dos
escravos, conforme descrição de seus senhores e, considerando a saúde do
escravo, examina os problemas físicos que cada um possuía, de acordo com o
saber médico ou popular da época. Essas evidências podem ser relacionadas com
procedimentos ligados ao próprio sistema escravista, que privilegiava a máxima
utilização dos cativos.
ANDRADE,
Leandro Braga de. Senhor ou camponês? Economia e estratificação social em
Minas Gerais no século XIX. Mariana: 1820-1850. Belo Horizonte, Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas - UFMG, Dissertação de Mestrado, 2007, 207
p., mimeografado.
RESUMO. A abordagem da propriedade e do trabalho na economia de Minas Gerais no
século XIX é o principal esforço empreendido pelo autor. O novo perfil da
economia mineira, na qual predominaram as atividades agropecuárias, manteve a
estrutura escravista, porém também mostrou formas de organização do trabalho
calcadas na mão-de-obra livre. O trabalho camponês é a principal delas e, por
isso, está no centro da discussão deste estudo. As unidade produtivas que
utilizavam majoritariamente o trabalho livre ou um pequeno número de escravos
se assemelhavam em suas características econômicas, demográficas e
produtivas. Por outro lado, a presente pesquisa, que teve como foco aspacial o
termo da cidade de Mariana, mostrou uma significativa capacidade de acumulação
da elite escravista local, composta por fazendeiros, como na Freguesia de
Furquim, e de grandes comerciantes, como no núcleo sede do termo.
CAMPOS,
Kátia Maria Nunes. Elo da história demográfica de Minas Gerais:
reconstituição e análise inicial dos registros paroquiais da Freguesia de N.
Sa. da Conceição de Antônio Dias, 1763-1773. Belo Horizonte, Dissertação de
Mestrado, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional/Faculdade de
Ciências Econômicas - UFMG, 2007. Disponível em:
< http://www.cedeplar.ufmg.br/demografia/dissertacoes/2007/Katia_Campos.pdf
>
CUNHA,
Alexandre Mendes. Espaço, paisagem e população: dinâmicas espaciais e
movimentos da população na leitura das vilas do ouro em Minas Gerais ao
começo do século XIX. Revista Brasileira de História, jan./jun. 2007,
vol. 27, n. 53, p. 123-158.
RESUMO. O objetivo principal deste artigo é interpretar as transformações no
espaço urbano das vilas do ouro mineiras na passagem do século XVIII para o
XIX, pensando particularmente as transformações na paisagem e na demografia,
de forma articulada à dinâmica econômica da capitania. Destacam-se dois
núcleos - Vila Rica (Ouro Preto) e São João del Rey -, mas transcendendo a
análise para o conjuntos dos câmbios entre o urbano e o rural em Minas Gerais
no período. Três são os principais grupos de fontes utilizados: relatos de
viajantes, iconografia, e listagens ou mapas populacionais.
DIMUNZIO,
Karina & GARCÍA, Claudia. Esclavos cimarrones. La fuga: una estrategia de
resistencia esclava. Contra Relatos desde el Sur. Apuntes sobre Africa y
Medio Oriente, Año II, no. 3. CEA-UNC, CLACSO, Córdoba, Argentina.
Diciembre. 2006 ISSN 1669-953X.
ABSTRACT. Both in History and Social Anthropology, studies about the different
ways of resistance of oppressed groups have become relevant in the last years.
In America, slave population of African origin is one of the social sectors of
major interest. The resistance of slaves in those regions adopted different
aspects according to the socio-economic characteristics and special aspects of
each region. New theoretical approaches have widened the concept of resistance
thus giving rise to a more complex definition. This paper focuses on escape as
one of the solutions that Córdoba slaves resorted to in order to show their
discontent in a situation of subordination. In our research we consider the
slave as a historical active subject capable of generating changes through its
actions within the limits set by the social structure he belongs in. Disponible
en la World Wide Web:
< http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/argentina/cea/contra/3/garcia.pdf >
GRAÇA
FILHO, Afonso de Alencastro. Pequenos produtores de São José do Rio das
Mortes, 1730-1850. In: GUIMARÃES, Elione Silva & MOTTA, Márcia Maria
Menendes (orgs.). Campos em disputa: história agrária e companhia. São
Paulo, Annablume / Núcleo de Referência Agrária, 2007, p. 127-151.
