MONET FOI PARAR NA U.T.I.


Era uma terça feira das mais comuns do mês de Julho de 1.992, noite, frio, e estar presente naquele instante diante de um quadro em frangalhos, era normal em meu trabalho de restaurador. O telefone tocou e em um total desespero meu interlocutor num tom semelhante a súplica e ansiedade, disparou sem piedade: - O Monet.... estraguei o Monet !!!! Fiquei chocado, atônito; naquele momento eu não poderia avaliar a extensão do sinistro, o que exatamente havia acontecido, podia apenas pensar que uns dos quadros mais lindos e importantes que já estivera em meu atelier, poderia estar irremediavelmente perdido! O jatinho me esperava nas primeiras horas da manhã seguinte, com os motores ligados, tripulação a postos e todo meu material de restauro de emergência embarcado. Levantamos vôo rumo a um estado nordestino as 7:45 e três horas depois, estávamos aterrizando na fazenda do aflito, desesperado, inconsolável e talvez ex-proprietário de um autêntico Monet. Meu coração disparava, a cada passo que me aproximava da tela. Por fim, o quadro! Como um doente em estado crítico e terminal, o quadro me foi confiado. Uma cratera! Isso...uma cratera! É o que parecia o imenso rasgo em forma de cruz de exatos 15 x 12 cms que sangravam o quadro na parte inferior direita da pintura, a apenas milímetros da assinatura. Tons de verde mesclados com sépia e cobalto, desfraldavam uma rica marinha, com o mar em movimento constante e barcos dispostos ao sabor das ondas. Uma profunda emoção tomou conta de mim, quando tomei a consciência que eu, e apenas eu, seria responsável pela recuperação de tal obra de arte. A primeira providência foi isolar e manter fixa a área de sinistro da tela, de modo que o efeito "terremoto" do furo, não atingisse outras partes da obra, nem acarretasse ainda mais descolamento de pigmento. Depois da refixação total da capa pictórica, fio a fio, reconstituída a trama da tela, preenchidos os espaços vazios com composto a base de caulim, lixados, isolados e nivelados os espaços, veio por fim, a parte mais difícil....o retoque final! Meu Deus...o resultado havia ficado espetacular! Não se notava sequer o local do sinistro, e as cores do retoque, como por mágica, se mesclaram às do grande mestre, deixando o restauro imperceptível. Com todo cuidado e esmero, sobrepondo-se os vernizes, as veladuras chegou-se ao final da recuperação da tela, onde depois de 18 dias de um profundo mergulho nessa tarefa, emergi de uma viagem que pareceu ser de apenas um átimo. Por fim, Monet saiu da U.T.I. apresentando um plástica impecável, uma saúde perfeita embora reversível, e com muito, mas muito mais segurança que antes, foi repousar em seu nicho na parede principal da sala. O diagnóstico?? Monet estava salvo, completamente restabelecido! E o mundo das artes aliviado por não perder um de seus filhos.

Antônio Carlos Rielli jr

Relato real de Carlos Rielli Jr. (perito e restaurador de pinturas a óleo e de cavalete) Tel./fax- (011) 872-2845 (011) 3676-0249 São Paulo SP -Brasil- e-mail - Carlos Rielli


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