Consolidação
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A consolidação da Memória Humana

    Consolidação pode ser definida como o processo que se inicia logo após a aquisição das memórias. É o processo pelo qual as memórias passam (deixando algo pelo caminho) de um estado inicial frágil a outro muito mais estável. A consolidação é a porta de entrada para o armazenamento. Ocorre simultaneamente com o nascimento, o apogeu e morte da memória de trabalho. [IZQ 92]

    Nesse período as memórias são susceptíveis de alteração. Normalmente os traumas que ocasionam perdas de memória (amnésia) afetam o período de consolidação, quando as memórias ainda não se encontram firmemente fixadas no cérebro. Um bom exemplo desta situação é o de pacientes que sofreram depressões profundas e por não responder ao tratamento com medicamentos foram submetidos a seções de eletrochoque convulsivo. Esses pacientes não conseguem recordar os momentos que precederam as seções de eletrochoque , não recordam por exemplo quem os levou de maca ou quem colocou os eletrodos. Quando estavam consolidando a informação o processo foi interrompido e não conseguiram formar uma memória. Este tipo de amnésia, quando se perdem fatos ocorridos antes de um determinado fenômeno é chamada "amnésia retrógrada".

    Em sentido oposto, existem tratamentos que aumentam a eficácia da fase de consolidação das memórias. Um exemplo típico são os tratamentos ministrados com hormônios chamados de "hormônios do estresse", aqueles que o organismo segrega em situações de extrema tensão: adrenalina (secretada pela medula supra-renal), a adrenocorticotrofina ou ACTH (do lóbulo anterior da hipófise) e a vasopresina ou hormônio antidiurético (do lóbulo posterior da hipófise ). Estes hormônios cumprem um papel importante na adaptação do organismo a situações estressantes, em seu conjunto, elevam a pressão arterial e por conseqüência o fluxo sanguíneo nos músculos, aumentam a freqüência cardíaca, diminuem a diurese, melhoram a atenção, contribuindo a indução de um estado de alerta e preparando o indivíduo para uma atitude de luta ou fuga [IZQ 92]. Também contribuem, no ser humano, para a configuração de um "estado de corpo" aliado a estados emocionais, definidos por António Damásio como úteis nos processos cognitivos.

    Esses mesmos hormônios, ao atuar através de mecanismos reflexos que estimulam certas sinapses cerebrais aumentam ou melhoram a consolidação, ajudando a gravar mais e melhor as memórias de situações estressantes e/ou alertantes (um ataque de um predador, uma inundação, um incêndio, um assaltante, etc.) Algo muito conveniente, tanto nos homens como nos animais, pois é bom saber a posteriori, como evitar estas situações ou como se preparar para enfrentá-las caso não se possam evitá-las [IZQ 92]. Ver-se-á mais tarde, em um capítulo específico, como este mecanismo instintivo, foi levado, no decorrer do processo evolutivo, a contribuir grandemente nos processos cognitivos humanos.

    Tanto os agentes que causam a "amnésia retrógrada" (eletrochoque, traumatismos...) como os que causam a "facilitação retrógrada" (adrenalina, ACTH...) não afetam as memórias adquiridas muitos minutos antes de sua ação, muito menos aquelas adquiridas meses ou anos antes. [IZQ 92]

Mecanismo de Consolidação

    Do ponto de vista biológico, um dos aspectos em que mais se tem avançado nos últimos anos é aquele relativo ao mecanismo de consolidação das memórias. Conhece-se hoje, bastante sobre a anatomia das principais regiões cerebrais que regulam tal mecanismo, assim como quais são e como atuam os neurotransmissores envolvidos. [IZQ 92]

    Voltando ao caso do paciente H. M., citado no capítulo relativo ao hipocampo. Em 1953, o neurocirurgião americano William Scoville estirpou do paciente H.M. boa parte dos seus lóbulos temporais. O tratamento revolucionário, na época, parecia o mais indicado para debelar uma forte epilepsia localizada nos seus lóbulos. Aparentemente, o tratamento foi um sucesso, tanto que H.M. pôde considerar-se curado da epilepsia. No entanto, restou-lhe da cirurgia um importante efeito secundário: a partir da operação tornou-se incapaz de formar memórias de longa duração, com exceção de poucas memórias muito simples do tipo conhecido como "de procedimentos" (resolução de quebra-cabeças, etc.).Contudo, não perdeu memórias relativas a fatos e conhecimentos anteriores à cirurgia .