RESUMO. O autor contempla, para a localidade e o período especificados, a
formação dessa parcela do campesinato composta pelos pequenos produtores numa
quadra de "acomodação" da economia mineira ao setor de abastecimento
e sua organização no Oitocentos. Como afirma: "As formas de composição
dessa mão-de-obra livre também permanecem obscuras, como a origem, migração
e presença de forros"; destarte, empresta ênfase, servindo-se de
distintas fontes documentais, às características demográficas do grupo social
estudado.
LAMOUNIER,
Maria Lúcia. Agricultura e mercado de trabalho: trabalhadores brasileiros
livres nas fazendas de café e na construção de ferrovias em São Paulo,
1850-1890. Estudos Econômicos. São Paulo, IPE-USP, 37(2):353-372,
abr./jun. 2007.
RESUMO. Este artigo examina o emprego de trabalhadores brasileiros livres em
diversas atividades nas fazendas de café e na construção de ferrovias em São
Paulo na segunda metade do século XIX. A historiografia sobre o tema ressalta,
em geral, a ausência/marginalidade dos trabalhadores nacionais na economia
agroexportadora, seja assumindo a exclusão dos trabalhadores brasileiros
considerados "vadios" e "indolentes" pela sociedade
contemporânea, seja privilegiando os aspectos culturais desse grupo de
população que resistia em se submeter aos novos moldes de dominação e
padrões de eficiência e disciplina impostos neste momento de transição para
o trabalho livre. Destacando o engajamento dos trabalhadores brasileiros nas
mais diversas tarefas dos dois setores e a peculiaridade do emprego nessa
economia rural baseada no trabalho escravo, o texto argumenta que, na verdade,
era justamente a incapacidade da agricultura de gerar emprego durante todo o ano
que produzia um padrão de instabilidade e mobilidade geográfica no mercado de
trabalho rural, irregularidade/instabilidade que muitos identificavam como
ociosidade e justificavam o recurso a legislações
repressivas.
LOPES,
Luciana Suarez. Uma economia em transição: a economia e a alocação de
riqueza na antiga vila de São Sebastião do Ribeirão Preto, década de 1870. História
Econômica & História de Empresas. São Paulo, Associação Brasileira
de Pesquisadores em História Econômica, vol. X, n. 2, 2007, p. 63-104.
RESUMO. A autora estuda, para a década de 1870, a economia e a alocação de
riqueza na antiga vila de São Sebastião do Ribeirão Preto. A fonte documental
utilizada são os inventários post-mortem da localidade. Nesse período,
o pequeno núcleo urbano passou por uma série de transformações, as quais
foram essenciais na preparação do que se tornaria um dos principais núcleos
produtores de café do interior paulista no último quartel do século XIX. Os
diversos bens encontrados no corpus documental considerado foram
agrupados em cinco categorias -- bens imóveis, escravos, animais, bens móveis
e dívidas ativas -- e os valores, originalmente expressos em mil-réis, foram
transformados em libras esterlinas. É contemplada, também, a estrutura de
posse de cativos.
NADALIN,
Sergio Odilon. Reconstituir famílias e demarcar diferenças: virtualidades da
metodologia para o estudo de grupos étnicos. Revista Brasileira de Estudos
de População. São Paulo, ABEP, v. 24, n. 1, jan./jun. 2007, p. 5-18.
