Trabalhos: A Maçonaria Inglesa Ortodoxa

in "Rebeldia", nº 5, Grémio Rebeldia, Lisboa, Maio de 1989, pp. 24-27

A Maçonaria nasceu em Inglaterra e os maçons ingleses de hoje orgulham-se da sua "ortodoxia", face às múltiplas formas que caracterizam os seus correlegionários de todo o mundo.

Vejamos, extraídas da obra, The Craft, a History of English Freemasonry, de John Hamil, maçon e bibliotecário oficial da Grande Loja Unida de Inglaterra, as principais definições e características da Maçonaria que se arroga defender a pureza e a verdadeira tradição da Ordem.

O que é a Maçonaria
Em 1984, a Grande Loja Unida de Inglaterra publicou um opúsculo onde definia Maçonaria como "uma das mais antigas associações seculares e fraternas do mundo [...], uma associação de homens preocupados com valores espirituais. Aos membros são explicados os seus preceitos por uma série de dramas rituais que seguem antigas formas e utilizam costumes e utensílios de pedreiro como guias alegóricos. A condição essencial para a admissão e a permanência como membro é a crença num Ser Supremo. A admissão está aberta a homens de qualquer etnia ou religião que possam obedecer a esta condição essencial e sejam de boa reputação."

"O que a Maçonaria não é é uma sociedade secreta; uma religião ou um sucedâneo para a religião; um grupo de socorros mútuos; um grupo de pressão para-político; uma conspiração na sombra manipulando a administração pública aos vários níveis, a leis em todos os seus ramos, a indústria ou o comércio, o governo das várias igrejas ou o sistema de ensino."

"O candidato à iniciação aprende muito cedo no seu currículo maçónico que os princípios básicos da Maçonaria são o Amor Fraternal, o Auxílio e a Verdade. O Amor Fraternal, no seu sentido de promoção da tolerância e do respeito pelas crenças e ideais dos outros, e a construção de um mundo no qual a tolerância e o respeito, juntamente com a bondade e a compreensão, possam florescer. Auxílio, não na acepção limitada de dádiva monetária, mas no sentido mais lato de dádiva caritativa de dinheiro, tempo e esforço para assistir à comunidade no seu conjunto. Verdade, no sentido de luta por elevados padrões morais e de viver a própria vida - em todos os seus aspectos - de maneira :w tão honesta quanto possível. Em palavras simples, ensinam-se ao maçon os deveres para com Deus, para com o próximo e para com a Pátria."

Sessões e trabalhos de loja
"Cada loja reúne-se em datas específicas que não podem ser alteradas sem autorização, devendo haver sempre sessão mesmo que não exista qualquer cerimónia a efectuar. O número de sessões por ano depende dos estatutos da própria loja e só pode ser modificado por acordo entre os seus membros e por alteração desses estatutos. Em média, as lojas de Londres reúnem-se 5 vezes por ano e as lojas da província 8 vezes, embora algumas se reúnam mensalmente ou todos os meses excepto Julho e Agosto. [...] Reunidos os membros e os visitantes à hora prescrita, a sessão é aberta com ritual. O primeiro assunto da Ordem de Trabalhos é a leitura, aprovação e assinatura da acta da sessão anterior, passando-se à Ordem do Dia, variável de loja para loja. [...] Além do ritual, a sessão é preenchida com assuntos administrativos da loja. [...]" "Embora a maioria das lojas só se ocupe de trabalhos ritualistas, há algumas lojas nas quais o único ritual se reduz à abertura e encerramento dos trabalhos e à instalação anual do Venerável. Estas lojas classificam-se em dois grupos: lojas de investigação e lojas exclusivas de ex-Veneráveis e de ex-Grandes-Administradores Provinciais. O objectivo das lojas de investigação é juntar aqueles que se interessam pela história, as tradições e as práticas da Maçonaria e o seu principal trabalho consiste na apresentação de comunicações sobre qualquer tema maçónico, usualmente seguido por debate. As lojas de ex-Veneráveis e de ex-Grandes-Administradores Provinciais são um meio de continuar, numa base formal, a camaradagem desenvolvida, durante o seu período de gerência, por todos aqueles que foram Veneráveis de loja ou Grandes Administradores Provinciais. Os trabalhos nas suas sessões consistem geralmente em conferências sobre qualquer aspecto da Maçonaria ou em demonstrações de práticas rituais havidas no passado ou noutra Grande Loja."

