FUTEBOL EM
CAMPO DE LAMA
Antonio Sebastião de Lima, advogado, juiz de direito aposentado, professor de direito constitucional
Entrevistado
por uma emissora de televisão, Sampras disse que após o afastamento dele e de
Agassi das competições, Kuerten teria muita chance de ser o primeiro do mundo no
tênis. Soberba à parte, Rivaldo e Ronaldo só terão alguma chance de ocupar o
primeiro posto no futebol mundial, depois que Romário pendurar as chuteiras.
Quem vence ou perde no futebol é a equipe, e não o técnico ou determinado
jogador. Campeões foram o Santos FC, e não Pelé, o Flamengo FR, e não Zico, a
seleção argentina, e não Maradona. Um frangueiro, nove pernas-de-pau e um
gênio, dificilmente, levarão uma equipe de futebol à vitória. Tanto o técnico
como o jogador genial, podem influir no resultado positivo ou negativo, mas, a
vitória ou a derrota será, sempre, da equipe. À diferença do tênis, o futebol é
esporte coletivo, praticado em campo de piso de grama natural ou artificial,
terra ou areia, nos mais diversos
locais, abertos ou fechados, como estádios, pavilhões, clubes, escolas,
quartéis, praias, ruas e várzeas, e os resultados das partidas oficiais, a
legalidade dos contratos ou da situação dos jogadores, podem ser debatidos nos
tribunais.
Quando
chove, o campo de grama natural ou de terra, em local aberto, pode virar lama,
prejudicando o bom desempenho técnico dos jogadores e a beleza da competição.
As equipes saem enlameadas, no corpo e nos uniformes. O virus mercadológico
inoculado no organismo do futebol, criou um novo campo de lama, que independe
de água e terra para se formar, onde o jogo é praticado por equipes que
gerenciam o esporte e atuam nos locais
mais variados, abertos ou fechados, no País ou no Exterior. Via de regra, os
membros dessas equipes mantêm o uniforme sempre muito limpo e elegante, e o
corpo nutrido, perfumado e bem cuidado. Praticam o esporte nesse campo de lama,
sem sujar o uniforme e o corpo. Apenas a alma sai emporcalhada. Mas, isso tem
pequena importância, porque a alma está oculta pela matéria, a época é de permissão nos costumes, e a moral está em baixa. Vige
a ética da malandragem, cujo princípio é a falta de ética. Há muito tempo, a
crônica esportiva critica o que chama de “cartolagem”. Ao invés de cuidarem do
desenvolvimento do esporte e do sucesso da seleção brasileira, os dirigentes
guiam-se por particulares interesses econômicos e políticos, individuais e de
grupos. A imprensa revelou nestes dias, que o técnico da seleção brasileira
seria um dos membros daquela equipe. Descobriu-se que os jogadores eram convocados
para a seleção por dois motivos básicos: 1) valorização do passe e sua
negociação a curto prazo; 2) atender aos interesses dos patrocinadores. A
jogada era comercial. Enquanto houver sintonia entre os membros da equipe, todos viverão felizes para sempre. Ainda que
hajam indícios veementes de corrupção, o inquérito será contornado com as
costumeiras evasivas: “...quando houver prova (como se o inquérito não fosse
para produzir a prova)... vai provocar instabilidade...não trabalho sob pressão... intriga da
oposição... o inquérito não é bom para o País... trata-se de assunto particular
que não interfere na atividade profissional...”
Diante
desse campo de lama é lícito perguntar: a organização e o funcionamento do
futebol brasileiro são o espelho da organização e funcionamento do Estado
brasileiro, ou ocorre o inverso?
Todo aquele
que trabalha para o público, no esporte ou na política, não pode esquivar-se da
investigação e da responsabilidade por seus atos ilícitos, sustentando a
separação entre a vida particular e a vida pública. As virtudes desconhecem tal
separação. Quem é desonesto é desonesto; quem é mau caráter é mau caráter; quem
é infiel é infiel; tanto no setor privado como no setor público, em férias ou
trabalhando, dormindo ou acordado. Se o cargo exige honestidade e bom caráter,
quem não os tiver na vida privada e/ou
na vida pública, estará impedido de exercê-lo. Apurar a responsabilidade do
agente ímprobo, seja o presidente da República, o presidente da Confederação de
Futebol, o técnico da seleção, o diretor do Banco Central, ou quem for, civil
ou militar, é sempre saudável, do ponto de vista jurídico e moral. A impunidade
é que atrofia o tecido social e relaxa os bons costumes, abrindo espaço para a
licenciosidade, geratriz de todos os males que o povo brasileiro vem sofrendo e
testemunhando nos últimos cinco anos.
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