RESUMO. Este artigo pretende revisitar alguns textos concernentes a um grupo de
imigrantes de origem germânica e seus descendentes em Curitiba (Paraná),
marcando as virtualidades da metodologia das reconstituições familiares. Seu
conteúdo considera uma necessária atitude crítica que pautou o
desenvolvimento desses trabalhos, tendo em vista principalmente as limitações
da metodologia e das próprias fontes "paroquiais". Os primeiros
resultados centraram-se em estudos de fecundidade de três coortes de casamentos
(1866-1939) e, na continuidade, desenvolveram-se esforços no sentido de
explorar a base de dados com objetivos que extrapolaram a demografia histórica stricto
sensu. O quadro teórico da investigação está alicerçado numa história
da construção de fronteiras étnicas, tendo como horizonte a imigração
européia, a urbanização, questões político-ideológicas e a história de
uma instituição religiosa.
Metcalf,
Alida C. Go-Betweens and the Colonization of Brazil, 1500-1600.
University of Texas Press, 2005, 391 p.
APRESENTAÇÃO. Doña Marina (La Malinche) ...Pocahontas ...Sacagawea - their
names live on in historical memory because these women bridged the indigenous
American and European worlds, opening the way for the cultural encounters,
collisions, and fusions that shaped the social and even physical landscape of
the modern Americas. But these famous individuals were only a few of the many
thousands of people who, intentionally or otherwise, served as
"go-betweens" as Europeans explored and colonized the New World.
In this innovative history, Alida Metcalf thoroughly investigates the many roles
played by go-betweens in the colonization of sixteenth-century Brazil. She finds
that many individuals created physical links among Europe, Africa, and Brazil -
explorers, traders, settlers, and slaves circulated goods, plants, animals, and
diseases. Intercultural liaisons produced mixed-race children. At the cultural
level, Jesuit priests and African slaves infused native Brazilian traditions
with their own religious practices, while translators became influential
go-betweens, negotiating the terms of trade, interaction, and exchange. Most
powerful of all, as Metcalf shows, were those go-betweens who interpreted or
represented new lands and peoples through writings, maps, religion, and the oral
tradition. Metcalf's convincing demonstration that colonization is always
mediated by third parties has relevance far beyond the Brazilian case, even as
it opens a revealing new window on the first century of Brazilian history.
LIMA,
Carlos A. M. Artífices do Rio de Janeiro (1790-1808). Rio de Janeiro,
Editora Ateliê, 2007.
RESUMO. Analisa as condições de existência do artesanato na sociedade
colonial, na passagem do século XVIII para o XIX. Estuda a cidade do Rio de
Janeiro, usando como fontes básicas os regimentos dos exames corporativos, as
licenças para oficinas, dadas pela Câmara da cidade e inventários post-mortem
de artesãos. Demonstra que o artesanato era de natureza escravista e
colonial, o que resultou na dependência frente ao capital mercantil, num
processo produtivo tosco, com limitadas possibilidades de acumulação e
mobilidade social, em padrões de crescimento puramente extensivos e na
liberação de interações competitivas entre os mestres artesãos, sabotando a
organização tradicional européia dos artífices em corporações de ofício.
ANDRADE,
Marcos Ferreira de. Elites regionais e a formação do Estado imperial
brasileiro: Minas Gerais, Campanha da Princesa (1799-1850). Rio de Janeiro,
Arquivo Nacional.
APRESENTAÇÃO. O trabalho, terceiro colocado no Prêmio Arquivo Nacional de
Pesquisa 2005, acaba de ser publicado. Para mais informações sobre a obra
MERIÑO FUENTES, María de los Ángeles & PERERA DÍAZ, Aisnara. Matrimonio y Familia en el ingenio: una utopía posible. La Habana (1825-1886). La Habana, Editorial Unicornio, 2007, 122 p.
