PRIVATIZAÇÃO
Terceirização da Advocacia Pública, a Quem Interessa?
Sebastião Vilela Staut Jr Procurador do Estado de São Paulo
" O Mal que fazemos não nos acarreta tanta
perseguição
e ódio como as nossas boas qualidades"
La Rochefoucauld
Não ousaria trazer a este novo, porém já prestigioso
boletim, assunto de restrita importância, a tomar o tempo dos leitores,
nem tampouco lançar mão deste espaço para polemizar,
à moda dos antigos, a respeito de tema paroquiano. Todavia, é
força reconhecer que recentes declarações do Exmo.
Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda do Estado de
São Paulo, na edição de 05 de novembro de 1995 do
jornal "O Estado de São Paulo" , trazem à tona
assunto momentoso e de importância que decerto transcende ao que
a primeira vista possa parecer uma simples intenção no âmbito
do que se convencionou chamar "reforma administrativa".
Com efeito, declarou o ilustre Secretário de Estado ao precitado
rotativo, preocupado com a endêmica falta de recursos, o seguinte,
verbis: "Se a Fazenda tivesse o poder de contratar advogados particulares,
pagando exatamente aquilo que paga aos procuradores, o Tesouro arecadaria
muito mais do que hoje".
Mensagem desse modo taxativa certamente induzirá àqueles
mais distantes do tema da arrecadação da dívida ativa
a acreditar que estamos vivendo mais um escândalo de ineficiência
administrativa, a demandar a tão propalada "reengenharia do
Estado". Menos mal que os leigos assim imaginem, bombardeados por
maciça campanha. Mal maior, muito maior, é que assim pense
um Secretário de Estado.
Como agente político que é, e portanto agente público,
não desconhece o senhor secretário os princípios fundamentais
informadores de toda atividade pública, formados em séculos
de luta da civilização em busca de um Estado de Direito.
Nesse diapasão, não se pode conceber Administração
Pública não fundada nos vetores da legalidade, moralidade,
impessoalidade e publicidade. Assim quer nossa Constituição,
assim determina, para alívio de todos nós, brasileiros e
administrados.
Os comandos constitucionais, como todos sabemos, não se cumprem
de maneira espontânea, automática, mas somente através
de instrumentos que os tornem efetivos, instrumentos esses a que chamamos
instituições. Por essa razão, é que a Fazenda
do Estado tem sua representação em juízo confiada
à Procuradoria Geral do Estado, instituição permanente
e indispensável, a cujos membros, nomeados após aprovação
em concurso público de provas e títulos e sujeitos à
confirmação de estágio probatório e atividade
correicional; entre outras relevantíssimas atribuições,
é confiada a cobrança da dívida ativa. No desempenho
de seu papel institucional e em sua organização, não
conhece a Procuradoria Geral do Estado qualquer acusação
de nepotismo, desmando, malversação, excesso de quadros etc.,
até porque, instituição que é, tem na ordem
jurídica vigente atribuições e responsabilidades de
finidas de modo a cumprir em sua inteireza o mandamento constitucional,
notadamente no que tange às regras norteadoras da administração
pública.
As garantias constitucional e legalmente conferidas aos Procuradores visam
garantir o bom desempenho das precitadas atribuições, tendo
em vista que as funções que exercem muitas vezes os colocam
em confronto com os poderosos de turno, uma vez que nem sempre os desígnios
dos potentados ou das pessoas jurídicas de direito público
que comandam, coincidem com o interesse público propriamente dito
e salvaguardado em lei. Nesse momento, aos Procuradores cabe zelar pelo
último, como determina o ordenamento jurídico e como asseguram
as precitadas garantias.
Por essa razão é que os Procuradores, e não outros
advogados, são atribuídos da cobrança da dívida
ativa, valendo dizer que malgrado as copiosas deficiências estruturais
dos órgãos em que atuam (não há um só
agente fiscal à disposição do setor de execuções,
não obstante reiterados pelitos nesse sentido), têm conseguido,
em tempos presentes, não só aumentar a arrecadação
de débitos tributários mas também implementar mecanismos
mais modernos e eficientes de controle da dívida ativa, a exemplo
do aumento do número de leilões diários, da desburocratização
de inúmeros procedimentos visando o recolhimento direto aos cofres
públicos de quantias devidas, aos programas de informatização
implantados no sentido de apurar-se a real situação dos créditos
fazendários, aos esforços no sentido de promover-se com a
indispensável celeridade e correção a inscrição
a ajuizamento dos débitos em aberto, as penhoras de créditos
e estabelecimentos de grandes devedores e tantas outras providências
cujos reflexos já se fazem notar.
Exatamente nesse contexto, sobrevem a "crítica" do Exmo
Sr Secretário, sem que ao seu lado fossem explicitadas de modo objetivo
as razões do vitupério.
Cabe, destarte, perguntar: Com que dados conta o Sr.Secretário para
afirmar cabalmente que aumentaria a arrecadação da dívida
ativa somente pela passagem de sua cobrança ao que chamou de "advogados
particulares"? A quem consultou? Disporia de algum meio de agilização
do qual não conhecem os Procuradores? Saberia dizer com exatidão
o montante dos créditos existentes na dívida ativa? Teria
o condão de alterar a legislação processual? Que meios
teria para tornar mais céleres os procedimentos judiciais? Sopesou
a hipótese, por inconstitucional e absurda que seja, da retirada
da cobrança e do controle da dívida ativa das competências
de uma instituição como Procuradoria Geral do Estado? Mais
importante ainda: Que independência teriam os "advogados particulares"
na execução desse mister? Seriam contratados de que forma?
Quem fiscalizaria suas atividades? Como responderiam por eventuais danos
ao erário? Em que seriam melhores do que os aprovados em concurso
público de provas e títulos , confirmados após estágio
e sujeitos à atividade correicional?
Sou daqueles que acreditam que as lutas históricas do constitucio-nalismo,
do estado de direito, da democracia, não foram tão somente
uma urdidura para criar uma casta de funcionários priviliegiados
e incompetentes.
Custa-me crer que todas essas pregações foram mentirosas,
que tudo foi um ardil criado pelos funcionários públicos
para assegurarem privilegiadas condições ante uma sociedade
indefesa.
A situação de virtual miserabilidade de muitos dos serviços
e dos funcionários públicos do Estado assim demonstra.
Os perigos do discurso de privatização como único
meio redentor em busca da eficiência e da equidade, hoje tão
propalado, já foram demonstrados aqui mesmo no Brasil, em passado
muito próximo.
Estamos diante do grande paradoxo, correndo velozmente para trás,
em busca de Luís XIV, tudo em nome da "modernidade".
Corremos o risco de vermos "privatizados" não alguns órgãos
e serviços do Estado, em busca da eficiência, mas sim de vermos
privatizado o próprio Estado, fazendo com que da contribuição
de todos possam usufruir apenas os amigos do rei.
O desafio em busca da eficiência deve ser caro a todos, sobretudo,
aos funcionários públicos. Com certeza, é também
ao Sr.Secretário. Nesse sentido, a ele passamos a palavra, na sin-cera
intenção de que nos aclare aquilo que não conseguimos
compreender.
("Advocacia Pública" - Boletim do Instituto Paulista de Advocacia Pública n.3 - Abril/Junho-1996 - Pp.4/5).