Memória e Decisão
Home ] Acima ]

Clique aqui para ver as novidades do site!

Procurar:

Interesses:

                          

Fotografia

                

Inteligência Artificial

 

    

 

O uso de esquemas da memória de longo prazo na tomada de decisões

Pierre Lévy, em sua obra "As Tecnologias da Inteligência" faz uma fantástica análise do aparato cognitivo humano, quando o avalia de forma isolada, dispondo apenas de seu equipamento neurológico:

"... a dedução ou a indução formais estão longe de serem praticadas espontaneamente e corretamente por sujeitos reduzidos apenas aos recursos de seus sistemas nervosos (sem papel, nem lápis, nem possibilidade de discussão coletiva)."[LEV 93, p. 152]

Lévy defende magnificamente a teoria de que o ser humano não é naturalmente racional, considerando-se racionalidade a obediência mínima às regras da lógica ordinária, a teoria das probabilidades e os princípios elementares da estatística. Lévy baseia-se em estudos realizados a partir dos anos 60, quando experiências realizadas em centenas de pessoas, na maioria estudantes universitários, dos quais muitos estudantes de lógica, demonstraram que o ser humano, afastado de ferramentas auxiliares como escritas simbólicas, tabelas de valores verdade, diagramas e outras ferramentas de formalização lógica, demonstra não possuir aptidão particular para a dedução formal, raciocínios indutivos, probabilísticos ou estatísticos. Nos testes aplicados, mesmo os estudantes de lógica obtendo um resultado superior, a maioria das pessoas demonstraram dificuldade em processar frases negativas, atrapalharam-se com quantificadores e cometeram erros com silogismos.

Mas no que estas deduções ajudam? Por que o ser humano, isolado de aparatos tecnológicos de formalização, como o papel e caneta, afasta-se da racionalidade e tende a decidir baseado em estereótipos e esquemas preestabelecidos que usa normalmente?

Segundo Lévy, a atenção consciente ou memória de curto prazo tem capacidade muito restrita, podendo processar apenas uma quantidade muito pequena de informação a cada vez, portanto, disponibilizando muito poucos recursos para os ditos "processos controlados". Por outro lado, a memória de longo prazo teria uma enorme capacidade de armazenamento e recuperação de conhecimento. Este conhecimento não estaria caoticamente empilhado, mas organizado em redes associativas e esquemas, tais como "fichas mentais", nas quais as lembranças sobre situações, objetos e conceitos que são úteis no dia-a-dia estariam armazenadas. Tais esquemas representariam a visão da realidade das pessoas.

Lévy, sutilmente ressalta a importância da inteligência intrínseca aos processos da memória de longo prazo. Explicita a tendência das pessoas a construir modelos para novas situações tentando avaliá-las segundo modelos de situações anteriormente vivenciadas e arquivadas em suas "fichas mentais":

"Dada a arquitetura do sistema cognitivo humano, é muito mais rápido e econômico recorrer aos esquemas já prontos de nossa memória de longo prazo. Aquilo que retivemos de nossas experiências anteriores pensa por nós."[LEV 93, p. 153]

Lévy não está só nas suas conclusões, António Damásio expõe sua opinião sobre a forma de esquematização do vasto repositório humano de conhecimento fatual e sua influência na tomada de decisão :

"O conhecimento fatual é categorizado (sendo os fatos que o constituem organizados segundo classes, de acordo com os critérios que os constituem) e a categorização contribui para a tomada de decisões ao classificar os tipos de opções, os tipos de resultados e as ligações entre opções e resultados. A categorização ordena também as opções e os resultados em função de um determinado valor específico. Quando somos confrontados com uma situação, a categorização prévia permite-nos descobrir rapidamente se uma dada opção ou resultado será vantajoso ou de que modo as diversas contingências podem alterar o grau de vantagem." [DAM 96, p. 229-230)

Lévy defende que a "racionalidade" humana só se manifesta quando apoiada por ferramentas tecnológicas externas ao sistema cognitivo humano, que, auxiliando a memória de curto prazo, permitiriam a execução de "processos controlados", intrínsecos a metodologia lógica, probabilística e estatística. Tais ferramentas vão desde os rudimentares lápis e papel até o atual computador, que permite levar em consideração, de forma dinâmica e interativa, um grande número de fatores que seriam impossíveis de avaliar somente através do uso do lápis e do papel.

Comparadas a jornada do homem no planeta, as ferramentas tecnológicas que caracterizam a racionalidade humana, são muito recentes. A lógica, por exemplo, nascida na escrita, foi formalizada há vinte e quatro séculos, a teoria das probabilidades há três séculos e as estatísticas há duzentos anos.[LEV 93]

Veja-se a seguir uma crítica de Lévy sobre como a Inteligência Artificial Clássica vem avaliando de uma ótica simplista o sistema cognitivo humano, motivo pelo qual, ainda não tenha obtido grande sucesso na sua simulação:

"Mais uma vez, a lógica é uma tecnologia intelectual datada, baseada na escrita, e não uma maneira natural de pensar. A enorme maioria dos raciocínios humanos não usa regra de deduções formais. A lógica é para o pensamento, o mesmo que a régua de madeira é para o traçado de linhas retas quando se desenha. Essa é a razão pela qual os trabalhos em inteligência artificial baseados unicamente na lógica formal tem poucas chances de chegar a uma simulação profunda da inteligência humana. Em vez de uma réplica do pensamento vivo, a IA clássica ou lógica construiu, na verdade, novas tecnologias intelectuais, como os sistemas especialistas."[LEV 93, p. 155]

>  
Voltar Home Acima Avançar