APRESENTAÇÃO. Nossas premiadas colegas cubanas nos oferecem, em sua mais recente obra, uma visão pormenorizada das famílias escravas de dois engenhos de açúcar localizados na província de La Habana (Cuba). Seus estudos, em larga medida pioneiros, têm-se marcado pela formulação de métodos inovadores, pela abrangência das perspectivas analíticas adotadas e pelo enfrentamento de temas que levam à reconsideração de postulações tidas como firmemente estabelecidas pela historiografia tradicional. Assim, ao se debruçarem novamente sobre a família cativa, não só alargaram nosso conhecimento referente às características e peculiaridades assumidas pela instituição em Cuba, mas, correlatamente, deram à luz mais evidências do quão afastados da realidade estavam os que consideravam inviável a existência de uniões matrimoniais regulares e estáveis no âmbito do escravismo moderno, em geral, e, em particular, nos quadros da sociedade escravista cubana. Além disso, como bem lembrado por Robert W. Slenes, a quem coube elaborar o elucidativo prefácio do volume em tela, as autoras estabeleceram métodos originais de pesquisa, adequados às particularidades da documentação eclesiástica e civil de Cuba; puderam elas, dessa maneira, acompanhar as famílias estudadas ao longo do tempo. Destarte, somos conduzidos do passado colonial aos dias correntes. Tal fato possibilitou o relacionamento entre o passado histórico e a vida presente: aquele, haurido na rica documentação escrutinada, esta última alcançada pelas entrevistas prestadas a nossas inquietas autoras pelos descendentes daquelas antigas famílias. Ademais, os estudiosos da sociedade brasileira pretérita devemos um agradecimento adicional às autoras, pois os resultados aos quais chegaram aproximam ainda mais nossas duas sociedades escravistas, fazendo-nos ver como eram semelhantes o Brasil e Cuba.
NETTO, Fernando Franco. População, escravidão e família em Guarapuava no século XIX. Guarapuava, Unicentro Editora, 2007, 394 p.
Obra relevante para avaliar-se a importância de
Guarapuava quanto ao entendimento do funcionamento da escravidão no Brasil. Por
pequeno que fosse o contingente local de cativos, em comparação com o que se
passava em províncias como a Bahia, Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, a
leitura deste trabalho aumenta muitíssimo de rendimento quando nos lembramos de
que o Brasil era, nessa época, muito mais parecido com Guarapuava que com o Rio
de Janeiro, por exemplo.
A primeira característica que faz de Guarapuava caso-chave para, por
semelhança, entender o Brasil, é a própria pequenez da população escrava.
Impossível, hoje em dia, reter a imagem de que a sociedade escravista
brasileira se assentava em populações majoritariamente escravas. Não era isso
que se passava nem mesmo nos núcleos da agricultura escravista, com seu papel
estruturador.
Em segundo lugar, havia o fato de que Guarapuava era uma área de fronteira. O
Império Brasileiro, com um habitante para cada dois quilômetros quadrados na
época da Independência (população além do mais concentrada), atingiu seu
termo contando com apenas muito pouco menos que um quilômetro quadrado por
habitante (e população ainda concentrada). Terra, terra e mais terra mais à
frente, para quem enfrentasse os sertões, e muita gente o fazia. O registro
contraditório segundo o qual essa ocupação se dava aparece com força nesse
trabalho: um padrão estranho em que, ao mesmo tempo que os recursos mais
atraentes disponíveis nesses sertões viriam a ser detidos por poucas mãos,
ainda assim acorria com ânimo às áreas novas uma pobreza renitente que, para
as condições de cada um desses locais, seria numerosa.
Em terceiro lugar, a velocidade com a qual tudo se passou no que hoje é o
centro do Paraná é carregada de ensinamentos. Esse crescimento acelerado
enfrentava, pelo menos na primeira metade do século XIX, condições que já
foram consideradas difíceis, como no que se escrevia na época em que se
desconhecia o descompasso entre as dinâmicas das economias brasileira e
atlântica. É preciso não esquecer que a formação da sociedade escravista
local se deu, e com velocidade, em meio a uma onda longa recessiva (se é que
ainda é possível falar em ondas longas), estendida entre meados da década de
1810 e a metade do século. Além disso, a constituição dos negócios
escravistas locais ocorreu enfrentando uma primeira desorganização do mercado
de escravos no Império, desorganização essa desencadeada pela pressão
inglesa contra o tráfico africano e pela primeira proibição deste último. A
população de Guarapuava cresceu em um pouco mais de dez por cento no
curtíssimo intervalo de cinco anos estendido de 1835 a 1840. Isso parece pouco,
mas significa de fato um crescimento geométrico anual de mais de 2%, isso
depois de ter crescido à incrível taxa de quase 12% ao ano entre 1828 e 1835
(neste último caso, excluindo-se do cálculo a população indígena aldeada).
