Quem se responsabiliza por isso?

A morte de uma mulher atacada por cães provoca uma discussão sobre a criação de raças violentas e a impunidade dos donos de animais

Na manhã do domingo 8, a empregada doméstica Edésia dos Santos, de 58 anos, saiu da casa dos patrões, em Cotia, região metropolitana de São Paulo, para ir à missa. Em seu trajeto rotineiro, ela passou em frente à casa do advogado Roberto Marques Soares, dono de quatro cachorros que nunca foram treinados e que passavam o dia trancafiados num canil de cerca de 4 metros quadrados. Naquele domingo, o portão eletrônico da casa de Soares estava aberto, e na calçada estavam três dos cães, os rottweiler "Jason" e "Nemo" e um filhote de pitbull chamado "Timão". Ao ver os animais, Edésia saiu correndo. Da bolsa que carregava foram caindo objetos: um frasco de perfume, uma cartela de remédio para dormir, a carteira de documentos e um porta-níquel. Ela correu 150 metros até ser alcançada. Em menos de vinte minutos, Edésia recebeu cerca de trinta mordidas. O rosto foi desfigurado, o couro cabeludo arrancado e um pedaço da coxa direita dilacerado. A empregada morreu de hemorragia no meio da rua sem que o dono dos animais a socorresse.

Carnificinas como essa chocam, mas relatos de ataque de cães são muito mais comuns do que se imagina. Apenas no Estado de São Paulo, mais de 100.000 pessoas foram atacadas em 1997. Pela legislação brasileira, os donos de animais assassinos podem até ser condenados por homicídio culposo, mas isso nunca aconteceu. "As decisões da Justiça são condescendentes", afirma o advogado criminalista paulista Eduardo Muylaert. "Quem tem um cão feroz assume o risco de ferir alguém. É o mesmo caso do motorista que dirige em alta velocidade." A maior punição que o proprietário de uma fera recebe no Brasil é pagar indenização à família da vítima. Depois do pagamento, o processo é imediatamente arquivado. Foi assim com o comerciante Cássio Antônio Chioda, dono do cachorro da raça fila que estraçalhou o bebê João Marcos Bezerra, de 1 ano de idade, em 1995, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Em outros países, a Justiça é mais dura. Em março, o americano Jeff Davidson foi condenado a doze anos de prisão. Motivo: seus três rottweilers mataram um garoto de 11 anos.

Espantosamente, a reação natural das pessoas depois de ouvir uma história de horror como a de Edésia é condenar os animais. Raças como rottweiler, pitbull, fila e mastim napolitano são resultado de uma combinação genética feita para produzir animais de guarda e de combate. Por isso, em alguns países a criação dessas raças mais agressivas foi proibida. Seria bastante saudável que se adotasse essa medida também no Brasil. Mas isso não resolve todo o problema. O temperamento de um animal é produto da combinação da carga genética mas também da criação. "Qualquer cão pode ser transformado numa fera se for instigado", diz a presidente do Brasil Kennel Club, Yaty Lessa. Ou seja, tão terrível quanto um cão assassino é um dono irresponsável. E uma legislação tolerante que não causa medo a essas pessoas.

Retirada da revista Veja.


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