O OLHAR DE DIANA

Antonio Sebastião de Lima, advogado, juiz de direito aposentado, professor de direito constitucional

 

Há maneiras de olhar que marcam a personalidade. Se Jesus, o Cristo, tivesse um modo de olhar marcante, por certo seria como o de D. Helder Câmara: um olhar de tristeza contemplativa, de intimidade com o sagrado e com os pensamentos sublimes. Não que ambos tivessem um único modo de olhar; este muda conforme o pensamento e a atividade da pessoa no momento. Ninguém há de supor que Jesus portasse um olhar contemplativo e sereno quando expulsou do Templo, os mercadores; nem quando qualificou de víboras, os fariseus; nem quando pregava ao povo, ou se metia em reuniões regadas a vinho. Mas, em certos momentos tranqüilos e harmoniosos, aquele olhar assoma ao semblante da pessoa. É um olhar raro, carismático. Observei-o, também, num lider da Ordem Rosacruz chamado Ralph Lewis, falecido há alguns anos, e creio tê-lo observado em Júlio Verne, numa fotografia onde ele aparecia quase de perfil.

Essas pessoas parecem haver contemplado a face de Deus (segundo a expressão bíblica). Esse olhar não se adquire nem se transmite por sucessão hereditária ou jurídica. Não foi possível, por exemplo, perceber aquele olhar no Papa, nos cardeais, bispos e padres, pessoalmente, ou através da televisão e de fotografias em revistas e jornais que tenho visto. Salvo o atual Papa, o que percebi foram expressões duras, olhares metálicos e indiferentes, desde que era menino e assistia às missas em Ponta Grossa, cidade do interior do Estado do Paraná, até hoje, decorrido mais de meio século. Recentemente, pela televisão, vi um deles, em trajes sacerdotais, em pleno ritual de batismo, trocar sopapos com uma beata. Quanto ao rosacruz Ralph, não se nota o mesmo olhar no pai dele, nem nos seus sucessores. De Júlio Verne não tenho a imagem dos pais, nem dos sucessores, mas, nem por isso fica abalada a minha tese. Os exemplos citados e conhecidos a confirmam.

Entre as mulheres, também, é raro encontrar aquele tipo de olhar; não o vi em Teresa de Calcutá, embora o seu olhar e a sua presença denotassem a mesma religiosidade e bondade que se vê no olhar e na presença do atual Papa (João Paulo II). É provável que Nefertiti, Teresa de Ávila, Madame Blavatski, entre outras mulheres notáveis, tivessem aquele olhar contemplativo, sereno e profundo que um poeta saberia descrever melhor. A mesma probabilidade ocorre em relação a alguns homens notáveis como Buda, Ghandi e Einstein, que meditaram profundamente sobre a vida e as leis do Universo, e estiveram certamente, mais próximo do mistério da criação, do que a maioria dos seres humanos.

Havia algo de especial no olhar de Diana, a princesa britânica; um quê de melancolia e transparência, que se harmonizava com a suavidade dos seus gestos e atitudes; o seu comportamento natural e simples, revelava sensibilidade e inspirava confiança. Talvez, aí, estivesse o segredo do amor que despertava na alma das pessoas de todas as nações do mundo. Nem a rainha da Inglaterra, nem as princesas por nascimento, são portadoras daquele olhar e daquele dom.

Os olhos são o espelho da alma. Há modos de olhar que revelam sinceridade, perfídia, perspicácia, malícia, amor, ódio, placidez, raiva, admiração, inveja, cobiça, respeito, deboche, alegria, tristeza, prazer, dor, lascívia, bondade, crueldade, atenção, surpresa. Por serem reveladores, os olhos não podem ocultar-se atrás de óculos escuros quando alguém presta depoimento judicial. Além dos gestos e atitudes, o juiz necessita observar os olhos do depoente, para bem pesar o valor do depoimento. Temerária é a apreciação desse tipo de prova por tribunais de segundo grau, onde os depoentes não comparecem, cujos juizes só têm à sua frente papéis contendo a fria narrativa de pessoas que nunca viram. Para ler com fidelidade os olhos do depoente, o juiz há de conhecer muito bem a si mesmo, como recomendava Sócrates, e ter uma larga experiência de vida, pois, tal assunto exige mais do que a simples formação acadêmica.

 

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