Números absolutos sempre pequenos, mas taxas invariavelmente assustadoras.
O caso de Guarapuava é crucial também para entendermos os processos
migratórios no Brasil da época, muito mais importantes do que sempre se
pensou. A pesquisa detectou uma maioria masculina entre os escravos de
Guarapuava, mas essa maioria masculina não resultava, como era, digamos,
clássico no Brasil, das importações de africanos. Como as gerações nascidas
no Brasil tinham números parecidos de homens e mulheres, coisa que acontece com
qualquer coorte, ficamos então com boa demonstração de que os cativos
guarapuavanos podem ser vistos como migrantes internos forçados.
Isso, para citar outro dado de extrema oportunidade do trabalho permitindo
reavaliar o lugar do absenteísmo no Brasil. A fronteira aberta e os avanços e
recuos, marchas e contramarchas de sua apropriação conduziam à
multiplicação das unidades agrárias possuídas por magnatas, e não à
formação de grandes unidades integradas. Tinha-se muita terra possuindo muitos
pedaços, e não através da apropriação de inteiras províncias. Ou então as
pessoas retinham ao mesmo tempo unidades agrárias nos pontos de partida (no
caso do pessoal de Guarapuava, tratava-se Curitiba, Palmeira, Campo Largo) e nas
partes para onde o avanço da fronteira as levava. A pecuária permitia tudo
isso, e facultava a formação de unidades escravistas peculiares, com um
absenteísmo sem feitores. Afinal, para onde fugiriam os escravos? Eram
limitados apenas pela pequenez das escravarias no processo de formação de suas
famílias e de estabelecimento de suas roças, tendo para isso terra e tempo -
deixado este para eles pela forte sazonalidade da criação de gado.
A população escrava de Guarapuava destoava daquela do Paraná em seu conjunto,
ao menos a crer-se no clássico trabalho de Horácio Gutierrez. Nos momentos
iniciais (1828), a proporção de crianças (até 14 anos) era alta, tendendo a
baixar em seguida, reduzindo-se a menos que os 40% tornados famosos por
Gutierrez. Na mesma proporção, acrescia a participação do pessoal
escravizado com idades entre 15 e 39 anos, máximo de rentabilidade (o que se
avalia pelos preços de cativos). A caracterização de Guarapuava como área
produtora para o mercado interno não é suficiente para compreender as
condições locais, caso contrário não se explicariam as diferenças entre a
localidade e o restante do Paraná. As características da população
escravizada sugerem que é preciso levar em conta o avanço da fronteira
agrária, os padrões migratórios (os dos senhores e os forçados, dos
escravos) e mesmo o ciclo de vida dos proprietários, de modo tal que se está
diante de uma população quase que criada pela movimentação geográfica e
pelos contatos interétnicos. Caminha na mesma direção o fato de a população
escrava adulta ter tido parcela masculina muito preponderante para padrões
paranaenses, mas ao mesmo tempo muito poucos africanos, mesmo na época de
formação da vila, intervalo no qual as importações de escravos provenientes
do Velho Mundo cresceram até mesmo na forma de desembarques diretos em
Paranaguá. Por outro lado, deve-se atentar para as razões criança/mulher
encontradas, assim como à fecundidade das escravas.