    H.M. entende perfeitamente o que ouve, vê ou lê, no entanto não consegue gravá-lo. Minutos após encontrar-se com uma pessoa não sabe de quem se trata nem se recorda de tê-la visto. Seu caso é um exemplo típico da "amnésia anterógrada", se refere a informação posterior ao fato que a produziu. H.M. perdeu praticamente toda a capacidade de aprendizado, não lembra dos médicos que o tratam, o caminho do hospital nem os jornais que lê. [IZQ 92]

    Embora seja difícil delimitar a abrangência exata de sua lesão bilateral, o depoimento do cirurgião mais as tomografias computadorizadas levam a crer que foram extirpados, de ambos os lados, a amígdala, o hipocampo e boa parte do córtex temporal, incluindo o córtex entorrinal.

    A amígdala desempenha papel crucial no reconhecimento e na consolidação de memórias alertantes ou aversivas.

    O hipocampo é uma região de córtex filogeneticamente antiga, de simples arquitetura, cujas células, em corte transversal, se dispõem em uma forma que recorda os cavalos marinhos (daí seu nome). Encarrega-se do processamento de memórias de índole espacial, que nos homens são fundamentalmente visuais e nos mamíferos inferiores, olfativas. Se localiza dentro do lóbulo temporal, por trás da amígdala. [IZQ 92]

    A amígdala e o hipocampo estão recobertos por córtex. A camada que se encontra por debaixo do hipocampo constitui o córtex entorrinal. Anatomicamente a amígdala e o hipocampo estão vinculados entre si com o córtex entorrinal por fibras que vão de uma a outra estrutura conectando-as em ambos os sentidos. O córtex entorrinal, por sua vez está interligado por numerosas fibras à região cortical que o rodeia (córtex perirrinal), e este se conecta de forma difusa com todo o resto do córtex cerebral, principalmente com as áreas associativas do mesmo (processam informação referente a muitos aspectos sensoriais e motores ).

FIGURA-6

Fluxo de Informações Corticais para o Hipocampo

Cada um dos grandes sistemas de processamento sensorial do neocórtex dá origens a projeções para áreas transicionais entre o neocórtex e o hipocampo (isto é, as áreas parahipocampo e perihinal). Estas enviam suas informações ao córtex entorhinal, que por sua vez, representa a principal fonte de informações para a formação do hipocampo. O hipocampo projeta-se de volta ao neocórtex por meio das mesmas vias, através do córtex transicional. Fonte:[LED 98]

 

    Segundo LeDoux, o córtex transicional é responsável por combinar em um contexto único as diversas modalidades sensoriais de informação vinda dos sistemas sensoriais específicos (visual, olfativo, auditivo...). Isto é, nos circuitos de transição começa-se a dar forma a representações do mundo que não são mais apenas visuais, olfativas ou auditivas, mas que incluem todas estas ao mesmo tempo. A região transicional envia então essas representações conceptuais ao hipocampo, onde são criadas representações ainda mais complexas.[LED 98]

    Além disso, o hipocampo e o córtex entorrinal encontram-se interconectados com um núcleo chamado núcleo medial do septo, localizado na linha média a certa distância do lóbulo temporal. Este núcleo processa, em parte, informação de índole aversiva e ansiogênica, e em parte informação espacial e têm também algum papel ainda não determinado em relação a memória de trabalho. Desempenha todas estas funções de forma distinta à amígdala e ao hipocampo, pois, apesar de suas conexões diretas e indiretas com estes, o núcleo medial do septo conecta-se com o córtex entorrinal e outras estruturas.[IZQ 92]

    Ao conjunto formado pelo núcleo medial do septo, o hipocampo, a amígdala e os córtex ento e perirrinal se denomina sistema límbico. [IZQ 92]

