Trabalhos: Regionalização?in "Rebeldia", nº 1, Grémio Rebeldia, Lisboa, Fevereiro 1988Não há mal nenhum em manter, com feição autárquica, os actuais distritos, corrigindo-se um ou outro pormenor e criando-se, eventualmente, um ou dois mais. Mas não se promovam esses distritos a regiões, com prejuízo dos interesses e da autonomia dos concelhos. A. H. de Oliveira Marques
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O que causou o desenvolvimento de grande parte do País nos
últimos treze anos e impediu que tal acontecesse em todo o
território nacional foram, sobretudo, fundos colocados à
disposição dos municípios e dos munícipes, viessem
eles do orçamento geral ou da riqueza individual dos cidadãos. A
inexistência das regiões não tolheu esse desenvolvimento nem
será a sua existência que o promoverá onde ele não
pôde ser conseguido. O Estado português nasceu, fortaleceu-se e evoluiu sob o signo da centralização. As suas possíveis regiões - o território do primitivo Condado Portucalense, a norte, o reino do Algarve, a sul e, com certa dificuldade de definição, mais uma ou duas - foram, rápida ou pouco a pouco esvaziadas de eventuais características próprias e integradas, sem grandes problemas, no Reino de Portugal. Nada, ao longo de uma história de mais de oito séculos, as fez ressuscitar. Nada, no mesmo período de tempo, levou à criação de quaisquer outras que hoje se possam apresentar com o mínimo fundamento tradicional. As concessões de feudos e senhorios jamais respeitaram a territórios com suficiente dimensão para constituírem unidades homogéneas, esboços de futuras regiões. Pelo contrário. A preocupação dos monarcas foi sempre a de dispersarem esses senhorios por zonas do País bastante vastas, de modo a garantir-lhes rendas convenientes mas não bases amplas de poderio político. E quando houve excepções - que as há sempre - não duraram e terminaram às vezes em tragédia, com vantagem para os interesses da Coroa. Os bispados e os demais senhorios eclesiásticos também não corresponderam a conjuntos territoriais homogéneos nem lhes forjaram essa homogeneidade, apesar de longos séculos de uma persistência imutável. Do arcebispado de Braga, por exemplo, não saíu a região Minho-Trás-os-Montes. Do território extenso da Ordem Militar de Santiago, outro exemplo, não saíu qualquer região englobando os actuais distritos de Setúbal e Beja. E assim com todos. Quando, nos finais da Idade Média, surgiram as comarcas (em sentido lato e restrito) e, logo depois, os almoxarifados financeiros, nem umas nem outros decalcaram regiões pré-existentes ou vieram a criá-las no futuro. Mesmo assim, foi das comarcas que saíu a primeira divisão "regional" portuguesa com foros de continuidade (divisão meramente administrativa, entenda-se), ao serem criadas as de:
Mais tarde, a divisão oitocentista em distritos resultou no mesmo. Século e meio passado, não fez de nenhum deles, nem mesmo do de Faro, uma região definida que hoje se possa indiscutivelmente propor como padrão organizativo. E as onze "províncias" tentadas pelo chamado Estado Novo (Minho, Trás-os-Montes e Alto Douro, Douro Litoral, Beira Alta, Beira Baixa, Beira Litoral, Estremadura, Ribatejo, Alto Alentejo, Baixo Alentejo e Algarve) também não resultaram, como ele próprio reconheceu, abolindo-as um quarto de século depois
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O dogma da plena autonomia das regiões insulares, hoje
indiscutível e intangível, tem de ser objecto de crítica
impiedosa. Insularidade e interioridade têm de ser equacionadas e
resolvidas da mesma maneira. A realidade poderia ter sido outra nos territórios de "além-mar". Açores e Madeira são hoje propostas como modelos acabados de regiões para as quais uma ampla autonomia se apresenta indiscutível, dogmática mesmo em termos nacionais. E, no entanto, quão contestável é um tal dogma! Nos Açores, as diferenças entre os territórios dos três antigos distritos (Angra; Horta; Ponta Delgada) superam frequentemente as semelhanças. E, por vezes, uma ilha diverge ainda, nos seus interesses e características, das ilha mais próxima! Há mais diferença entre o falar micaelense (que muitos julgam corresponder a um falar tipicamente açoriano) e o falar terceirense do que entre este e o falar de Lisboa. E que falaciosas e destituídas de sentido são as afirmações de uma cultura "açoriana" ou "madeirense", distinta da cultura portuguesa ou sequer passível de caracterização científica! Mas então, perguntar-se-á, não existem diferenças dentro do território português? Diferenças que justifiquem autonomias ou descentralizações?