A reconstrução da parentela de Benedito e Brasília, casal de escravos de
José de Siqueira Cortes, é carregada de ensinamentos. A família pode ser
observada transitando pelas normatividades relacionadas à capacidade de
reprodução de escravarias, às escolhas e constrangimentos da formação de
laços familiares, à alforria, ao compadrio e aos arranjos e desarranjos
estabelecidos como reações ou como resultado das transferências de
propriedade ligadas à vida econômica e familiar (partilhas, doações) do
proprietário. Pertencia ao mesmo proprietário a escrava Florinda, e quanto a
ela se acompanha o mesmo leque muito amplo de práticas, com a diferença de que
Florinda, diferentemente de Benedito e Brasília, deu origem a uma família que
os historiadores gostam de classificar como matrifocal. Há vários outros
exemplos de famílias escravas com trajetória reconstruída, e os dados aqui
trabalhados devem ser levados em consideração para lidar com as chamadas
hipóteses processuais, que têm tido forte impacto na historiografia recente da
família escrava. Além da temporalidade do Atlântico, ou da sociedade
brasileira como um todo, ou da região em seu conjunto, ou ainda da população
escrava local, muita coisa só pode ser compreendida quando atentamos para a
temporalidade dos laços e interações estabelecidos entre os cativos.
Famílias escravas tinham uma História própria.
Os diagramas permitem formular algumas suspeitas extremamente produtivas em
relação à articulação daquelas variáveis. Percebe-se que, ao final das
carreiras reprodutivas daquelas mulheres e famílias, começavam a deixar de ser
preponderantes os padrinhos livres. Mas o que começava a aparecer eram os
pouquíssimos libertos de Guarapuava. Aqui uma hipótese instigante: o compadrio
consagrava a relação de escravos com forros cuja liberdade esteve ligada, é o
que a trajetória informa, à continuidade dos laços familiares entre cativos.
Não é comum na historiografia brasileira essa articulação entre variáveis.
Desde a discussão sobre estrutura de posse de escravos até aquela a respeito
da estruturação dos domicílios, há intensa discussão e forte utilização
das metodologias calibradas ao longo dos anos pelos pesquisadores. Os modos de
incorporação de escravos aos plantéis, pode-se verificar o imenso impacto,
discreto apenas porque os números são sempre pequenos, das migrações
forçadas de cativos para Guarapuava. O caso do cruzamento das informações das
listas nominativas, dos inventários post-mortem e do Recenseamento de
1872, a fim de mensurar o impacto do tráfico interprovincial de escravos da
segunda metade do século XIX, ou então as aproximações realizadas entre os
dados do registro paroquial de terras, os inventários e as listas nominativas.
A importância para a compreensão do lugar da agricultura de alimentos no
Paraná, identificando a quase onipresença de unidades agrárias compósitas,
embora predominantemente criadoras. Da mesma forma, fazia falta mais uma
confirmação do declínio observado na formalização das famílias escravas
durante o século XIX, assim como uma avaliação dos avatares do o compadrio
escravo, na passagem da primeira para a segunda metade do século XIX.
(Apresentação preparada pelo autor da obra com base naquela estampada no livro
e escrita pelo Prof. Carlos Lima).
GUIMARÃES, Elione Silva & MOTTA, Márcia Maria Menendes (orgs.). Campos em disputa: história agrária e companhia. São Paulo, Annablume / Núcleo de Referência Agrária, 2007, 406 p.
APRESENTAÇÃO. Esta coletânea de textos representa uma esforço coletivo para delinear e mesmo refigorar a linha de pesquisa em História Agrária ou História Social da Agricultura. Trata-se de mais um dos frutos do Núcleo de Referência Agrária, cuja tarefa de divulgar estudos dedicados aos temas que o norteiam tem-se estendido pelos últimos dez anos. A primeira parte da obra -- História Agrária e Econômica -- vota-se ao diálogo com a História Econômica, o esforço das organizadoras foi o de trazer à luz as novas temáticas gestadas na linha da história econômica e sua contribuição para os estudos sobre o universo rural. A segunda parte -- História Agrária e Direito à Terra -- contempla o campo do conflito pela posse da terra em suas múltiplas dimensões. No terceiro e último conjunto de artigos -- História Agrária e Identidades -- é estabelecida a ponte entre a faceta concernente ao aludido conflito e aquela representada pelos estudos sobre identidades sociais. Estamos em face, pois, de um rico repositório de textos que iluminam os caminhos mais prolíficos trilhados nos últimos lustros pelos pesquisadores da área. (com apoio na Apresentação elaborada pelas organizadoras do volume).