    Passados três anos da cirurgia polêmica de H.M., vários grupos de investigadores dos Estados Unidos descobriram que o septo, a amígdala, o hipocampo e o córtex entorrinal possuem neurônios capazes de responder, cada um deles, a distintos estímulos sensoriais. Assim, alguns respondem a estímulos visuais e olfatórios; outros a estímulos táteis e dolorosos ; outros a visuais, dolorosos e olfatórios, etc. As respostas de cada célula da amígdala, do hipocampo e do septo são muito específicas e aparentemente não existem duas células que respondam da mesma forma a um estímulo ou conjunto de estímulos específicos. Assim, a partir da década de 50 postulou-se que estas estruturas anatomicamente tão íntimas deviam possuir um papel chave no aprendizado e na formação de memórias, principalmente na fase de consolidação. Haja visto que o paciente H.M. não perdeu suas memórias anteriores, o hipocampo, a amígdala e o córtex entorrinal não poderiam ser local de armazenamento das memórias de longo prazo. [IZQ 92]

    Conforme estudos do professor Ivan Izquierdo, introduzindo cânulas no cérebro de ratos, para a administração de certas substâncias inibidoras ou estimuladoras de sinapses específicas pode observar-se o seguinte:

Nas três estruturas, amígdala, septo e hipocampo, são necessários tipos específicos de sinapses para a consolidação da memória. Seu bloqueio, em qualquer das estruturas, pela micro-injeção de antagonistas, imediatamente após a aquisição, impede a consolidação.
O processo de potenciação de larga duração, responsável pela consolidação, na amígdala e no hipocampo se expressa durante um período de aproximadamente 3 horas.

    Cada experiência ativa, especificamente, certas sinapses da amígdala, septo e hipocampo, porém não todas. Cada uma destas três regiões recebe informação procedente de distintas vias sensoriais. Estas emitem axônios colaterais, a nível de mesencéfalo, que acabam conectando-se depois de uma ou mais sinapses com a amígdala, o hipocampo e o septo. Como cada neurônio destas três regiões responde especificamente a cada estímulo sensorial ou a combinações de estímulos, cada experiência gera um padrão determinado, e talvez único, de respostas nas três estruturas nervosas. [IZQ 92]

    Segundo o neurologista Robert Stickgold [apud LUC 99], o sono tem um papel muito importante nos processos de consolidação das memórias. Durante o sono os estímulos sensoriais externos são reduzidos a níveis muito baixos. Assim, o hipocampo teria disponibilidade para transferir as memórias adquiridas durante o dia, para suas localizações definitivas no córtex cerebral. Além disso, na fase REM do sono, somaria-se a esta atividade a associação dessas novas memórias com memórias antigas, anteriormente gravadas.

O papel do Córtex Entorrinal na consolidação

    A amígdala, o hipocampo e o septo estão intimamente conectados com o córtex entorrinal. Este, por sua vez é imprescindível para a memória nos 90 a 180 minutos que sucedem a cada experiência: o bloqueio farmacológico de determinadas sinapses nesses períodos causa amnésia. Cada experiência, através da ativação seletiva de neurônios na amígdala, hipocampo e septo e da persistência da mensagem correspondente por potenciação de larga duração para posterior registro no córtex entorrinal, poderá gerar memórias.

    A amígdala, o septo e o hipocampo processam aspectos distintos e específicos das memórias. O córtex entorrinal integra a informação procedente destas três regiões e seu papel tardio sugere também que pode integrar informação proveniente de memórias sucessivas. Toda a cognição humana se fundamenta no processamento sucessivo de informação e no reconhecimento desta sucessão. Sem ela não teria sentido do tempo nem de espaço, os processos mentais careceriam do senso de continuidade e de lógica.

    Izquierdo, no treinamento com ratos, usando choques de pequena intensidade, verificou que uma seção não era suficiente para produção de boas memórias. No entanto, duas seções sucessivas, com espaçamento de 2 horas geravam a integração ou soma das duas seções, obtendo-se uma boa memória nos ratos. A inibição farmacológica do córtex entorrinal no intervalo entre as duas seções impediu essa integração ou soma. Mostrou-se essencial a função do córtex entorrinal para unir a informação da primeira seção de treinamento com a segunda , duas horas depois. O mal de Alzheimer, acompanhado de grande défice de memória e outras deficiências cognitivas, caracteriza-se por lesões no córtex entorrinal. [IZQ 92]

 
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