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Armazenamento e conservação de memórias Como se verificou no caso do paciente H.M., é óbvio que as memórias de longa duração não são armazenadas nas mesmas estruturas responsáveis pela sua consolidação, mas em outras partes do cérebro. Porém onde? Esta pergunta tem motivado muitos pesquisadores, porém não se tem até o momento uma única resposta correta. Talvez não haja uma única resposta correta: o mais provável é que as memórias não se localizem em uma região específica do cérebro, mas sim em muitas partes. [IZQ 92] Acredita-se que o córtex não esteja programado no nascimento. Em grande parte, ele seria, portanto, o suporte das memórias de longo prazo. [LIE 97] Em 1929, o psicólogo americano K. S. Lashley treinou ratos para que percorressem um labirinto em busca de comida, tarefa que aprenderam a fazer rapidamente e sem erros. Observou que quanto maior a quantidade de córtex extirpada, maior a perda de memória correspondente, independentemente da área ou áreas operadas . Este fato sugeriu a Lashley e a todos que leram seu trabalho, duas coisas:
Porém, este tipo de conclusão pode ter algumas restrições. A multiplicidade e a plasticidade das conexões entre as distintas regiões cerebrais e entre os neurônios de cada uma delas, permite muitas vezes, que ante a incapacidade por lesão em uma das conexões, outras podem substituí-la no cumprimento de suas funções.[IZQ 92] Joseph LeDoux tem uma importante contribuição sobre as regiões cerebrais envolvidas nos processos de armazenamento e conservação das memórias:
Esta concepção parece ser reforçada pelo mal de Alzheimer e seus sintomas. Esta terrível doença inicia sua destruição na região dos lobos temporais, em especial o hipocampo e propaga-se através do neocórtex. Isto explicaria porque seus primeiros sintomas são os esquecimentos (dificuldade de consolidação de memórias) e no seu estado mais adiantado todas as memórias são atingidas (antigas e novas). Outro tipo de evidência, esta muito mais recente, obtida por neurologistas americanos e ingleses, através da cuidadosa observação de casos clínicos também aponta para o córtex como local de armazenamento das memórias. Porém esta evidência aponta para um grau elevado de localização, ao contrário dos estudos de Lashley. Existem pacientes com lesões muito localizadas e pequenas, em locais específicos do córtex. Esses pacientes perdem por completo a memória de coisas muito específicas, tal como o nome (e não o som ) dos instrumentos musicais, ou o reconhecimento dos animais por seu nome mas não por sua imagem ou vice-versa [IZQ 92]. Nesse caso em específico, devem-se atentar para dois fatores: · Primeiro, esta lesão pode afetar a região do córtex que talvez faça a correlação do mnemônico ou palavra com seu significado ou “imagem”. · Segundo, existem fortes indícios do envolvimento dos dois hemisférios cerebrais, o córtex pré-frontal esquerdo, que pode dirigir a criação de associações de contexto “mnemônico”, e que a recuperação delas é então feita pelo córtex pré-frontal direito que controla a busca pelas associações configuracionais nas quais eles estão `localizados '. [SKO 97] O experimento anteriormente citado pode levar a crer na existências de chaves, headers ou índices de acesso a determinadas memórias. Seriam atributos de componentes armazenados, no caso dos instrumentos musicais o seu som específico em outro caso poderia ser um gosto, um odor, um padrão visual ou mesmo um “estado de corpo” (conforme Damásio) associado à situação memorizada. Esta é exatamente a exigência básica, a vinculação do atributo ao objeto ou situação memorizada. Alterações estruturais e bioquímicas no armazenamento Ramón e Cajal postularam no início do século que a formação de memórias implicava na formação de novas sinapses. Mais tarde, nos anos 50, o neurofisiólogo australiano J. C. Eccles observou que o uso reiterado de uma sinapse aumentava sua eficiência, e que o desuso a diminuía, daí, sugeriu alterações