CONHEÇA AS ATIVIDADES E O RICO ACERVO DO NÚCLEO DE ESTUDOS E MODELOS ESPACIAIS SISTÊMICOS
Colocado
sob a coordenação de nosso colega Eustáquio José Reis e sediado no IPEA/RJ,
o Núcleo de Estudos e Modelos Espaciais Sistêmicos (Nemesis) congrega
pesquisadores de diversas áreas de conhecimento científico vinculados a
várias instituições. O foco das pesquisas do núcleo são modelos espaciais
dos processos demográficos, econômicos e ambientais que permitam analisar os
padrões históricos, geográficos e institucionais de desenvolvimento
brasileiro e, sobretudo, avaliar os efeitos locais e regionais das políticas
governamentais no Brasil. A perspectiva sistêmica manifesta-se na busca de
explicação do comportamento do país, das regiões, ou de estados
específicos, pelas relações entre suas unidades geográficas ou
administrativas (estados, municípios e setores censitários). Para viabilizar
as pesquisas, um dos produtos fundamentais do Nemesis é a organização de base
de dados socioeconômicas, geoecológicas e político-administrativas em vários
níveis geográficos que se encontram disponíveis em seu sítio ( www.nemesis.org.br
), na Memória Estatística do Brasil ( www.memoria.nemesis.org.br
) e, sobretudo, na página regional do Ipeadata ( www.ipeadata.gov.br/
) com respeito à qual merece realce o painel de dados municipais para o
período 1872-2000.
V Simpósio
Internacional do Centro de Estudos do Caribe no Brasil-CECAB
“Fronteiras e
Culturas em movimento: África, Brasil Caribe”
Salvador, Bahia,
Brasil
30 de setembro a 3 de outubro de 2008
As interconexões culturais e políticas entre África, Brasil e Caribe são resultantes de um passado colonial comum e das relações mantidas entre essas regiões no atual processo de globalização. Desse modo, pensar nessas culturas em movimento é reagir contra as noções estáticas de centro e periferia, das identidades, de culturas monolíticas e fixas na tradição, de fronteiras como limites e não como interstícios abertos à negociação e ao diálogo intercultural, mas também ao debate e às tensões, bem como o respeito à diversidade cultural.
Para esse debate, o Centro de Estudos do Caribe no Brasil (CECAB) está organizando, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), o seu V Simpósio Internacional que se realizará em Salvador, Bahia, de 30 de setembro a 3 de outubro de 2008, cujo tema principal será “Fronteiras e Culturas em Movimento: África, Brasil e Caribe”.
PARA CONHECER O TEOR INTEGRAL DA CONVOCATÓRIA
III
Encuentro Regional de Historia y Ciencias Sociales
I Encuentro regional de Geohistoria
Rivera- 3-4-5-octubre 2008
En el año 2002 convocamos al 1er. Encuentro Regional de Historia, que se realizó en la ciudad de Rivera, en ese momento el proyecto se planteaba la realización de un encuentro anual rotativo entre las diferentes ciudades del norte uruguayo. Así en 2003 se organizó en la ciudad de Melo, departamento de Cerro Largo. Desde entonces y por diversos motivos no pudo volver a realizarse. Este año 2008, el Centro de Documentación Histórica del Río de la Plata, con sede nacional en Rivera, ha decidido promover el 3er Encuentro Regional de Historia y ampliarlo en su convocatoria a todas las Ciencias Sociales, así como a crear un nuevo espacio de reflexión interdisciplinaria denominado Geohistoria. Este encuentro lo definimos como un espacio de comunicación y de intercambio de conocimientos, con especial énfasis en las diferentes investigaciones, propuestas de trabajo, prácticas pedagógicas, acciones culturales, que están siendo desarrollados a ambos lados de la frontera uruguayo-brasilera.
PARA LER O TEXTO INTEGRAL DA CONVOCATÓRIA