Claro que há diferenças. Mas elas existem, quando existem, a um
nível muito mais localista e identificam-se muito mais com o
território de um concelho ou de pequenos conjuntos de concelhos.
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A grande maioria dos municípios portugueses conta já muitos
séculos de existência, com limites frequentes vezes
imutáveis ao longo do tempo. As suas cidades e vilas albergaram, desde
sempre, ógãos de soberania próprios, com assembleias,
"governos" e presidentes escolhidos entre os seus naturais. É verdade que
o seu grau de autonomia variou, tanto no período pré-liberal como
durante a vigência dos vários códigos administrativos, uns
mais, outros menos centralizadores. É verdade que o peso da
administração central se impôs sempre, constituindo, por sua
vez, uma tradição na vida portuguesa. E é verdade ainda que
nunca os concelhos foram comunas, à maneira flamenga ou italiana, com o
seu estatuto de pequenas repúblicas, vivendo independentemente dos
desejos da administração central. Mas ninguém pode duvidar
que uma tradição de séculos, quando não de
milénios, impôs o concelho como autêntica e única
região portuguesa a quem todos os privilégios são
naturalmente devidos dentro dos limites de um pequeno e pouco desenvolvido
país. Minimizar o concelho, fazê-lo depender de outras autarquias
fictícias e artificiais é, ainda por cima, coarctar-lhe a
autonomia, introduzindo entre ele e o poder central um novo conjunto de
autoridades electivas que só contribuiria para aumentar a burocracia,
dificultando, em vez de simplificando, a resolução dos seus
problemas. O estendal de assembleias e de "conselhos" preconizado para cada
região, pela actual Constituição e pelos projectos
dos partidos, além de encarecer espantosamente a
administração pública, à custa do contribuinte,
faria multiplicar os cargos inúteis e as funções
parasitárias. É ver o que aconteceu com o novo funcionalismo
criado nos Açores e na Madeira, grande parte do qual só serve para
garantir clientelas dóceis aos presidentes dos respectivos governos
regionais que o criaram. Em vez de se reduzirem os empregos públicos,
como os políticos do centro e da direita tanto clamam, eles seriam
multiplicados a uma escala inconcebível para o tamanho e a riqueza do
País.
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E depois, pense-se um pouco! Em termos europeus - já para não
falarmos em termos de outros continentes cuja área é ainda maior -
Portugal é que é a região! 89 000 km2
estão perto, em superfície, de várias unidades de
países que nelas descentralizaram os seus poderes administrativos. Aqui
na vizinha Espanha, a região da Andaluzia conta nada menos que 87
268 km2. Cada uma das regiões de Castela-Mancha e
Castela-Leão tem quase 80 000 km2. Na Alemanha, quase todos os
Estados (=Länder), não reduzidos a uma cidade, têm
áreas superiores à de qualquer possível
região portuguesa, à excepção de todo o
Alentejo. Veja-se o ridículo que seria estabelecer regiões
artificiais com menos de 10 000 km2, o que sucederia com o Algarve
(4889km2) ou com Entre-Douro-e-Minho (7258km2)! Já
nos Açores e na Madeira se criaram minúsculas unidades
autónomas com 2335 e 796 km2 respectivamente e tantos
habitantes como os de algumas cidades do Continente! É triste que se
continue a copiar mal o que se faz lá fora (mas nem tudo o que se faz
lá fora porque a França, modelo de tantas
"inovações" portuguesas. não descaíu ainda em
regionalismos absurdos), sem se atender às pequenas dimensões do
pequeno país que somos.
Nota: o mapa aqui apresentado encontra-se na página da Região de Turismo do Verde Minho.
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