História do Ritual Maçónico em Portugal no século XIX (1820-1869)*

De 1820 a 1869 praticaram-se na Maçonaria portuguesa seis ritos diferentes: o Rito Francês, o Rito Simbólico Regular, o Rito Escocês Antigo e Aceite, o Rito de Heredom, o Rito Eclético Lusitano e o Rito de Adopção. Diga-se desde já que o primeiro e o terceiro predominaram, a grande distância, sobre os quatro outros.

A constituição maçónica de 1806 adoptara o Rito Francês como oficial e único no seio do Grande Oriente Lusitano. Enquanto nesta obediência se esgotaram os trabalhos maçónicos portugueses, o Rito Francês manteve a sua exclusividade. E mesmo depois, quando já os maçons portugueses se achavam divididos em facções numerosas, o Rito Francês continuou a prevalecer.

O Rito Simbólico Regular parece ter sido utilizado na loja de exilados instalada em Inglaterra durante o reinado de D. Miguel. Depois, esteve morto ou moribundo durante quase todo o período em estudo. Há notícias de uma única oficina a praticá-lo, a loja 24 de Agosto, criada antes de 1843 na obediência da Maçonaria do Norte e, em seguida, da sua sucessora Confederação Maçónica. Esta loja já não existia em 1867.

O Rito Escocês Antigo e Aceite foi introduzido em Portugal em 1837, ao nível dos três primeiros graus. Deveu-se à Grande Loja de Dublin (Irlanda), que instalou em Lisboa, nesse ano, a loja Regeneração I. No conjunto dos 33 graus, o Rito Escocês surgiu três anos mais tarde, sob a chefia de Silva Carvalho e da loja Fortaleza, que constituíram o chamado Grande Oriente do Rito Escocês, conseguindo, em 1841, autorização para erigir um Supremo Conselho. Neste mesmo anos de 1841, o Grande Oriente Lusitano introduziu o Rito em algumas das suas lojas, criando, pouco depois, um segundo Supremo Conselho. O Rito Escocês Antigo e Aceite penetrou ainda no Grande Oriente de Portugal (1849), na Confederação Maçónica Portuguesa (após 1849), no segundo Grande Oriente Lusitano (1859) e, evidentemente, no Grande Oriente Português (1867). Apesar da manutenção e consolidação do Rito Francês foi, sem sombra de dúvida, o Rito com maior dinamismo e força expansiva nos meados do século XIX, registando aumentos contínuos e consistentes no número de lojas que agrupava.

O Rito de Heredom ou Rito de Perfeição foi o antepassado do Rito Escocês Antigo e Aceite e não passa de uma variante sua. Pelo menos na década de 1840 confundia-se com o Rito Escocês, coexistindo, em diplomas, as duas terminologias. Tem 25 graus, com os mesmos títulos e características dos primeiros 25 graus do Rito Escocês, à excepção dos nº 20, 21, 23 e 24, onde se registavam variações. Que se saiba, seguiu este Rito em Portugal uma única oficina, a loja Fonseca Magalhães, fundada em Lisboa talvez em 1858 ou 1859, na dependência directa do Supremo Conselho do Grau 33 do Rito Escocês Antogo e Aceite, presidido por Domingos Correia e Arouca.

O Rito Eclético Lusitano deveu-se a Miguel António Dias e parece ter sido, até hoje, a única tentativa de constituir um rito próprio e exclusivo dos maçons portugueses. Aquele autor esforçara-se, desde 1838, por reformar toda a Maçonaria portuguesa, adoptando como rito as práticas básicas dos Rito Francês, embora revisto e adaptado a Portugal. Neste sentido redigiu umas "Bases Gerais" em seis capítulos e 34 artigos, que publicou na sua Architectura Mystica do Rito Francez ou Moderno (1943) e depois, novamente (1853), nos Annaes e Codigo dos Pedreiros Livres em Portugal, agora com lei orgânica e regulamento apensos. Neste mesmo ano, Miguel António Dias conseguiu controlar uma série de oficinas, levando-as a aceitar o novo rito e a sua presidência de um governo provisório coordenador. Para elas instalou-se formalmente o Grande Oriente da Maçonaria Eclética Lusitana, com cinco lojas, sendo três em Lisboa (Regeneração 20 de Abril, Firmeza, e Fraternidade), uma em Setúbal (Firmeza) e uma em Torres Novas (Torre Queimada). A nova obediência conseguiu ainda elaborar a sua Constituição (28 de Setembro de 1860), mas não parece ter durado muito para além dessa data. Algumas das oficinas abateram colunas e outras integraram-se no Grande Oriente de Portugal e na Confederação Maçónica Portuguesa, não sabemos se mantendo o Rito Eclético Lusitano, se voltando ao Rito Francês.

O Rito de Adopção , destinado exclusivamente a mulheres, surgiu e manteve-se como ponte entre uma maçonaria estritamente masculina e arrogando-se de ortodoxa, e uma maçonaria aberta a ambos os sexos. Assim, cada loja deste rito era fundada e patrocinada ("adoptada") por uma loja regular masculina, que nela superintendia e a controlava. Para não se criar, nas lojas femininas, a ilusão de igualdade com as masculinas, através de práticas que fossem idênticas em ambas, forjou-se um rito diferente - embora com alguns elementos comuns -, o chamado Rito de Adopção. Este Rito, na variante com cinco graus, foi introduzido em Portugal em 1864, com a loja feminina Direito e Razão, aparentemente subordinada à Confederação Maçónica Portuguesa. Mas achava-se definido e teorizado, com rituais em português, desde havia muito.

Conclusões

A existência e a adopção teóricas dos ritos não significavam necessariamente a sua aplicação prática. Para começar, muitas lojas, "não tendo rigorosamente seguido rito algum especial, têm confundido muitos ritos diferentes" o que se devia, quer à falta ou à escassa divulgação de manuais, quer à semelhança existente entre os vários ritos, mormente nos três primeiros graus, quer ainda ao desinteresse, ao nível de Obediência ou de oficina, pelo próprio ritual.

Em 1822, por exemplo, saiu a público um manual do Rito Adoniramita, que chegou a ser anunciado no Diario do Governo. Era, provavelmente, o Cathecismo de Aprendiz do Rito Adonhiramita, s.l., s.d., cujas divergências do Rito Francês seriam mínimas e que pode ter sido utilizado nas lojas. A preferência pelo Rito Francês imposta pela Constituição maçónica, levou acaso ao abandono da iniciativa tradutora.

As influências francesa e brasileira na prática e teoria ritualistas parecem também claras, exercendo-se sobre a esmagadora maioria das lojas de quase todas as Obediências. Originalidade portuguesa praticamente não existiu, a não ser no caso esporádico da doutrinação de Miguel António Dias.

Por fim, releve-se a extensão e prolixidade de todos os rituais, cuja prática escrupulosa levaria a sessões de várias horas, equivalentes a espectáculos lúdicos de qualquer género. A participação em loja obedecia também à necessidade de ocupar o tempo, numa sociedade onde as distracções não abundavam e o convívio pessoal se impunha.

* A.H. de Oliveira Marques, "Para a História do Ritual Maçónico em Portugal no Século XIX (1820-1869)", separata da Revista de História das Ideias, Vol. 15, Faculdade de Letras, Coimbra, 1993.