Trabalhos: Por um Exército Profissionalizado

in "Rebeldia", nº 1, Grémio Rebeldia, Lisboa, Fevereiro 1988

O episódio dos dias 12 e 13 de Setembro de 1987, em que um certo número de detidos no presídio militar de Santarém se revoltaram contra as condições em que eram forçados a viver, veio repôr, na consciência de muitos portugueses, a questão da racionalidade e da legitimidade do serviço militar obrigatório. São estes dois aspectos que gostaríamos de abordar brevemente aqui: será que a melhor maneira de defender um país é obrigar os cidadãos a submeterem-se a algo que na maioria dos casos lhes repugna? Com que legitimidade é que o Estado os priva de uma - preciosa - parte do seu tempo de vida, quando as coisas podem ser feitas de outra forma?

Alexandre Marrara

Passividade da opinião pública, inércia do Estado

Comecemos pela questão da eficiência. Parece evidente que numa instituição em que os profissionais só entram de livre vontade, o grau de motivação, e, portanto, de eficiência, será muito maior do que naquela em que se trabalha porque a isso se é obrigado. Responder-me-ão alguns que esse potencial ganho em eficiência é mais do que anulado pela perda de efectivos que resultaria de uma eliminação da obrigatoriedade do serviço militar. Mas a verdade é que o exército poderá perfeitamente ter os efectivos de que necessita, mesmo sendo o serviço militar facultativo, desde que ofereça condições de remuneração e de valorização pessoal concorrenciais com o mercado de trabalho.

E é importante que nos detenhamos sobre este ponto: a obrigatoriedade do serviço militar não é justificada por razões de eficiência. A própria guerra das Malvinas, em que o exército inglês, composto de voluntários, não teve dificuldades em se desembaraçar do exército argentino, é disso uma prova. A verdadeira razão reside na inércia dos nossos governantes, que, com o aval de uma opinião pública geralmente passiva, recuam perante a árdua - mas certamente realizável - tarefa da instituição de um serviço militar facultativo e, portanto, de um exército profissional.

Mas será esta inércia suportável? É um facto que ela é suportada, pois, em cada momento, o número de indivíduos mobilizados representa uma muito pequena parte da população portuguesa. Repete-se assim um fenómeno muito característico dos regimes democráticos: a passividade de uma maioria permite a opressão de uma minoria.

Por uma melhor integração social

Suportável, no entanto, dificilmente o será. Numa idade em que se procura um rumo para a vida, muitos são aqueles que sentem o serviço militar como um atentado à sua liberdade pessoal. E não se trata aqui de uma consideração meramente filosófica. É forçoso reconhecer que o habitante das sociedades industrializadas se identifica cada vez menos com certos aspectos do sistema político e social em que vive. Da mesma forma, os dirigentes políticos são cada vez menos vistos como autênticos defensores do interesse das populações. A conclusão é óbvia: se queremos evitar um "desmoronamento" moral e social, temos de reformar certas instituições e adaptá-las às aspirações dos cidadãos. Cremos que uma das reformas mais urgentes é precisamente a eliminação da obrigatoriedade do serviço militar, e a criação de um exército profissionalizado.

Nota: a fotografia aqui apresentada faz parte de um conjunto de imagens presentes no site COLONIAL - memórias de guerra. Este site tem o apoio do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX e do Centro de Documentação 25 de Abril.