morfológicas em cada caso. É numerosa a evidência a favor de alterações morfológicas do cérebro em conseqüência de experiências. No entanto a hipótese original de Ramón e Cajal de que a memória consiste em, ou depende de, alterações morfológicas nas sinapses ou nas ramificações dendríticas ou axônicas é bastante improvável. Em testes com animais, uma evitação passiva pode ser aprendida em segundos e manifestada um ou dez dias depois. Uma alteração morfológica como as propostas por Ramón e Cajal ou Asanuna ou as demonstradas por Eccles ou Greenough leva vários dias para produzir-se. Desta maneira, os autores, em geral, não crêem na possibilidade de alterações anatômicas como explicação para a maioria das memórias de longa duração. Do mesmo modo, ao contrário do que ocorria quinze ou vinte anos atrás, poucos crêem na possibilidade das memórias encontrarem-se codificadas em modificações bioquímicas permanentes, como se guardam as informações de origem genética. Izquierdo acredita que a fixação das memórias se deve, em uma primeira fase, aos processos bioquímicos posteriores a sua aquisição (principalmente na fase de consolidação) que, em uma segunda fase, acabam por influenciar a estrutura das conexões entre os neurônios. Uma vez que estas conexões tenham se alterado, as células passam a processar suas memórias de forma distinta, e também outras memórias parecidas, por exemplo, as que envolvam sinapses vizinhas.[IZQ 00] Onde a bioquímica ainda não obteve êxito (obter bases para uma teoria geral das memórias), a física tem avançado consideravelmente nos últimos dez ou quinze anos. W. A. Little e outros analisaram o comportamento de modelos matemáticos teóricos aos quais denominaram “redes neurais”. Litlle e seus hoje inumeráveis seguidores analisaram formalmente o comportamento destas redes e concluíram que as mesmas são capazes de armazenar sinais (“memórias”) em resposta a estímulos circulando em seu interior por tempo indefinido, e que ao interagir entre si, dois ou mais estímulos ou respostas poderiam gerar sinais próprios desta interação, também circulando por tempo indefinido. Nas redes neurais, se são suficientemente grandes (qualquer cérebro de vertebrado ou invertebrado é de proporção fantástica se comparado aos modelos estudados pelos físicos), distintas memórias podem circular, sem chocar-se ou causar interferência mútua, cada uma “representando” respostas a distintos estímulos ou combinação de estímulos.[IZQ 92] Pode-se supor que uma pequena rede de neurônios seja “responsável” pela memorização de uma unidade bem precisa, como uma palavra, um odor, um som ou uma imagem. Isso não quer dizer que um neurônio armazene uma palavra por exemplo. Mas ele pode servir como endereço, tal como num microprocessador (ou como em fichas de identificação em um arquivo de biblioteca), para localizar redes de neurônios em diferentes partes do córtex, redes estas que representariam verdadeiramente os diferentes componentes (visuais, fonéticos, etc.) da palavra. [LIE 97] Este modelo de memória, sendo o tempo indefinido, pode ser um modelo de memória de longa duração. Nele, as memórias se armazenam por meio do padrão de distribuição espacial dos valores da intensidade ou “força” das conexões. Deste modo a memória está naturalmente distribuída. Sendo as redes bi ou tridimensionais, podem conservar os sinais que nelas circulam apesar de cortes ou interrupções em um ponto ou noutro. O mesmo ocorre com o cérebro: as memórias armazenadas são bastante resistentes a lesões.[IZQ 92] O estudo das redes neurais oferece grandes perspectivas para a análise e para o tratamento formal dos mecanismos de armazenamento das memórias. Resta saber se a bioquímica do modo de ação dos neurotransmissores, que são definitivamente os responsáveis pelas conexões efetivas entre neurônios e deveriam, portanto, ser os mediadores específicos das interações entre eles, compondo ou não uma rede do tipo neural, poderá contribuir à compreensão dos processos de armazenamento da memória. |