A BELA DO
SÉCULO
Antonio Sebastião de Lima, advogado, juiz de direito aposentado, professor de direito
constitucional
Há pouco
tempo, a Rede Globo de Televisão, no
programa “Fantástico”, promoveu uma pesquisa de opinião para escolha da mulher
mais bonita do século XX. Com o vezo de
sua origem autocrática, pois, nasceu e cresceu para servir aos propósitos da
ditadura militar, essa emissora arroga-se o direito de estabelecer padrões de
comportamento, ditar modismos e o receituário do que é bom e do que é ruim, do
que é bonito e do que é feio, dispensando-se de explicar e justificar os seus
critérios. Por ser elitista, arrogante, superficial e pasteurizada, essa
emissora recebeu o apelido de “Venus Platinada”. Acostumada a manipular dados e
fatos, filtrando os acontecimentos e editando as notícias segundo as
conveniências suas e do governo, essa emissora deixou transparecer o intento de
exaltar o seu elenco artístico, visando, certamente, a melhorar a audiência da
novela Terra Nostra, que ameaçava despencar pela mesmice dos capítulos, pela
choradeira e pela pieguice dos personagens principais.
Os
critérios de seleção das candidatas não foram suficientemente explicados e
justificados. O universo da pesquisa, além de limitado, fica sem qualquer
controle externo. Nada impede que um grupo de pessoas se organize para votar
numa determinada pessoa, ocupando as linhas telefônicas enquanto dura o
programa, sem dar chance de outras pessoas se manifestarem. O resultado da
pesquisa é lançado ao público como fato consumado, indubitável e incontroverso,
e nele a emissora insiste até convencer os telespectadores, o que é conseguido
graças à lei da inércia, até porque muitos telespectadores podem ter pouco ou
nenhum interesse no assunto. Os atuais concursos para escolha de miss Brasil e
de miss Universo, se comparados com os
do passado, têm despertado pequena atenção no público.
A escolha da
mulher de maior beleza física do século devia caber a um juri internacional. Um
critério seria promover essa escolha entre as misses Universo do século XX.
Outro critério, seria promovê-la entre as mais belas artistas de cinema, que se
tornaram conhecidas do público no século XX, tais como, Theda Bara (ícone do
cinema mudo), as suecas Greta Garbo (mito do cinema mudo e do cinema falado) e
Ingrid Bergman (Casablanca), as italianas Gina Lolobrígida e Sophia Loren, a
inglesa Vivien Leight (E o Vento Levou), as francesas Brigitte Bardot e
Catherine Deneuve (La Belle de Jour), as alemãs Marlene Dietrich e Rommy
Schneider (Sissi, a Imperatriz), as norte-americanas Rita Haiworth, Elizabeth
Taylor, Grace Kelly e Marilyn Monroe. Isto para ficar no modelo ocidental de
beleza, cujo padrão vem da cultura grega antiga e se impôs universalmente, pela
supremacia política e econômica da Europa, primeiro, e dos EUA, posteriormente.
Mas, há beleza na mulher de outras partes do mundo, de acordo com o senso
estético de cada cultura: a morena hindú e árabe, a amarela asiática, a negra
africana, a mulata e a nativa sul-americanas. Sobre a beleza física da mulher
nativa no Brasil, já dava seu testemunho, no ano de 1500, Pero Vaz de Caminha.
Se o
objetivo do citado programa era o de escolher a brasileira mais bonita do
século, então, um juri nacional havia de se organizar para tal missão. Lindas
mulheres não faltariam ao concurso, tais como as misses Brasil, Marta Rocha,
Terezinha Morango e Vera Fischer, as atrizes Tonia Carrero, Norma Benguel e
Glória Menezes, para ficarmos no padrão branco/europeu, embora o Brasil tenha o
seu próprio padrão moreno/tropical, como, por exemplo, a beleza morena de Fada
Santoro, Luiza Brunet e Isadora Ribeiro, a beleza mulata de Valéria Valenska, e
a beleza nativa de Diacui e Vanja Orico. Em boa parte do século XX, vigorava
entre nós, o padrão roliço de beleza física feminina. No final do século,
passou a vigorar um padrão esquelético e anguloso. Então, Eliana (das
chanchadas da Atlândida), Dorinha Duval e a maioria das vedetes, belas e
sensuais, serão vistas como gordinhas, se comparadas com as magricelas da época
atual.
A escolha
da mulher mais bonita do século é
tarefa complexa. Provavelmente, prevaleceria o padrão de beleza física
da cultura dominante no momento. Na verdade, não haverá uma única mulher mais
bonita, ainda que dentro do mesmo padrão de beleza física, mas, sim, uma
pluralidade de mulheres esplendorosas, sem que possamos chegar a um consenso
sobre qual a mais bela.
A artista global
Maria Fernanda Cândido, apontada por uma parte do público do mencionado
programa, como a bela do século, é de fato e sem favor algum, uma linda mulher,
inteligente e sensata, e tem se revelado uma boa atriz. Censurável, apenas, a
conduta da emissora de televisão, que na luta pela audiência, atropela os
princípios de respeito e consideração para com as tantas outras mulheres
brasileiras e estrangeiras, e debocha da inteligência, da sensibilidade e da
cultura do povo brasileiro.
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