O "Reconhecimento"
A Grande Loja Unida de Inglaterra arroga-se o direito de "reconhecer" as Grandes Lojas constituídas em todo o mundo e de permitir ou não permitir que os seus membros tenham quaisquer contactos maçónicos com membros dessas Grandes Lojas. Para tal efeito, adoptou, em 1929, os seguintes princípios básicos de reconhecimento:

    "1º - Regularidade de origem, isto é, que cada Grande Loja tenha sido criada regularmente por uma Grande Loja devidamente reconhecida ou por três ou mais lojas regularmente constituídas;

    "2º - Que a crença no Supremo Arquitecto do Universo e na sua vontade revelada seja condição essencial para a admissão dos membros;

    "3º - Que todos os iniciados prestem o seu compromisso sobre o Livro da Lei Sagrada ou com os olhos fixos nesse livro, aberto à sua frente, livro pelo qual se exprime a revelação do Ser Supremo ao qual o indivíduo que acaba de ser iniciado fica, em consciência, irrevogavelmente ligado;

    "4º - Que a composição da Grande Loja e das lojas particulares seja exclusivamente de homens e que cada Grande Loja não mantenha quaisquer relações maçónicas, seja qual for a sua natureza, com lojas mistas ou com corpos que admitam mulheres como membros;

    "5º - Que a Grande Loja exerca jurisdição soberana sobre as lojas submetidas à sua obediência, isto é, que seja um organismo responsável, independente e inteiramente autónomo, possuindo uma autoridade única e incontestável sobre a Arte ou os graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e Mestre) colocados sob a sua jurisdição, e que não esteja de forma alguma subordinada a um Supremo Conselho ou qualquer outra potêcia reinvidicando controle ou supervisão sobre esses graus , nem partilhe a sua autoridade com esse Conselho ou essa potência;

    "6º - Que as três Grandes Luzes da Maçonaria (isto é, o Livro da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso) estejam sempre expostos durante os trabalhos da Grande Loja ou das lojas na sua obediência, sendo a principal dessas luzes o volume da Lei Sagrada;

    "7º - Que as discussões de ordem religiosa e política sejam estritamente proibidas em loja;

    "8º - Que os princípios dos "Antigos Landmarks", costumes e usos da Arte sejam estritamente observados."

Acção Caritativa
"A Caridade maçónica evoluíu para determinados objectivos e atinge admiravelmente os seus fins. Com o crescente desenvolvimento do Estado Social, a introdução do Serviço Nacional de Saúde e o grande melhoramento da educação estatal, muitos irmãos começaram a pôr em dúvida se a caridade [maçónica] tinha qualquer sentido ou se estava apenas a duplicar os serviços do Estado."

Mas houve dificuldades em mudar as coisas. "A Maçonaria tem tido sempre uma reacção emocional a modificações na Caridade [maçónica] e embora se reconhecesse que havia que fazer alterações, muitos prefeririam que elas se fizessem nos modelos existentes e não que houvesse uma reorganização geral [...]".

As novas instituições criadas foram as seguintes:

  1. A Fundação para Idosos e Doentes, criada em 1979;
  2. A chamada "Grand Charity", fundada em 1980-80;
  3. O Fundo Maçónico para Raparigas e Rapazes, estabelecido em 1982 com o fim de prestar ampla e variada assistência a filhos de maçons e de não maçons pobres ou falecidos.

"Além da caridade centralizada, muitas Grandes Lojas Provinciais e lojas individuais têm os seus próprios fundos de assistência" para auxílio a maçons e não maçons.

"A Caridade não respeita apenas o dinheiro. Envolve também dádivas de tempo e assistência prática. Muitas lojas e maçons individuais dão livremente o seu tempo a formas locais de beneficiência, visitando doentes e inaptos, organizando festas em lares infantis e prestando assistência aos idosos e detidos em casa".

Maçonaria e Religião
"Devemos salientar que a Maçonaria é aliada da religião e está firmemente alicerçada na crença religiosa. Em todos os nossos rituais e banquetes, lembramo-nos da Divindade à qual devemos a existência".

Num texto emanado em 1985 da Grande Loja Unida da Inglaterra, diz-se:

"A Maçonaria está longe de ser indiferente à religião. Sem interferir na prática religiosa, espera que cada maçon siga a sua própria fé e coloque os seus deveres para com Deus (seja qual for o nome pelo qual o conheça) acima de todos os outros deveres. A lei moral maçónica é aceitável por qualquer religião".

Nota: a imagem aqui apresentada está disponível na página da United Grande Lodge of England.