Lendo Bandeira

Instigando a LeituraDeO Triste fim de Policarpo Quaresma



O Triste Fim de Policarpo Quaresma: Instigando a Leitura

Sempre é um prazer reler e discutir inúmeras vezes autores atuais como Lima Barreto, amaldiçoado pelos beletristas de seu tempo e pelos modernistas da Semana de 22, Lima Barreto fotografou seu tempo de forma que após a revelação do filme ficassem nitidamente expostas todas as fissuras das paredes do cenário que compunha a foto.

Enquanto seus contemporâneos viviam o afã de “civilizar” a cidade do Rio de Janeiro e o país, o bêbado e negro escritor do subúrbio preferia pegar o trem não para deslumbrar-se com a paisagem européia e depois procurar inventá-la no Brasil, o trem que Lima Barreto pegava nos levaria para os subúrbios cariocas e tirar da clandestinidade personagens que viviam à margem da ilusão civilizatória forjada pela elite intelectual da Belle Époque. Da vasta obra de Lima Barreto optamos por fazer uma leitura de O Triste Fim de Policarpo Quaresma, romance publicado em 1915. Longe do mundo elegante da Confeitaria Colombo ou da rua do Ouvidor, utilizando-se de uma linguagem clara e objetiva o narrador de O Triste Fim de Policarpo Quaresma apresenta personagens e experiências dos moradores dos subúrbios, que discriminados não faziam parte dos elegantes salões do nobre bairro de Botafogo. O Triste Fim de Policarpo Quaresma expõe os desejos, sonhos e choques culturais vividos por personagens que, mesmo esquecidos, não deixavam de existir, bem como ainda, parodia o mundo elegante da elite dominante ao confrontar seus valores com os das classes dominadas. Deste modo, neste romance veremos as conseqüências engendradas pelo desconhecimento de valores que não eram OS valores.

O narrador do romance traz à tona o discurso dos excluídos pela sociedade da Belle Époque que envolvida em elevar o Brasil ao Olimpo do Progresso virava suas costas para as questões sociais, não reconhecendo suas fissuras.

Os autores de Belle Époque construíam um discurso cujo teor estimulava o leitor a produzir sensações e expectativas diante de uma realidade que só poucos poderiam vivê-la, os signos deste discurso faziam prevalecer valores que por serem da elite dominante deveriam ser os verdadeiros valores e prevalecendo estes a História dos Vencedores seria escrita .

O personagem principal é o Major Quaresma, nacionalista, movido pelo desejo de encontrar uma identidade nacional própria, deseja mudar o idioma para o tupi-guarani, pois seria este o idioma da nova nação, depois deseja explorar as riquezas da agricultura, baseado em leituras feitas em livros escritos por viajantes do descobrimento que inebriados com a paisagem tropical teciam narrativas que seduziam e criavam no imaginário do leitor a descoberta do paraíso, pois

“monstruosidades e extravagâncias, em vez de afastar o leitor-de- viagens do século XVI, pareciam mesmo seduzí-lo

(FLORA SUSSEKIND IN: O BRASIL NÃO É LONGE DAQUI,Cia das Letras, (p. 131).

A narrativa destes escritores andarilhos é repleta de deslumbramento com a paisagem dos trópicos o imaginário ressuscitaria seres e situações exóticas, bem como os naturalistas do século XIX se deslumbravam com a fauna e a flora brasileira. Leitor destes assíduo dos registros de viagem, Quaresma se encanta mais ainda pelo país apresentado por estes narradores e assim para seu país romper com os vínculos com a ex-metrópole busca nas narrativas dos viajantes justificativas para suas atitudes.

Então no tocante a viagens e exploração, que riqueza! Lá estavam Hans Staden, o Jean de Léry, o Saint Hilaire, o Martius, o Príncipe de Neuwid, o John Mawwe, o Von Eschewege, o Agassiz, O Couto Magalhães e se encontram também Darwim, Freycinet, Cook, Bouganvillie até o famoso Pigafetta, cronista de viagem de Magalhães, é porque todos esse ;últimos viajantes tocavam no Brasil, resumida ou amplamente.

( Lima Barreto: O Triste fim de Policarpo Quaresma( P. 24)

Como tudo que propunha nada dava certo, bem como passa a ser motivo de piada na cidade, Quaresma descobre que a visão destes autores o levou ao desconhecimento de sua realidade. O mito do“paraíso terrestre” imposto pelos olhos dos viajantes e do colonizador causam uma grande decepção em Quaresma, este perde então a ilusão que mantinha em relação aos seus compatriotas e ao ideal construído pela classe dominante de tratar da fertilidade da terra e da cordialidade entre os homens, descobre o simulacro imposto pelas elites,

“O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. A terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a vou combater como feras? Pois ele não a via matar prisioneiros inúmeros? outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série (melhor, um encadeamento de decepções). A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio dde seu gabinete.Nem a física, nem a moral, nem a intelectual, nem a política que julgava existir havia. A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati

(O Triste fim...p. 207)

Assim por não conseguir decifrar os códigos de sua sociedade Quaresma torna- se um melancólico, isola-se de tudo por saber que nada poderia alterar. Seu mundo desmorona, sua história não contribuiria em nada, não faz parte do mundo dos homens poderosos, constata melancolicamente que a História era escrita pelos vencedores.

Sem inovar estética e estilisticamente, como os Modernistas da Semana de 22, o narrador de O Triste Fim de Policarpo Quaresma desmascara a realidade forjada de uma época.


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